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in 2009 with funding from
Universityof Toronto.
http://www.archive.org/details/vidadedjoodecaOOfrei
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VIDA
D E
D. JOÃO DE CASTRO,
QUARTO VISO-REY DA JNDIA.
ESCRITA
POR
JACINTO FREYRE DE AXDRADA.
NOVA EDIÇÃO EMENDADA,
E
ACCRESCENTADA DA VIDA DO AUTOR.
I- í ? B o A. M. DCC. XCVlíI, ^^ ["^ ^H
NaOff. de SímÃo Thaddeo Ferreika-,
Com Licença da Meza do Desembarco do
Paç9»
Venae-se na loja de Pedra 'José Riy ,
Mercador de Hvros ao Xiado tia íiquma
da Kiui Nova, d^ S. Francisco.
Utit'
Taixão este livro cm papel na
quantia de trezentos e sessenta réis.
Lisboa 27 de Setembro de 179S.
Com três Rubricas.
•>^ xxxxx>o<xxxxx><>o<><xxxxx>o<M.
8t AOS CLUE LEREM.
SAo os Proiogos hum anticlpá-
do remédio aos achaques dos li-
Vros 5 porque andao sempre de com-^
panhia os erros , e as desculpas. Eu
■por hora me desvio dó caminho tri-
^Ihado 5 não quero pedir perdão de
nada : quem achar que dizer , não
me perdoe , (nem será necessário en-
comenda-lo. ) Se liie notarem o livro
de roim , não negarão que he breve,
c escrito em lingua Portugueza , que
tantos engenhos modernos ou temem ,
ou desprezão , como filhos ingratos
ao primeiro leite , servindo-se de vo-
zes estrangeiras , por onde passarão
como hospedes , sem respeito áquel-
las veneráveis cans , e ancianidade ma-
dura de nossa linguagem antiga. Es-
crevi esta Historia com verdade de
memorias fiéis , sem que a penua ,
ou o affecto alterasse o menor acci-
dente. Antes que este papel sahissc
dos bon-oens , sey que muitos o ca-
A ii xa-
xarão de escasso , dizendo , que hou-
Yera de dilatar a Historia com allu-
soens , e passos da Escritura , que
fizessem mais crecidò volume : estes
comprão os livros pelo pezo , náo
pelo feitio: de mais que não permi^-
tem tão licenciosa penna as leys da
Historia. Outros queriáo que me vales^-
-se do estrépito de vozes novas , a que
chamão Cultura , deixando a estrada
limpa por caminhos fragosos , e tro-
cando com estimação pueril , .o que
lie melhor ,, pelo que mais se usa.
Mas como não determiney lisongear
a gostos estragados, quiz antes cem
a singeleza da verdade servir ao ap-
plauso dos melhores , que afama po-
pular , e errada.
11 A VI.
A 1 ^ V
OÍ2
D
r ■'•li.»-: r- <
P Q A U T O R.
Tfr4Í)í 'da Bihliotbeca .fMshana.
JAcTNTO Freire DE Andrada
naceo em 3 Cidade de Beja da Provín-
cia Transtagana , onde teve por proge-i
nkores a Bernardim Freire de Andrada j
e D. Luiza de Faria, de igual nobreza
á de seu consorte , por se derivar do Cas-
tello de Faria , na Província de Entre
Douro , e Minho , solar de huma das
mais antigas Famílias deste Reyno. O
sublime génio , que logo descobriu nos
primeiros annos para as letras , moveo a
seu Pai para que frequentasse a aula de
Minerva , e náo a palestra de Marte ,
cm que elle em obsequio desta Monar-
cKia tinha obrado acçoens de eterna me-
moria, Instruido nos preceitos da língua
Latina , Poética , e Oratória , passou á
Universidade de Coimbra , onde fez ce-
lebre o seu nome , pelos acelerados voos
com que se remontou o seu penetrante
engenho com enveja de seus cotidiscipulos ,
e
VI Vida
c, dos Mestres á investigar òS, arcanos r^a,
Theologia , e ãs difíiculdádeá de^humsí,'
e outra Jurisprudência , <jue rodos se fa-
ziáo patentes- á sua profqnda comprehen-
sáo. Resoluto á seguir "a Vida Ecclesi-
astica recebeo o grão -de Bach^^l na. Fa-
culdade dos- Sagrados Cânones"- a fS* de
Maio de 1618, como própria do Esta-
do que e.^g^ra , € passando .á Corró de
Madrid mercceo distintas estimaçoens das
principaes Pessoas da Jer^irquia Ecclé^ia^-'
tica > e Secular , que sendo devjdas á n<j'- .
bfczâ do seu -nacimento se fazia delias»
rçíaior acredot pela sublimidade do talen^t
to. Não contava muitos dias de assisten-^-
cia naquella Corte , quando foy provida-
na Abbadia de Nossa Senhora da Assump-í
çáo dç Sáobade em o termo òi Villa da
Alfandega <ia Fé em a Província Trans*.
j-nontana , que ero do Padroado Real; O-
poçto , que era muito rendosa , passou por{
nova nomeação para ^ Abbadia de Santa>
Maria (das: Chás do mjsmo Padioadp >■
situada enl- o Conselrio de Tavares do-
Bispado d« 'Vif?eu ,• hum dos mais opu-i
lentos Benefícios deste Reino í Conhe--;
ciindo o primeiro Ministro de Castella ai
pr^undídade de seu juizo , JHe partici-,
pou alguns negócios graves , que felismen-»^
re scconduiráo pela madura direcção da>
sua- prudência. Ao tempo , que imagi-
na-
DO A U T O B. VII
nâv?. ser generosr.mente premiado pelos
serviços que fizera em obsequio da Co-
roa Castelhana , experimentou huma fa-
tal tormenta ocasionada da fiel liberdade
com que vocalmente , e por escrito , de-
fendeo o direito da Sereníssima Caza de
Bragança ao Trono de Portugal violen-
tamente usurpado pela ambição de Filip-
pe Prudente. Para evadir a prizáo á que
estava condenado sahio ocultamente de
Madrid i e vencidos vários perigos buscou ,
para azijo da adversidade que o ameaça-
va, a sua Igreja das Chás , onde assis-
tfo largo tempo ; e posto que a lembran-
ça- da Corte lhe fazia mais intoleráveis
a aspereza do Clima , e o horror da So^-
lidáo , temperava estas m.olesiias com a
liçáo dos livros em que consumia a maior
parte do rempo. Aclamado no anno de
1640, legitimo Successor da Coroa Foriu-
gueza o Sereníssimo Rey D. ]oáo o IV.
passou a Lisboa , onde foy recebido des-
te Monarca com agrado , da Nobreza com
aíFecto , e do povo com veneração. Por
morte do Princ»pe D Theodosio , á quem
^oy sun^.mpmente aceito, oelegeoFlRey
D.- João para Mestre do Principe D. Af-
fonso , cujo lugar aind? que honorifico
resolutamente regcitou , prevendo Que os
seus dociimenros haviáo de ser inciteis
para (juem a natureza incapacitara para a
dls-
VIIÍ V I D X
disciplina. Determinado" ElRey de ocupar ■
o seu talento em alguma das Cortes da
Europa , e náo executando e^te intento,'
lhe offèreceo o Bispado de Viseu j á cu-
ja offerta respondeo com discreta galan-
taria qne não queria gozar de hríma dig»
nidade em leite , pois não podia ser em
carne , aliudindo á repugnância com qne
os Ponrifices , naqueile tempo mais attcH-
tos á politica de Castella , que ao pasto
das Igreja? de Portugal, lhe negaváo a
confirmação dos Bispados. Deste apothe-
gma jocoso , que os seus Emulos inter»
precaráo por liberdade indecorosa ao Prin*
eipe , se seguio ser julgado por mcapaz-
<áe ministério quem era tão resoluto nas
acçocns , e claro nas palavras. Conhe»
cendo que somente as lisonjas erão pre-
mi.-ídas na Corte , se retirou para a sua
Igreja , onde dominava a sinceridade , da
qual o obrigou, á ausentar-se a assistência
de sua irmã D. Maria Courmho , que mo-
rava em Lisboa , com a qual viveo alguns
tempos occupado na cultura dos livros , em
que achnva a maior deleitação , até que
mais cheio de merecimentos que de an-
nos , pois náo excediáo de Co , espirou
placidamente á i ^ de Mayo de 1657 •> em
as cazas próprias , situadas ás Portas de
Santo Antáo. Jaz sepultado na Parochial
Igreja de Santa Juata , em humilde jazi-
go ^
DO A U T O B, IX'
fo , digno certamente que fosse deposiro
das suas cinzas o mais sumptiiozo Mau-
soleo. Teve a estatura mais que ordinária ,
o aspecto melancólico , e grave , de tal
sorte , que olhado infundia respeito ; a
conversação agradável com apothe^mas.
igualm.ente galantes que agudos ', o tra«;
to com as pessoas táo moderado , que
nem era arguido de severo , nem accuzado
de faciK Como inimigo jurado da adula-
ção 5 fallou sempre com liberdade , estra-
nhando aos fautores de acçoens criminosas ,
e proferindo, o seu voto com mayor at.^^;
tenção á conciencia , do que ao respeito.:
de quem o consultava. Foy com os po-
bres liberalmente charitativo ; com os hu->
mildcs summamenre humano; e com os
Fidalgos, parcamente comiunicavel. Teve ^
natural afluência , e elegância para a Poe-tç
2ia vulgar , alcançando a palma entre os •
mais suaves Cisnes do Parnazo Pcrtuguez , ,
sendo os seus Versos sérios cu jocosos^
claros Índices da sua fecunda , e discre-
ta Musa, K\^.içT espirito mostrou na com-
posição da ílLstorJa, onde o seu judicio-.;
so talemç dilatou mais vastamente a de-,
licadeza dos seus pensamentos. Persuadi» •
do dasíepetidas instancias do Bispo Inrv
quizidor Geral D. Francisco de Castro,,
neto do clarissimo Varáo D. Joáo de Cas--
tro , quarto Vice-Rey da índia , escreveo
a
X Vida
a vida deste Heroe , com tão elegante
frase , que deixou duvidosa 3 posieiidade
se fora mais feliz D. ]oáo de Castro pe-
lo que obrou com a espada no Oriente ,
sè pela penna com que descreveo Jacinto
Freyre as suas gloriosas e immortaes ao-'
çoens em todo o mundo. Nesta primo-
rosa obra excedeo a magestoza pompa-
dos Livios , Curcios , eThucydides , ve-
nerados Oráculos da Historia Romana , e
Grega , uzando de estilo altiloquo , e cor--
rçnte , palavras naturaes , e elegantes ,-.
pensamentos agudos , e claros. Cada clau-»
suía he íilha da eloquência mais sublime ,•
•e cada período parto da locnçáo mais
discreca. Persuade com eficacii , discorre
<íòm juizo , reprehende com moderação ,
e* louva sem lizonja. Igual methodo se
admirou nas suas cartas , não se distin-
guindo o estilo familiar com que tratava
aos seus amigos , daquelle á que o res-
peito das pessoas fazia ser mais severo,
P'ir inj^enio selectissimo o intirúla Toan.Soar.
ÒQ Brito , Theit, Liuh, Litcri lie. H. n^
56. Cardoso Agiolog. Unit. tom. 2. pag^
lOD. no Conent. de ii. de Março letr.^
C. O /íbhide 'Jacinto Freyre de Andra*
dl rta celeberrimi Vid,^ de D. JoÍ9 de
Castro, Souzi. Apptrat. a Hist, Gen. da
Ciz, Real. pag. io5. ^. 11;.: Do sers ad-
mirável taí^fif) , « diicri^ÔQ , nos deixou
t> <5 Â V r O K, XI
irrefrigavel testemunho ttaquella inimta'
ve/ obra da. Vida de D. João de Cauto
•quATto Fiso-Rey díp índia , em ^íff a f/o-
^fuencia , e pureza da nossa lingua se ad-
mira em hum estyh tam sublivie 3 que he
huma das obras mais singulares que se tem
escrito , e por isso igunlmeme estimada não
só dos nossos , mas dos Estrangeiros. Tei-
xeira Vid, de Gom. Freire de Andrada PaK.
I. liv. 2. 5.75. ã Corte o venerava De*
tttosthenes Lusitmo ^ e o Reyno Ocero Por^
tuguez, Franckenau Bib, Hisp. Gen, He-
raid. pag. 198. Diogo Gouvea Barradas
Antig.^ de Beja, liv. \. cap, 27. )acinca.
Cordeiro Elog. dos Poet. LusiLEsunc* ;4-
Jacinto Freire gloria de H^licàna
De Andrada lustre de seu novibrc gloria
Si jlor de jacta , y piedra perficiona
La gala deste nombre amahíe historia ;
Merece con justicia la corona
Qjíe ie escrive el ingenio en la memoria,
Del Templo de la Jama, h que le llama
lan immortãl con el será la Faina,
c o M p o z.
Vida de D. '^oão de Castro qu ítre Vi-
S0'Uey da Indià. Lisboa ni Officina. Cras-
beekiana. i^-çi. foi. & ibi , por ]oáo da
Costa. 167*. foi. , & ibi 5 pelos herdeiros de
Miguel Manescal. 170;^. fíil. òc ibi na OíR-.^
et-
^" Vida
cina da Musica ; 1722. '8: Sc^ún por
Anr©nio "Isidoro da Fonceca 17^6. 4,'
Sahio rraduzid.T na lingua Itigleza por Pe-"
tef Wicliek com este titulo : The life of
Z>om Jobn de Cmro , the /oufeh yice-Ref;
0/ Indi^: London , por Henry Herring-
rii>n. 166^, foi, ; e ultimamente na lin-"*
gua Latina pelo Padre Francisco Maria dei-
Rosso da Companhia de JEZUS. Rom*-
ex Typographia Rochi Barnabó. 1727. 4^
O juízo , que o tradutor faz do Autor
da obra , he o seguinte : Scriptor , quem'^
merpreiandum suscepi , ut magni est apud
Lusitanos nomints , ita nationibus cateris
non improbMtur • habet enim in narranâ(y
tion mediccrem jumnditatem , et illabord'
tum cãndorem j pressus est , et velox ut hls-
tOricum decet , quin tamen obscurus sh ,
vei supinus i eUgántiam sectatur , sed non
jejunam, acMmen , seA minitiie illiberale. Nes-
ta edição sahio com o Retrato de D. Joáo
de Castro primorosamente aberto , e na
parte inferior animado com o seguinte
dysticho ':.
Qualís , quãntus érat pietate insignis ,
<^ armis ,
Spirat adhuc pictd Castrius in TabuU^'
Portugal Restaurado, He tradução Ja >
obra intitulada Lfísitania Liberata quéi
com»
D o . A U T o K. XíH
compoz o lilusrrissimo Capçiiáo mór D,
NJanoel da Cunha , c]ue saihio sem o sea
nome. Foy dedicada a tradução impressa
sem anno , nem lugar , em 24 , a Sere-
níssima Rainha de Poiíugal D. Luiza Fran-
cisca de Gusmáo , fechando o tradutor a
Dedicatória feita á 20 de Março de 164^,
com estas discretas palavras : /Jffui tilo hã,
couiX minha ^ senão os erros da P'ersâo;
porque triduzir não he mais que levar
hum recado alkeo , que cu aceitei píira com
elle me por de joelhos aos pus de F, M^-
gestade.
Origen , y progresso de U Caza^y FjL'
milia de Castro , y de los grandes bombrcs
que ha havido en elU , desde su principio
basta nuestros tiempos , sacado de Chront-
cas , Historias , y otros Autores dignos de
todo credito foi. M. S. Esta obra foy com-
posta em obzec]uio do Bispo Inquizidcr
Geral D. Francisco de Castro , a qua! dei-
xou sua sobrinha D. Mariana de Noronha ,
€ Castro aos Padres Theatinos desta Cor-
te sua magnifica Bemfeitora , e se conser-
va na selectissima Livraria desta douLa
Communidade.
^ Dos seus \^ersos se poderão formar
volumes , dos cjuaes a maior parte pere-
ceo no fatal incêndio , que devastou as
ca^as em que morava ás portas de San-
to Antão desta Cidade; e unicamente se
A-
xfv V r i> A
fizeráo públicos no Tom. ^. da Téniz rettít--
cida ; ou Obras Poéticas dos melhores enge-
nhos Portugueses. Lisboa por Joseph Lo-
pes Ferreira. 1718. 3. de-sde pag. 51^, até
^84. Diversos Sonetos , Romances , Syhas^
Can^oens , Endechas : Fabula, de Narciso^
consta de 54 ouravas ; Fábula de Polife-
mo , e Galatea , consta de 6 1 ouravas. A
estas duas Fabulas celebra o Padre An-
tónio dos Reys no Enthus. Poet. n. 70.
como a seu elegante , e discreto Author
«om estas métricas vozes :
Crinibus Andradii posuh Narcissm odo-^
rum
£x sentet sertim j nec non Polyphemas y
antíisus
Sh licet , Iddeâ pr<€sUit âb arbore ramum^
Et male contextum , (narn dextra est ini*
cia cultus .;.
Barbara ) doiiavit*. ... '-'-^*
VI-
* ».('4b.f^i5^í^«^ í^í^^ >(^^
xxxxxx^ *rT* T^í xxxxxx'
^
VIDA
D E
D. JOÃO DE CASTRO,
QUARTO VISO-RET DA ÍNDIA.
LIVRO I.
ScREvEREY a vida de Dom
João de Castro , vario ain-
da mayof que seu nome ,
mayor que suas viciorias; cu-
jas noticias sáo hoje no Ori-
ente , de pays á filhos , hum livro sue-
cessivo ; conservando-se a fama de suas
obras sempre viva j e nós ajudaremos
o pregão universal de sua gloria com
este pequeno brado : porque durão as
memorias menos nas tradiçoens , que
nos escritos.
Foy
2 Vida de D JoSo de Castro.
Primei' Foy D. JoâO de Castro , entre os
ros es tu- de táo grande appellJdo , iiltrstre des-
dos de cendenre j mas primeiro relataremos ai
D. João virtudes , e depois a origem , por se-
de Cas- rem as obras próprias , pays melhores ,
^''^' cjue os que da natureza se recebem.
Passou os primeiros annos , cultivado
nas letras , e virtudes que sofre aquel-
la idade , sendo táo fácil o natural í
disciplina , que náo havia mister torci-
do 5 senão encaminhado. Como náo
era D, Joáo herdeiro da casa de seus
pnys , dispunháo elies inclina-lo á es-
tudos mayores : porque nas casas gran-
des foráo sempre neste Reyno as le-
tras o segundo morgado Obedeceo D.
Joáo em. quanto náo tinha liberdade
para engéitar , nem escolha para to-
mar outro exercido,
Aprendeo as Mathemacicas cora
JppUca- i>ç^rQ Nunes , o mayor homem , que
1^/^ desta proíi<çsáo conhcceo Portu;^aI ; fa-
zendo-se tao sinsular ne^ta ÒCíencia »
maticas , ^ , , t
em com- ^omo se a houvera de ensinar, isesta
nanhin escola acompanhou o infante D.Luiz,
dolnfan-^ quem se fez familiar ,' óu pela qua--
te D. lid:ide , ou peio engenho j porem cc-
,Luu, mo D Joáo amava as letras por obe-
diência , e as armas por destino , des-
pregou, como pequena , ã gloria das
escolas , achando para seguir a guerra ^
era.
Li V j ò L
em -^i indinaçáo , era seus svós e.^Swo.
Era n^qucile tempo ciara a fama
de D. Duaríe de Menezes , Governa-
dor ds Tanger ^ cujo nome os Afri-
canos Oaviáo cum temor , e nós com
icverencis. Considerava D. Joáo mé-
Ihor suas victorias , qviQ as figuras, e
círculos de Euclides , amando as artes
cm quanto podião servir ao valor.
Chegado aos dezoito ..nnos , ven- ^^^^^ «
'?'*/ í^sis crecido no brio , que na ^"'a^''*
idade , fugindo se embarcou para Tan-
ger ; onde contra o estylo daquellas
praças , assjstio nove annos , como
suem queria f«ízer vida do que era só
caminho. Em todas as occasions dV
^uel a guerra se portou com esforço
Jgual 3o sangue , e maior que os an-
nos , merecendo congratula çoens dos pa-
rentes , invejas dos soldados.
D. Duarte de Menezes o respei- D. Dw
tâvâ , como se houvera lido nesta Hi> ^^rte ds
toria as victorias da A*ia , que estamos ^^Unezss
escrevendo. Por. suas mãos lhe quiz ^ «'"'"^
a;'r, e receber a honra de o armar Ca- ^^'''^'^^^■•
vr.lleiro , gloriando-se táo anticipada- ''^•
"^^nte no filho da sua disciplina. E
vendo que táo grandes espíritos mcre-
ciao ser ajudados dos favores Reaes ,
desejando que reápondcssem o» pré-
mios ao valor ; zelando igualmente a
B cau-
4 Vi D A DE DJoXo DE CaSTRO,
F. infor causa do Rey , e do Vassalío , escre-
ma « El' veo a ElRey Dom João o Tereeiro ,
Reij de que Dom Joáo de Castro havia servi-
jeu me- ^q ^^ maneira , que nenhum posto ,
recimen- ^^ mercê já lhe seria grande : que Sua
^^' Alteza o devia honrar , porque as lem-
branças dos Reys faziâo soldados , e
era justo , que aos olhos de láo gran-
de Príncipe náo ficassem sem premio
as virtudes.
ElK'èy o ElRey mandou logo chamar a D.
chama , ]oáo por huma. carta , táo honrada , co-
honra , e mo se lhe náo quizera fazer outra
premea, mercê i Com a qual D. Jeáo se veyo
á Corte , onde foy táo envejado pelas
feridas , como pelos favores. ElRey lhe
fez mercê da commenda de Salvater-
ra , acordando aos homens de novo
seu merecimento a estimação com que
os tratava.
Seu o- Cursou Dom Joáo algum tempo a
cedimen- Corte , sem que a nenhum desar da
to naCor* mocidade o arrastassem os annos , ou
ig^ os exemplos , parecendo verdadeiramen-
te varáo em toda a idade j porém com
tal medida , que nem a madureza o
fazia pesado, nem a urbanidade fácil.
Soube philosophar entre as diversões
da Corte , evitando naquelle género de
vida a parte que tinha de ociosa, mas
náo a de dis creta.
Mu-
L I V i<ôs L ' I
?Jiidou de est-^áo , casando com Cafêa
Dona Leonor 'Coutinho , sua prifria ^^"^ I^<»-
segunda , filha de Leonel Coutinho , '^^ J^^^-
fidalgo da ilíustrissima casa de Marial "^'* ^^"'
va , nobreza ráo conhecida , e táo an- ^'''^*'*
riga, què delia , e do Reyno temos
Igual noticia. Náo lhe deráo outro do-
te (jue as qualidades , c virtudes da
esposa; porém sem os arrimos da fa-
zenda , conservou o respeito de manei-
K , que era tratado de todos com
veneração de rico , e lástima de po-
bre. ^
OíFereceo-se neste tempo a prm- Jcrnarfa
da de Tunez, facção mais celebre po- <^^ T«-
ia victoria , que pola utilidade ; de "^*-
que náo coube a Dom João de Castro
pequena parte na honra , e no peri-
go. Daremos do successo relação me-
nos abbreviada, por haver ElRey Dom
João empenhado na facção o poder ,
o Infante. Doni Luiz a pessoa. Havia
?quelle femoso Còssario Barba-Roxa Occasiãa
infestado todo o Mediterrâneo com po- L Z
íier , e atrevimento mayor que de i^i. dU /,,«.
'ata , achando a fortuna ráo prompta vc.
a seus msultos , que entre os triunfos
de Carlos , era só Barba-Roxa o es-
candalo de suas victorias. Vcndo-se ca-
da dia mais crecido em opinião , e
iorças, 8C passou ao serviço do Turco,
B ij com
^ ViDA DE 0.}oSo DE CaSTFO.
rv.v^J com quem jí a lama de nossas inju-
-»jCT Hw:> rias o tinha acreditado , e comprando-
'W^\ i.ív Ih^s a. graça com o mais precioso de
-v.w^i n<^tt seos : roubos , alcançou ser General do
.<iíV ;! niar j; e baixando diversas vezes com
grosso numero de galés , feZ; grandes
idanos nos portos de Nápoles , e Sicí-
lia , sem que bastasse a defendelos o
valor de seus naturaes , nem a tutela
dO' império a que serviáo, Cativou in^
finitas almas , perdendo muitas a Fé
poh liberdade; assolou povos^ e abra-
sou navios 5 dando lhe as misérias dos
Chrisráos , entre os Bárbaros , huma
gloriosa fama , até que esquecido de
seus principios , lhe fizejáç as prospe-
ridades lugar á ambição de reynar,
usurpando -p Reino ^ de Tunes com va?-
rios 'artifícios , cuja relação não serve a
nossa Historia. Vendo pQJç, Carlos este
lyranno já com foíça.s-.ptoprias , fo-
mentadas de outro.. ||oifír mayor ; e
- , ./que. peia vizinhança" d^ .seus, Reynos
. r, 3„. náo convinha que creas^e raízes ás porf-
ias de sua mesma ca&a ; e que os
Mouros , aquém não : faltava v^lor ,
mas disciplina , industriadas de solda-
do ,táo pratico , iviçiáp z cenhecer
^uas força?,, em dano -«á? ^^us Rey-
nos ; resolve buscaJo^ , com ^wm^ pode-
rosa ^armad^, , e.tirâr-ihe p %brigo de
t I V R e> T. 7!
Tunes- , pára que quindo melhor Ijic
VTzssc . se tomasse ao -már , donje co-
mo Pinta , só podefM ofFendef corri'
torças vagas, as (^ures- mais facilmen|>
te poderiáo ^icr.bar os^ le^ipos , e ogJ
»uccessos. Tirou os acidados 'velhos^-
aos presídios de Itália , que suprio com-
bisonhos ; fez G;randes levas na Ale-
manha alra, c paizes de Flandres; aIis->
r-ou Italianos , c Hespanhóes , além^
dos seí4hores , e nobreza , qae-erviai
sem soldo; e como cn presa tá c util ,.
c iustittcada , e onde o-FmperauGr em-*:
penhava a pessoa, acudiác muitos aven-
nireiros a acompanhar táo pias , c va-
lerosas ^rmas. Em Sardenha tomou a
Emperador mostra da gente que leva-
va , e nchou viíite c cinco mJI infan.
t^s de lista , ijue receberão soldo , fó-
lí: outra muita gem- que servia sem
^ie , que era huma grande parte do
c-xercfto , e cada dia recebia difiQ'
rentes sfoccorros , que engrossava© o
eam.po,
O Infante Dom Luiz , Príncipe -^'^*'''r^'
digno de empresas i^uaes a seu valor, ''•'"^ ^---
s^ resolveo achar nesta jornada com o ^f "" ^'''
Kmperador seu cunhado ; e ainda que-^'"'^'^ ^•
dElRey Dom Joáo foy muy dtssua- ^'"''"
dido com razoens differentes ^ humas
que topaváo no amor do sang^-e ,« e
ou-
8 Vida de DJoXaDE Castro.
outras no respeitp da pessoa j com tu-
do o Infante interpretando a vonta»
cie d£iRey, mm cm favor de- brio,
que da obediência ; partio secretamen-
te com alguns, fidalgos i o que .enten-
dido por ElRey, , lhe niandou a Bar-
çellona , onde o Emperador estava,
largos créditos , e aprestar vinre c cin-
co caravellas , e alguns navios redon-
dos i entre elies hum galeáo , que ju-
gâva duzentas peças de bronze , o
mayor que até aquelles len^poá surcá-
ráo nossos, mares, á ordem de António
de Saldanha , para qne serviss.em na
jornada; e por reverencia do Infante se;
encoraendaráo as vasilhas da arínada a
fidaigos de -grande conta, sendo huní
deliés Dom joáo de Castro, que nesra
occa;iáo igualmente despresou o peri-
go , e a cobiça , como logo mostrará.
a Historia.
Fidalgos Os fidalgos que se embarcarão nes-
íjue fo- ta armada ., de que alcancey noticia ,
rão nes- foráo , de mais de Dom Joào de Cas-
tajorna-uo , Dom AiFonso de Portugal filho
^à. herdeiro do Conde de Vimioso, Dom
Alfonso de Vasconcellos filho do Con-
de de Penella , Luiz Alvarez de Ta-
vora senhor do Mogadouro , com Ruy
Lourenço de Távora seu irmáo , que
depois foi Viso-Rey da índia , Dom
Joáo
L I V R o I. 9
João de Almeida filho do Conde de
Abrantes , Dora Pedro Mascarenhas ,
que também foy \^iso-Rey da índia ,
Dom Diogo de Castro Alcaide mór de
Évora , Dom Fernando de Noronha ,
Dom Francisco de Faro , Dom Fran-
cisco Pereira Embaixador que foy d'
ElRey Dom Sebastião em Castella ,
Dom AfFonso de Castelbraneo Meiri-
nho mór , Pedro Lopez de Sousa ,
João Gomez da Sylva Pagem da lan-
ça , e D. Luiz de Attayde , que de-
pois foy Conde d'Anou§uia , e mcrreo
na índia , sendo segunda vez Viso-Rey
d aquelle Estado, Todos estes fidalgos
forào servir á sua custa , levando cria-
dos , e soldados , sem receberem sol-
do , com galas, e librés demonstrado-
ras do gosio com que scguiáo a guer-
ra. Tomou a armada o porto de Bar-
ccllona , e salvando a Capitania Im-
perial , deu de si huma mostra bcUico-
sa , e alegre. O Emperador se veyo
ás casas do Embaixador de Portugal
Álvaro Mendez de Vasconcellos , que
por estarem sobre o mar , eráo mais ap-
las para honrar , e festejar a entrada.
- Os Duques de Alva , e Cardona ,
com outros muitos Senhores ,, vieráo
á praya buscar o General , e fidalgos
de sua companhia , que foráo beiju a
máu
IO Vida ôR D.João db'Ca3t RO.
máo ao Empera<áar , o quíl os reco*
bço com todas ks honras , c agasa-
lhos, que a autíioridade sofre, alegrati-
dose ç}€ sé acompanhar de nossa milí-
cia pratica ., e valerosa , a quem náo
patcceriáo 'estranhas as^Luas , e lan-
ças Africanas. Todas. ^$. resoluçoeni
grandes conjmunicava' ò Emperador ao
infante í^cm Luiz , náo só peh gran-
desa da pessoa ^ raas pela do juízo ,
táo pratico na Corte , como no Esta-
do , de <juem r^rirey huín lanço de
urbanidade , pela estimação que d eile
Cortezia *i2eráo OS Castelhanos. Recolhiáo-se
entre o huma noite o Emperador , -c o Infame ,
Enipera c 30 entfsr de huma portia , sobre qual
àor , € o hayia de passar dsante ? jf>ielteaiáo am-
l'ijante bos a coftesia , qiierendo íHnm , que pre-
cedesse a Hospede , outro a Magesta-
de. O Empeiador , travando-lhe do bra-í
ço 5 quasi por .força o fez- passar prw
ineiío. Náo querendo o- Infante acei-
tar esta honra , nem podendo engei-
cala lançou . máo a huma tocha , que
hum pagem levava. Assi /^oube o Infan-
te fazer-setào senhor à^ vontade do
Empcrador:, que tcve^resoluto d-^r-lhe <3
Estado de Míláo y achando nelle qua-
lidades para o merecei- , e para o dei
fender , valor ; mas as pericnçóes de
França íizcriO o dominio d'este Estado^
um
Livro I. ' ii
tam contingente , que ficou o senhorio
d'ellc muiros annos debaixo do juizo
das armas.
Náo relatarey os succe^sos d 'esta O Empe-
guerra , por ser historia slbea- ; bem ''*<^<"'
qae nella D. Joáo de Castro se portou 1"'^'' ^^
■. • ■»-< 1 • mor Cíz*
de maneira, que o Etnperador o quiz .^
armar Cavalieiro v honra de que elle ^"^ *'
SC escusou conii a verdâGie , oe o haver j^.^
já sido por outraí? máo5 , que o ' que ^^^'^ ^'^^^^
llíe faltavão de Reaes , tinhao de vale- ^o ^-^^
rosafc Mandou o Emperador dar dous' ^ ;;,f rcc
mii cruzados 'a -cada num dos Capitães iio di-
da armada , que Dom João singular- nAciro.
niente náo quiz aceitar , porque ser-
via com -mayor ambição do nome que
do premio.
Triunfante Carlos , como outro^*"^^"'-
Scipiáo da guerra de Africa , se veyo ^." ^^|f
deçcançar entre applausos , c acclama--^'"'''^ ^»
çoens de Kuropa , podendo-se chamar ^^^
antes fundador , que herdeiro de seu ^^^^^^^
Império. Voltou também a nossa ar-
mada ao porto de Lisboa , onde Dom
Joáo' achou , nos braços do Rey , e
saudações do povo , mayor premio ,
do que cngeitara do César , e como
varáo que táo bem sabia despresar sua
mesma fama , se retirou á sua quinta
de Cinera , desejando viver para si
mesmo, havendo se no serviço da pá-
tria
12 Vide de DJoXo de Castro.
triâ de maneira , que nem o desem-
parava como inútil , nem o buscava co-
mo ambicioso. Aqui se recreava com
huma estranha , e nova agricultura ,
cortando as arvores , que produziâo fru-
10 , e plantando em seu lugar arvore-
dos sylvestres , e estéreis; quiçá mos-
trando , que servia táo desinteressado,
que nem da terra , que agricultava , es-
perava paga do beneficio: mas que mui-
to , fizesse pouco caso do que podiáo
produzir os penedos de Cintra , quem
soube pisar com despreso os rubis , c
diamantes do Oriente ! >
Passa a Achava -se D. João no melhor de
primeira seus annos , estimulado a servir com
vez, á OS exemplos de sua mesma casa ; e co-
India» mo a guerra de Africa com a nova con-
quista do Oriente , ou se dessimulava i
ou se esquecia, havendo o mundo pot
mais gloriosa a fama , que vinha de
mais longe , resolvco D. Joáo passar á
índia , cuja conquisça ; enchia o Reynq
de fama , c de vi<5torias , embarcando-
se sem pedir posto , ou mercê alguma ,
havendo por mais sua , a honra que
se vay a ganhar , que a que se leva. .
Faz-lhe Passou naquella [occasiáo a goverr
ElRei/ nar a índia D. Garcia de Noronha se«
Tjierce , € cunhado , que estimou levar a Dom
como a Joáo dc Castro com méritos de suc-
étceita» ces-
L I V R o I. 13
cessor , e praça de soldado. EIRey,
lo^ que enrendeo a re oíuçáo de Dom
]oào , lhe mancou dar mil cruzados ca-
da anno o rempo que ser\isse na In-
di3 , e porraria da fortaleza de Ormuz ,
<]ue elle ( náo sey se com mayor am-
bição , ou com mayor temperança )
náo aceitou , por ser mais rara n me-
moria das mercês , que se en^eiráo ,
que da? que se recebem : acçáo mais
fácil de lGUv?r , que de imitar.
Embarcou-se Dom João de Castro te^a
com seu filho D. Álvaro de treze zn- seu f.lh»
nos , dando lhe per entretenimentos d'a- D. Al»
quella idade os perigos , e tormentas varo.
de táo prolixos mares. Chegou a ar-
mada de Dom Garcia á ,India com
prospera viagem , onde achou ao Go-
vernador Nuno da Cunha com arma-
da prompta para soccerrer 2 Dio , e
peleijar com as galés do Turco , que
o tinháo sitiado naquelle illustre cerco ,
que defendeo António da Sylveira. To-
mou Dom Garcia , com a posse do
governo , a obrigação de soccorrer a
praça , para o que se lhe ofFereceo
Dom Joáo de Castro , que como sol- Enihr-
dada de fortuna alvoroçado se embar- case no
çou no primeiro navio , parece que já socorro
presago dos futuros triunfos . a que o de Dio»
chamava Dio. Porém a retirada dos
Tur-
14 Vida de DJoXo de Castro^
Turcos privou a D. Garcia da victo-
liâ , ou lha <]uiz òar sem sangue , se
menos gloriosa , mais segura.
Faleceo brevemente D, Garcia ,
a quem succedeo D Estevão da Ga-*
ma j que na índia teve os brios dos
de seu appellido , e p?.rece que tive-
ra a fortuna , se náo fora tam breve
0 seu governo. Emprendeo huma fac-'
çáo , no perigo , e na gloria , grande ; '
qual foy em boca r o Estreito do mar
Roxo, e queimar as galés dos Tar-
., cos 5 que no porto de Suez se fabri-^
caváo com voz de lanjar os Porcuguôi^
zes da índia j empresa que o Turcoí»
reputava por digna de seu poder.- ->
Viii ao Posta de verga d 'Alto toda' a armá^
mar ro- dz , náo hoiivc soldado de vajor á|
xa cem quem nto alvoroçasse o risco de tam-
D. £i- rjova jornada, na qual tanta fama me-
tevão recia a yicroria , como o atíevimcrti
da Ga- tp^ Partio D. Estevão da Gama com>
"'**• doze navios de altaoiaordo^e sessen-
ta embarca çoens de iemò^ 0'primeir($'
de Janeiro de mil , «quinhentos , è'
quarenta , c hum.; • Aqui foy Dom
]oáo de C/tstro Capitão 'de hum ga-
leão , e seguindo çua viagem com Le--
vantes , avistarão a costa de Arábia ,'
posto que derramados. O Governadoí
O. Estevão da Gama a vio em inon^
te
L I V R o I. Tf
•tc Feliz 5 e surto iia boca do Estrei-
to esperou os navios de sua conserva.
Aqui foy certificado , que as g?.lcs
inimigas estaváo varadas em terra , po-
rem tam vigiadas , que se nao po-
diáo queimar senão com força descu-
berta ; o qual seria impossivel aos na-
vios redondos , em razáo dos baixes ,
c restingas daquelle porto : com tu-
do Dom Estevão da Gama , despre-
zando o aviso , e o perigo , pasíou
avante com algumas fustas , huma das
Quaes levcu Dom Joáo de Castro ,
deixando o seu navio. Passarão pelas
primeiras ilhas , situada? em doze grãos,
c meyo , e pela enseada velha em
treze escassos , tomaráo a da Fortu-
na , que está na mesma altura. Em ffcstn
todas estas angras , e enseadas da bo- vic^^em
ca do Estreito até Suez , foy Dom^^:, hum
Joáo de Casrro ^ tomando o Sol , e reuir». -
fazendo roteiro , fermando juizo , já
de Philosopho natural, c já de ma-
rinheiro , mostrando como caminha ce-
ga a experiência rude dos Pilotos sem
os preceitos da arre. Aqui tam judi-
cioso , como soldado , discursou dou-
tamente sobre as causas , porque ao
I már Roxo foy imposto este norae ;
e também dos impul-os , e movi- ;a
mentos naturaes das crescentes do Ni-
lo
i6 Vi D A DE DJoXo DE Castro;
Io nas monçoens do Estio ; matéria
que desvelou muitos engenhos , a (]uem
a natureza tantos annos escondeo es-
tes secretos. Assi contaremos deste
varão como parte menor da sua gran-
desa , o que os Romanos com tara
soberba eloquência escrevem de seu
César , que com ranto juizo tomava
a penna > como com valor a espada.
Este tratado , e outro de que daremos
mais inteira noticia , escritos entre as
ondas do mar , c o açoute dos ven-
tos , dedicou ao Infante Dom Luiz ,
offerecendo-lhe o fruto das letras , que
juntos aprenderão.
P. Es' Nesta paragem virão o monte Si-
Uvão nai onde com fabrica de Anjos forão
mrma ca- as reliquias de S. Catherina coUoca-
valldro dâs em illustre deposito j a cuja vi^ta
a D Al- Dom Estevão da Gama armou Caval-
varo, leiro a D. Álvaro de Castro , o qual
cm memoria de tam celebre sanctua*
rio tomou por timbre de suas armas
a roda de navalhas , com que religio-
samente as illastráo ainda hoje seus
descendentes. Do eífeito d'esta jornada
não daremos particular noticia , por-
que a vigilância dos Turcos nos frus*
'T^rna ^^^ ^ cffeito.
D. João Tornando Dom João ao Reyno ,
ao Kcy- como querendo deixar crescer as pal-
120. mas
L I V R o I. 17
rnas ào Oriente , que havião de coroar
suas victorias , nào desembarcou ou-
tras riquezas , mais que a fama de suas
obras ; e estando com 0$ vestidos do
mar ainda mal enxutos , o nomeou
ElRey por General das armadas da cos-
ta , dando-lhe novas occasiões de ser-
vir em premio do que tinha servido.
Sahio logo Dom João no anno de
54; , a comboyar as náos , que de via- ^^ ^^'
gem se esperaváo da índia , e pai- "^''''' «<*
rando na altura de seu regimento , hou- ^J"!^ *
ve vista de hum Cossario Francez ,
que com. sete navios infestava todos
aquelles mares , e havia feito algu-
mas prezas cm navios de nossas con-
quistas , que o tinháo atrevido , e ri-
co. Logo que Dom ]oáo avistou , se p^j^^.
fez naqueila volta com os navios ar- ^^^^ ^^^
rasados em popa , e atracando a Ga- ^^ „^^,
pitaniâ do inimigo , a abordou , e ren- j^ Çgf
deo depois de porfiada resistência ; me- sariot,
teo dous navios no fundo , e outros
se salvarão com o favor da noite. Os
casos particulares d'esfa briga não pu-
de achar escritos , assi ficara nosso si-
lencio desculpado com o descuido
alhcyo.
i Houve Dom João vista das náos r^^o/Ac
dentro em poucos dias , que com re- ^s da
ciprocas salvM lhe ajudàráo a festejar inála.
a
r8 VíDA nsDJoXo dèCastro;
a roca do Cosiario j entrou com ellas
pela barra de Lisboa , sendo tão geral
o applauso com <]ue foy recebido ,
que parecia hevér pafsado já os. peri-
gos do ódio , e da enveja ; felicida-
de , ou miséria , que só na sepultura
alcançáo , ou evitão , os vajóes ex-
cellentes. Porém d 'estes successos coa-
seguio Dom joáo sómenie o premio
na vicioria : porque quando as d vi-
das são grandes , os Reys por não fi-
carem escassos , arriscão se antes a pa-
recer ingratos ; mais fáceis a confessar
os vícios na pessoa , que na Magestade,
Pouco tempo deixarão a D. Joáo
de Castro descansar no gosto da victo^
ria , porque logo para negock) de ma-
yor cuidado , tornou a vestir as ar-
mas , como refcrirey mais largamen-
te 5 ainda que contra meu costume :
por náo truncar a Historia , buscarei
princípios afastac^o»;. Vio-se aquelle fa-
moso Cossario Haradin Barba-Roxa
quasi desbafatado co:n a perda.de Tu-
nez , e Goieta , e muito mais com a
das gales , perdendo na terra a autho-
ndade de Tyranno , e no már âs for-
ças de Pirata. Porém náo ficou es-
te inimigo de todo táo quebrantado,
que deixasse de gemer ainda Itália
muitos annos debaixo de seu açoute ^
Ti-
L I V â o I. 19
Tinha depositado em difíeremeí par-
tes o melhor de seus roubos , como
segunda taboa cm cjue salvar-se j fez
dciles hum presente a' Soltmáo Penhor
4ps Xurcos, de tantarestiraaçáo , quê
pode fazer- e6<^uecer 5 ou disculpat a
desgraça dã armada, e fugida de Tu-
nes , de que Solimáõ ainda rinha a
dot , e a memoria; frescac.-'Repf€Scrí-
tou-lhe o muito jquc podia obrar cm
dano do3 Chriseáos , pois começando
atentar o már. com duas galcotas mal
armadas., o valor , e os successos o
iizeráò temido , e poderoso , e fazen-
dp-lhe crutíi .guerra oom scua próprios
despojos ; que náo cabiáo^v^à os ca-
tivos nas masmciras de 'Africíi/, que
no Reyno de Nápoles , em tcda a
Apulha , c terra de Lavor, fizcia ta-
cs estragos , que ainda agora , nem
o sangue , nem as lagrinnâs esraváo
enxutos; que a» galés de Sicília , te^
merosas tpodreciáo ancorad.is nO por-
to ; que aqueJJe André Dória , ráo
buscado dos Principes da Europa , di-
ria quantas vezes , por se desviar de
Barba-Roxa , tinha terçado . o remo ;
que seguramente daria por tesiimu-
I nhãs de suas obras seus . próprios ini-
i inigos i que o Emperador Carlos , ir-
, liudo de, tantos danos , vendo que
20 ViD\i)E DJoXodeCastro»
80 B^tba-Roxa fazia a suas vicrorias
sombra 4 ínajs impaciente que soldado,
juntara para o destruir todas ns for-
ças de Aicmínlaa , halia. ,'^ Espanha ^
c Flandres , expenda temerário o me-*
Ihor de seus Reynos , ao caso de hu?
ma ruirja , ou do huma victoria , e ain*
dl que; 0;,oáo dçi-ícòmpanhou sua an-
tiga .f<fc?iííi|ia^-,só iticoQ .'cbnjocnada fama
sem /ítiiQ ,jíre^ituindo;.a.'rTmiez h\3tú
inimigo por desapossai? iodtro , que" Se
náo recolhera tão mteiro, que Ine náo
custasse, a victoria navios ,6- solda»
dos ; c que com a$ despesas de tÍ6
nyuncraxso pod.r , esgot^a lt)S thesou-
ros QQ Epanha ; -que a^oara^ eia o tem--
pp oppoffuno para arruinar- ra Christan-í
dade ^ enfraquecida com humar hírgá
guerfíj, descuidada com-huma- appafenr»
te vicr.ociíi i.que no estreito de CubràV-'
tar estava a celebre Cidá d? de Ceita j
porta por onde já os Africanos entras
ráo com victoriosas .armas a dominai
Espanha ; .que os Pòrtoguezes a ti-
nháo com fracos muros , e hum debrí
presidio, mais attcntos a inquietar oà
vizinhos , que a acauielar-se ddies i
porque altivos com as prosperidades
do Oriente , despresaváo- sua própria:
morada , á maneira de rios , que quan-
to mais distáo do berço cm que na-
cé-
L I V R o L 2t
ccráo , sáo mayores; (^ue se' a Mjges-
tade do gráo Senhor se inclinasse a
sennorear esta parte táo principal da
turopa 5 clle se ofFerccia cóm hum
jqsto numero de giilés , a eniregar-lhe
Ceita , para que as nações do ultimo^
Occidcnte vivessem na reverencia de
s.eu Império. Assi descorreo o Cossa-
rio , tentando restaurar com forças alheas
O credito , e estado de que havia cai-
éo, E como nas Cortes dos Príncipes ,
as cousas grandes sáo rr-elhor ouvidas
que as possiveis , c cm Barba-Roxa i
cjcperiencia , e o valor tinháo tantos
abonos , Solimáo altivo , e beJlicoso ,
começou t dar ouvidos á empresa de
tantas consequências , que parecia op-
portuna pela paz , e prosperidade , que
gozava seu Império. Ouvio diversas
vazes a Btrba-Roxa , que lhe persua-
dio serem os úteis desta facçáo ma-
yores que 23 diíliculdades. ínHamaváo
mais a indignação do Turco os W ou-
ros Africanos , queixosos de que náo
poiiáo respirar, senáo debaixo da paz
de rrossas armas. , chorando huns a li-
berdade , outros a injuria de seu Pro-
pheta nasi poutradas Mesquitas. No re-
médio d'eátes danos cmpenhaváo o
Turco por zelo , e por grandesa ,
porque huns tocaváo á Rcli^iáo , ou-
C ii ttOá
22 VlDAbED.JoÂODE'CASTRO.
tros á Magesiade ; motivos que co-
briáo a ambiçào , e justificaváo à jor*
nada.
Avisos ^ Emperador Carlos, cjue da ne-
í/o Em gociaçáo de Barba- Roxa em Con-taa-
perndar tinopla andava cuidadoso , cntenden-'
fí El' áo que aquelle tronco , de quem corJ
Kej/. tara as ramas , náo ficara táo secco ,"
que com calor fllheyo náo puciesse bro-
tar novo veneno , teve .industria para-
saber a resolução do Turco acerca da*
invaiáo de Espanha ; ' e ainda qu3 a-
primeiro golpeame^içava a Ceita, co--
mo nunca a corrente da victoria pirai>
onde começa , náo querendo cair tam-
bém sobr^ nossas ruínas , mandou ara-
mar navios , alistar gente , e dobrar
os presidios nos portos do Estreito ^'
escrevendo a ElRey Dom João seu;
cunhado os avisos que tinha , para
que juntos disposessem a resistência do
commum inimigo.
E lhe Chegada a Portugal esta nova , tra-
pede pjw toa logo FlRey de fortificar Ceita ,^
éa para quc náo tinha outra defensa , que a
resistir que ensinava a desciplina d''aqueJie$'
aôs Tur- tempos j e como nós em Africa tn^
^^^' mos con^uiitadores , defendíamos nos-i
sas praças com o temor alheyo. Go-J
vernava n^aquelle tempo Ceita D; hf^
lonso de Noronha, a ^ucm ElRey.eníJ
com*
L t V ^ o J. 23
corrmendoLi a ^orrific^çáo , e a defensa ,
mardando-lhe gente , materiaes , e en-
genheiros. Pedia o Emperadcr a El-
K.ey , ^ue rr.andass- sair a arn^ada , pa-
ra que unida com a cue tinha em Ca-^
<i<z , á ordem de D. AJvaro Baçáo ,
esperassem o inimigo na boci do Ef;rrei-
ro, onde em auí^lcpier sLccesso reriáo
00 abrigo de seus Pvórtos segura a re-
tirada. Posto o r.egccio em ccnsdíio,'
pareceo qu« as 2rm.?das se juntassem ,
pcrquc náo ficssse sobre nessas forças
todo o peso da guerra.
Entrou EiRey em consideração de xV^m^rt
buscar quem governasse a rrmada , e -t^^c^y
dado que no Reyno havia muitos ho- '' '^^"'^
Ttjens , a quem as experiências, e pc-*J^^^ P^^
íígos de nossas Conquistas tinháo fei.^*^"^'''^'»
10 soldados , o nome de D. Joáo de
Castro se fazia lugar entre os mayo-
'cs ; fez brio de náo pedir , nem en-
geitar o serviço da patiia. Sabemos que
i^niey D. Joáo , ainda que o amava por
valeroso , lhe era f cuco affecro por ai-
Jivoi de sorte que o que granecava poc ^'mvK
numa virtude, \inha a perder por cu-
^^3; assi náo vmios que na casa Real
tivesse officio , ou valimento; porqup
víráo táo livre podiáo no sofrer ccmo
vassallo , mas náo ccmo crirdo. Esta-
va já com vfiias metidas toda a arma- i
da
24 VíDA DEDJoXODECAStRO.
ida , e embarcada muita parte da no-
breza do Reyno , e os soldados na ex-
pectação de quem havia de governar
facção tão imjX)rtanre ; quando de re^
pente se divulgou a nomeação em Dy
João de Castro , feita com geral satis-
fação , ainda dos mesmos perf^n dentes.^
Confían' Mandou ElRcy chamar a D João ,
ÇéL úuc a quem cummunicou os avi os do Em-
ivostra perador , e desígnio? do Turco , signi-
ler dcD. íicando Ihc a enveja com que o man-
Joio, dava a tão honrada empre^a , mas que
pois era hurna prisão ResI das Ma-
gest.ides , poder dar .honras sem po-
der merecelas , lhe entregava aquella
armada , esperando que havia de ajun-
tar ás Ruelas dos Castros as bandei-
ras quê ao5 Turcos ganhasse , para que
a seus descendentes as deixasse ainda
mais honradas do que lhas enTegaráo.'
D. Joáò beijou a mão a ElRey , agra-
decido; entendendo que dos Príncipes:
era melhor ser bem avaliado , que bem'
visto.
Ajantíi' - Aos doze dias de Agosto de 154? >'
se com o se fez á vela toda armada , e em pou-
General cbs dias com ventos de servir , ^urgio^
doEmpc- á vista de Gibraltar , onde achou so-'
Ttídor, bre ferro a armada Imperial , que re-^
cebeo a nossa com toda 2 cortezia na-
val , alegrando , ou assombrando o lu-'
gar
cor-
em so*
L I V it O L 25'
gar com repetidas salvas. Veyo logo-
Dom Álvaro Baçáo cem os principaes
Cabos da armada visirar a D. Joáo de
Castro ao mar , onde depois de saúda-
çoens corteses y lhe deu cotitâ das no-
ticiai ^ue tinha do inimigo , (^ue se-
gundo os avisos , a primeira invazáo
seria sobre Ceita. Aili se diFcorreo ,
como unidas as armadas de dous táe _p;^
grandes Príncipes , convinha á reputa- ,
çáo de humas, e outras armas ,-p^lei- ire a
jar com o inimigo ^ que dado que m-jctmida.
esse com mayores forças , peleijavamos
nos nossos mares á vista de nossos por-
tos j que no conflito nos podiáo soc^
correr com gente descansada ; e os na*-
vios destroçados tcrião o abrigo vesi-
nho ; e que quando bem a victoria se
inclinasse aos Turcos . ficar láo tão que-
brados, que náo podessem intentar fac-
ção nas praças do Estreito , as quaes
sempre remiriáo pelei jando em ambos
os successos ; m^^yoí mente , que as or-
dens , que traziáo ccrriJdas de buscar o
inimigo náo sofriáo outra interpreta-
ção com que se salvasse a honra , e
a- obediência. Tomada esta resolução ,
ainda que precisa , briosa , ficarão os j^^^^/,
soldados alvoroçados , e os Cabos so- y^,„
lícitos nas ordens, e disposição ò^ izo i^ijar,
grande negocio ; quando de repente
chc-
i6 Vida de D. ToSo de Castro.
cfjei^.?r30 appressâdos avisos , qnc Bar-
ba-Roxa com toda a armada junta de-
mandava o Estreito. Mandou logo D.
Joáo de Castro recolher alguma gen-'
te que andava em terra , dar ordens
âos Capitaens , empavesar navios , c
avisar a D. Álvaro de como se leva-.
Muda o ^^* ^ 4"^^ ^^^ ^ imaginada vista do^-
(5^;,^,,^/ inimigo , resfriando d'aquelle ardor prU*
Caste- meiro , escreveo a Dom Joáo de Cas-:
lhano de tro , quc novos easos necessitaváo de
parecer, novos conselhos ; e que petas noti-
cias das espias 5 sabia que Barba-Roxa
trazia dobrado numero de baxeis do
que as armadas tinhão ; que não era
intenção , nem serviço de seus Prm-
cipes , perderem-se com risco tão sa-
bido ; que estando aquellas armadas in-
teiras não podia o inimigo intentar cou-
sa grande ; e se acaso na peleiia ficas-
sem destroçadas , fícariáo as pr<íçaí- da» ,
Biruta Estreito por premio da victoria ; que
de redit' elle em deixar de peleijar sse violen-
Tií a D. t^yj myito , mas que primeiro esta-
J°oo. ^^ Q serviço do César , que o brio
dos particulates j que lhe pedia reco-
^ ^^ ^ Ihessc naquelle porto a armada , e que
cnna- ^^ resoiuçáo dos Turcos tomariáo mais
^uece\m ^^guro conselho. Dom Joáo de Castro
pelejar tcspondeo ao General Castelhano , que
elle náo mudava de opiniáo á vista do.^
com os
Turcos, ini-
L I V n o I. 27
inimigo ; que bastava para animar 05
Turcos o verem-se temidos ; que pois
clles pertendiáo pisar terra de Espa-
nha , as armadas se deviáo arriscnr pe-
la reputjçáo, quanto mais pela in;uria ;
que juízo havia de fazer o mundo das
forças de dous tão grandes Principes ,
quando se colji^iváo para fazer á Bar-
ba-Raxa a guerra defensiva ? deixan-
do senhorear a bmdeira do Turco nos-
sos mares á vi^ta das Águias do Im-
pério , e Quinas de Portugal ; que el-
íe se resolvia em esperar o inimigo ,
seguro de lhe impurarem culpa cm hum
c outro aconteciTiento , porque no máo
successo , os perdidos náo daváo conta
de nada , e aos victoriosos de nada se
pedia.
Mas nem esta resolução bastmi pa- £ os es-
ra o General Castelhano Dom Álvaro pêra no
Baçáo mudar de conselho ; náo sabe- estreito
mos se o tomou por melhor , se por três dias
mais seguro. D. Joáo de Castro se poz
na boca do Estreito , acnde esteve sur-
to três dias ; aqui teve aviso , que se
fizera em outra volta a armada do
inimigo , por dissensoens que houvera
entre os Cabos mayores ; ou como em
outras memorias achamos , por haver
recebido Barba-Roxa novas ordens do
Turco j que recolhesse a armada : po-
rem
28 ViDA DE DJoXo DE CasTSO.
rém a. gentileza cem que D. Joáo de
Castro .a esperou no Estreito , mere-
ceo dos presentes enveja , e dos fu*
luros gloria ; pois para conseguir hu*
ma illu tre victoria , náo ía.tou o va-
lor , faltou o conflicto; bem que des-
ta táo generosa resolução , se fizeráo
em Hespanha juízos diílèrenres, poti»,
do-lhe nota aquelles , <]ue a todaa as
acçoens não vulgares , chamáo teme-.
. ridades ; porém eu creyo , que ainda^
os que mais condenarão esta acção ,
tomarão ser os authores delia.
Vendo pois D. João , que com a^
retirada do inimigo ficara asse?,urado
o receyo d'aquellas pr.íças , se ioy a
Ceita a communicar algiimas cousas
de sua instrucçáo com D. Aííbnso de
Noronha j o qual recebeo ^ D. Joáo
com tantas salvas de artelharia , ^ue-
os Castelhanos em Gibraltar se persua-
dirão , que peleijsva a armada ; mas:
nem assi quizerão desaferrar do porto ,.
fáceis em alterar o primeiro conselho,
tenazei no segundo. Aqui teve D Joáo
-- , de Castro aviso que os Mouros tinháo
seu^úlho ^^^^^^^ Ceguer cm apertado cerco j:
cem so - P^^Ç'^ J S"^ ^^ nossos sustentavão em>
cerro « Africa com despesa , e perigo inútil »».
Alcácer <ie que era Capitão hum Fidalgo do ap--
Ceguer, pellido de Freitas, Despachou logo a/
seu
L I V R o L 29
seu filho D. Álvaro com hum Trcçd
d;i arm?.(ia , e ordem cue meccssc o
soccorro na villa , e cjae até se Ie\'an-
tnr o inimigo esrivesse no porto; o que
executou prompramenre , baítccendo ,
e municionando a praça , e como o ex-
ercito dos Mouros se compunha de gen-
te tumultuaria , faltando-lhes o calcr da
primeira invasão , Jcvantou o sitio , e
D. Álvaro se tornou a aggregar á ar-
n^.ada , que depois de assegurar Ceita ,
e livrala do receyo dos Turcos , se re-
colheo ao porro de Lisboa ; aonde já
havia chegado a fama de hum , e ou-
tro successo , que como cairão sobre
v?.lor também reput?do, parecerão mayo-
res : mas D. João , que nenhuma cou-
sa tinha por grande , querendo tratar
com desprezo su?.s mesmas obras , fu-
gi o das honras populares ao retiro de
Cintra , ou táo modesto , ou tão alti-
vo , que não avaliava suas acçocns por
dignas de si mesmo.
Entrou ElRey D. João em consi- Vrltn a
deraçáo de buscar qjem governasse o "Lisboa, c
Estado da índia , porque Martim Af- '«^^'^^''tf-
fonío de Souja tinha acabado o tempo 5^^ " ^'/»'
e pedia successor com repetidas instan ^^^*
cias 5 porque as cousas do Oriente es-
ta vão por vários arcidentes hum pou-
co declinadas , e náo queria que a guer-
ra
^o Vida DE DJoXo deCastro.
^â com algum desar lhe desUizisse 4
£!oria de seus feitos , como quem sa-
pia , fjue dá a ignorância do povo po-
der a huma desgraça , para desautho-
risar muitas victorias. Para negocio tão
grande se representarão a hlRey su-
jeitos diíTerentes ; huns que pela anti-
guidade do sangue costumaváo a ser ,
senão beneméritos , herdeiros dos lu-'
gares mayores (segunda tyrannia de rey-
rar , que inventou a nobreza) i outros
humildes por nacim.ento , e iljustres
por si mesmos , que o que se lhes de-
via por seus merecimentos, perdiãopor
falta dos alheyos ; assi que para posta
de tanta authoridade , nem bastava va-
lor plebèo , nem qualidade inútil
JJepro-^ Com estas consideraçoens ElRey
posto pe- irresoluto na escolha de varão , de quem.,
/o ín/*d/i- podesse fiar o peso de tão grande go-
te para vcrno , perguntou ao infante D. Luiz ,
o govcr- quem no estado presente fizera Go-
no da vernadoF da índia. O qual lhe signU,
índia, f,co\.\ o conccito quc tinha dos espíri-
tos de D. João de Castro; porque ain-
da que na occasiáo do Estreito a mui-
tos havia parecido que se houvera com
^ animo sobejo , he certo , que não ha-
veria soldado que não estimasse ser rco
de tão honrada culpa ; c que dado que.-
seus emuloá o ar^uião de altivo , Sí
re-
L I V K o L 31
retirado , por não peJir mercês , nem
coriejar ministros . eráo esres defeitos
de táo boa qualidade , que vinháo a
ser melhores os vicios de D. ]oáo ,
que as virtudes de outros"; (jiie náo'
via cjuem podesse conservar a discipli-
na da primitiva índia , se náo Dom
3oáo de Castro , 6 qual servia râò alhcyô
de todos os interesses , que parecia des-
prezar os prémios da terra , como se
S, Alteza náo fora Rey dos homens,-
se náo Deos dos vassallos ; " que era"
afíeiçoado a D. Joáo de Castro por
suas qualidades , porém láo livremen-
te, que seus merecimentos ainda sepa-
rados do sujeito , amara em qualquer
outro.
ElRey com quem a opinião do ElReu •
Infante tinha credito' grande , vendo que eíe^.c ,.c
avaliava as cousas de Dom Joáo com Ihcfallc^-
zelo de Principe , e noticias de ami- , ., ^,^
go , approvou a inculca feita pelo In- .v,í,;^í.í^
fente , cuja authoridade qualificou o
conceito de todos , e mandando cha-
mar a D. Joáo de Castro a Évora,
onde rinha S'ja Corte, lhe disse em
sala pública-: ,j Andey estes dias cui- ivo/i
5. dadoso cm buscar vatáo que ^oveí- «^ k\w>
,5 nasse o Estado da índia . e náo du-' o^vic^»
„ vidava podelo achar na família dot
,, Castros 5 (ie cujo tronco os senhores
32 Vida DE D JoSo de Castro.
,^ Keys mens antecessores tirarão sem-
yi pre Gcneraes para os Exércitos , Re-,
j, gemes para os povos ; aisi me pro-
,, mecto , que de táo valorosa raiz
,i não pôde degenerar o fruto j mor-
„ mente sç medir as futuras acço^as,
^ p^as passadas , as quaes vos tem da^
,^_ jdo:: justo nome na opinião do Rey-
„ no ^ e estimação nammha; pelo que^
^, cçníiadameníe vos enccmrne .do o go-:
J verpo )da índia,, aonde espero prece-;
,,..4;iâi& de.maneír^ , que poísa dar vos-.
,i sas acçóens por Regimento aos que
,4, vos suçcedcrem- ,,- D. Joáo beijou a,
rríáo a ElRey , mais agradecido a hon-,
râ , . que ^p olíicio , estimando só de,
táo grande cargo o não o haver bus-,
.^c^do. Na Cone houve sobre est^ elei-
**':' ,-çáQ diversos sentimentos; alguns a no-f
•^Ç'''^* * taráo por inveja , e outro? por costu-
vãb iõ' p^^ . tanto , que nas virtudes era que
dos esta j|^g ^^^^^ podiáo achar faltas , lhe ar-
* ^'í'"'' guião excessos ; foy porém úo bem ava-{
liada dos. mais , e dos melhores , que.
EiRey se alegrava de haver achado
tjifxn .Hornera feitQ , á vontade de todos.
Corre -j: Ç^^fY .^^^ mandou logo despachos,
com o Pi*'*^ .í»pr^star a armada sem correr o_
apresto n\eneyo. d ella por outras máos , como
das nãos, limadamente anda escrito , atíirmando.
hjim íÁuthoç I qyc D. ]Qâo pâssí^ra á
Livro I. 33
índia desconrenre , por ser mal res-
pondido em seu> particulares ; cou^a
tio encontrada com as noticiai; ^ué te-
mos , e com a pouca ambição d 'este
fidalgo , que mais se desvelava no que
havia de engeitar , que no que havia de
pedir 5 como se náo tivera Rey a quem
rogar, se náo a quem servir.
Determinou levar comsigo a seus Rgprovm
fiMios D- Fernando, e D. Álvaro, que ^j gaht
era o mais velho j o qual mandou cor- deseufi^
tar algumas gâlas ;v.das que peááo a //»*.
profissão , e ost-&nnò% j- e passando D.
João a caso peia Jubitería , vendo estar
penduradas humas calças de obra muita
wriosâ , parando o cavallo , perguntou *''
de quem eráo ; e tornando-lhe o oííi-
ciai , que as mandara fazer D, Álvaro «' H^' '-
filho do Governador da índia , pedio D. ""^
João- de Casrro huma tisóura , com que
as cortou todas , dizendo para o mestre :
Dizey a esse rapaz , que compre armas.
ÍJáo- lemos que fosse mais exemplar,
ou austera a disciplina dos antigos R.o-
manos.
Aprestou D. João a armada hrc- is'àos , c
vemente , sem violência , nem queixa Capita^
dos pequenos -^ porque ainda emáo as ens dei-
exiorsoens com que os ministros rm- las,
yores armão á graça dos Príncipes , se
náo usa vão , ou se náo conhcciáo. Er*
o
34 Vide de D.JoXo de Castro.
o coppo da armada de seis njos gran-
des , em que se embarcarão dou« mii
homens de soldo. A Capitania S. T ho-
me , em que o Governador hia ; que
lhe deu esce nome , que depois . ap-
pellidou nas batalhas , invocando jà
como de justiça ao Apostolo da índia
por patrão de huma , e outra conquis-
^ ta. Os outros Capitaens de su:i con-
serva, çráo D. Jeronymo de xMenezesí'^
-ixv.-. - Êlho ,iÇ, herdeiro de í). Henrique , ir-
.v..\;ináo. 4o, Marquç? ,de Villa Real, Jor-
ge Cabral 5 D., Manoel da Sylveira ,
Simão de: Andrade , e Diogo Kebel-
lo.
Tartem , Aos dezasete de Março de I545>
e em (juc dessi^enou do porto toda a armada,.
tempo, e a poucos dias de viagem foy avisa-*
do o Governador , que na sua náo
hiáo quasi duzentas pessoas que rece-
biáo ração sem assentarem praça ; huns.
que por inutos não foráo recebidos.^
e outros que por delictos se embarca-
rão escondidos. Instaváo os ministros
da náo com o Governador que es em-
barcasse na caravella de refresco para
,.y,._. jdesempachar a nao , e. levarem manei*
►.,.. mentos sobrados para os acasos de
tâo larga viagem j porém o Governa-
dor mais compassivo que acautelado ,
fazendq hum a mej>ma a ^ausa dos mi-
... ■ ' se-
»>;irs/v^t I V K o I. 35:
scfâveis-, e a sua j seguio sua derro-
ta. Passados alguns dias começou -se a
conhecer a falra dos mantimentos , com
o que os marinheiros , e soldados es-
íorçáráo a queixa contra o Governa-
dor , que com táó arriscada piedade
queria por em connngsncia pelo remé-
dio de poucos a salvação de todos. Os
mais eráo de parecer , que se lanças-
se esta gente nas flhas de .Cabo Ver-
^^ j onde os criminosos , e os po-
bres ficaváo sssegurados , esres da ío- ^^'"/'^*'
me, aquelíes da justiça. Porém o Go- '!;^'' ''"
veinador considerando', aue os ares, g ''"
o terreno das Ilhss , buscados íóra de "''''''''
monção ^ eráo conhecidamente noci-
vos , resolveo amparar os mineráveis no
seu mesmo navir> , crendo se salvaria
com eííes , e por elles , dizendo, que era
desKumanidade lançar do mnr a quem fu-
gia da terra. Assi forÁo navegando com
tempos escassos , até que lhe entrarão
os geraes na costa de Guiné , onde a
nào do Governador tocando , esteve ^'•''''S'*'
soçobrada, sendo, na opinião dos ma-
reantes , aquelles mare^ limpes , e aon-
de a Carra não sinalava baixos. Fcjy a
confusão como de quem se via beber
a morte inopinadamente ; as hor.is ,
e o temor faziáo mayor o perigo , até
que a riâo estando atravessada /e- sem
D go-
ua^.
- 3^ Vida deDJoÃo de Castro;
governo , começou a sordir sobre a va-
ga/^ seria caso j mas pareceo milagre.
O Governador mandou tirar ires pe-
ças 5 para que as n.ios que vinháo por
sua esteira gessem resguardo ao Laixo j-
as quaes não entendendo o sinal , arri-
barão sobre eile , e com meihor for-
tuna j que conselho , sendo do mesmo
porte que a Capitânia , saivaráo o baí-i
xo , achando sobre as mesmas aguas,
diíFerente successo , cuja causa náo sou-
beráo ajuizar os mareantes.
r, Sesuindo o Governador sua via-
>, ^ „ 2em cem toda a .armada lunra , sur-
b''rue í^'^ ^^ Moçambique 5 onde o seu pri-
' ' mejro cuidado foy.a desembarcaçáo , e
cominodidioe dos enfermos , ajudado
da seus íiihos D. Álvaro, e D. Fer-
nando , parecendo entáo herdeiros de
sua piedade , depois de seu valor. Os
dias que o Governador esteve em Mo-l:
çambiviae noíou que a fortaleza, que
aili tem o Estado, era obra mal en-
tendida , por estar em distíiucia da
JJndii a praya 5 di-Iicil aos provimentos, e soc-
Yiriah- corios de m>ssas armadas , situada em^
za ;j^íV7 lu^ar baixo , aonde podia . ser batida.
v.elhof dê. muita> eminências que a senhorea-:
siiio ^,^o , in.pedindo-lhe juntamente ;a pu-.
reza dosares em dano da saúde. Com-,
municou Cate negocio cora .as pessoas;
que
L I V R o I. 37
que d*esta arte tinháo alguma luz por
uso , ou discipiina , e a toJos ptreí-
cèráo os erros dn fortificação notados
com juizo. Succedeo logo a execução
ão conselho , e escolhido sitio conve-
niente , determinou maieriaes , e mes-
tres p.nra a nova detesa ; e como isto
se obrava aos olhos do. Governador ,
os fidalgos á volta dos pioens acarreta-
váo as pedras thumas c]ue serviào à li-
sonja , outras- ao edifício.
Posta já em defensa a fortaleza , ^^''■^
e reparada a saúde dos enfermos com ^l:"'"
os ares , e refrescos da terra , deu o ^'''''
Governador á vela, e navegando sem-
pre com ventos de servir , ferrou a
dez de Setembro a barra de Goa , on-
de por hum navio que se adiantou ,
soube Martim Aífonio deiSou-a que
tinha o successor vezinho , dispondo-se
a recebelo com festas que mostrassem
o gosto com. que a^^asalhava o hospe-
de , e deixava o governo. Foy logo
buscalo ao niar em hum barganrim
esquipado , donde o trouxe á quinta
de António Corrêa , em. quanto se dis-
punha 2 solemnidade de seu recebi-
mento. Aili banqueteou ao Governa-
dor, e aos fidalgos , e Capitaens da
frota , com ranto primor no serviço,
c abastança láo grande nas viancas,
D ii Gue
38 Vida deDJoXo de Castro.
que pnrecin solemnizar as ultimas hon-.
ras do cargo que espirava. Houve aquel-
la noire bailes , e folias ; festins que
a singeleza do Portuga 1 antigo levou ao
Oriente.' , Aqui esteve o Governador,
dous dias ; assistido .de todos os íi*
dalojos «^desem parando a.. Martim Af-
íonso de Sousa , até aquelles , que co-
mo crearuras suas , tinha feito de na-
da , aprendendo a ingfatidáo Orienta!
dos Índios , que apedrcjáo o Sol quan-
do se pòem , e o adoráo quando nas-
ce. • . ;-.J . i
Chegado o termo fda entrada , se,
V vt/m;, meterão os dous Governador em hu-*
he rcce- ma falua Cy^vr^ os remos dourados , er
i^ldo. o toido de seiias diíFeremes. .As ror-.
i;es , e os -.navios os festeiaráo coni=
horror de .repetidas 'salv-is ; e os vivas y.
e expecraçóes da plebe lisongeavão serar
firrificio ao novo governo Assi chega-í
ráo a desembarcar em hum grande
theaíro , onde os aguardava a Cajoera
da Cidade em corpo de Cabido. E. as-
sentados com ns ceremonias. que a vai-
dade inventou em. semelhantes actos ,
fez hum dos Vereadores nua estudada
aren^^a , em que promeítia ao Esta-
do prosoeridades grandes com o nova
. ministro'. Depois de ouvir o Governa-
dor as iisonjas publicas , ouvio também
Chepi
€ Como
L I V R o I. 39
as secrerss de muitos , que com ellas
abiiáo a porta a seu", particulares inte-
resses.
Acabada â sclemnidade d'aquelíe Ff/^^
acto , e entregue D. Jcáo do governo em <jzíe
da índia , se partio ivíartim Affor^sà nchou o
para Cochim a tratar de seu apresto Go-jer-
para o Reyno. Entrou logo o no^o Go- '^<^'
vernador em cuidados molestos de aquie-
tar o povo alterada pela mi:dançc-i da
moeda ; que os mjnistros Ke:es haviáo
sohido com. dano dos vassailos, e es-
cândalo do Gentio vezinho. Direi de
seus princípios o caso.
Correo na Índia huma moeda de Cor-j a
baixa ley , que chamáo Baza ruços a alter w
qual entre Christáos , Mouros , e Gen ç-^i> dos
tios conservou sempre a me^ma esti- í^^-^^^^ni-
maçáo vulgar. Esta como se hvra de ^*^^*
cobre (material que naquelle tem.po pas-
sava de Portugal por dro^a) pareceo aos
ministros que lhe devia sobir o pre-
ço em benencio da fazenda Real. Pu-
blicou-se solemnemente a alteração da
moeda , começando a correr com no-
va estimação ; porem como aquelle
valor legal n?.o era inrr n^eco , pois ri-
nha só o que recebia da ley , e náo da
peso , o Genrio , que n'tO estava so ei-
to a leys alHeas , frliav.i com a ordi-
nária provisão de mantimentos , e os
po.
40 VíDA DE DJoÃO-DE CaSTRO»
povos padeciáo , ccnio por clecrero de
seu mesmo govetno. Os minisíros ma-
yores defexndiáo , como Real , a causa-,
zel.indo a utilidade do, Rey na perdi-
ção do povo, o corpo da Cidade cla-
mava j que os Reys de Portugal nun-
ca nzeráo de suas misérias thesonro ,
nem coscumaví.o beber as lagrimas de
seus vâssallos em baixelas douradas;
quQ OS Genrios , e Mouros se glona-
vào de que náo podendo destruir os
Portuguezes com o ferro , os acaba-
V20 com suas mesmas leys , armando
contra elles a ambiçso de seus Go-
vernadores. Crecia a fome , e a liber-
dade dos queixosos , que fazia mayor
a )usriça da causa, e a conformidade
Cave a do ag^ravo commum. Com estas quei-
Cidiule , xas foráo os Vereadores da Cidade ,
t: povo. entre pobres , mulheres, e mininos,
huns com razoens , e outros com iaa-
timas demandar ao Governador ; o
qual mandando quietar a plebe , ou-
vio a huns como juiz , a outros como
pay i e porque o mal da fome náo se
cura com ramedios tardos , lhes remet-
teo a ccnciusáo para o segu.nte dia ;
assi os despedio confiados , crendo al-
guns , pelo costume da índia , que
"Resoht' eomo obra de seu antecessor lhe pa.-
çáo ^uj recesie injusta. Lo^o iiaqueiia mesma
toma. tar-
L I V R o I. 41
tarde chamou os ministros da fazenda
Real 5 e ouviios os fundamenros , que
tiveráo , deu parte da matéria aos ho-
mens mi:is scientes nas ieys . e na po-
litica d'aqíJelle Estado , os qrses , sem
discrepância , resolverão ser cruel o de-
creio , e repugnante á piedosa inten-
ção de nossos Príncipes. E es^e pare-
cer se corroborou com os foros , e pri-
vilégios popuares , e outras legalida-
des , que deixamos por náo fazer pro-
lixri nossa Historia. Revogada esta ley
pelo Governador , começarão a correr
os mantimentos do Sertão , e os po-
vos lhe vieráo ofierecer as vidas , que
lhes havia remi 1o com a nova indul-
gência do tributo,
Concluido este negocio com tan- ^ ""'í''^
to credito da clemência Real y vieráo ^"'^^"y
Embaixadores do Hida'cáo, que depois íí'^'f í *
de [t\ç d:^.rem as saudaçoens ordinárias, ^-^
e ccn2;ratul.içcens do carp,o , hhe pediáo
entregasse certo prisione.ro na forma
tjue com seu anteceisor estava concerta-
-do. E porque este negocio chegou a al-
terar o Estado com guerra cescuberta ,
náo deixaremos em silencio a origem
•que teve.
Morto Ba-zarb Príncipe do Balaga •^''^'''^ '^
-te , no tempo que foy Governador ^^'f^^\ ^^
tKimo da Cunha , - ficou Meale aindíi ^"*'^*^'»
no
42 Vida DE D JoSo DÉ Castro.
no berço de sua infância , havido por
indabitavcl successor da Coroa. Era o
Hicialcáo nesie tempo a segunda pessoa
do Pveyno em aurboridade , a pnmeira
cm valor,. porque nas guerras dos Prín-
cipes vesinhos , tinha dado de suas
obras hum testemunho grande. E co-
mo estes bárbaros mais reynáo por oc-
Cc's'úo , que per justiça , o Hidalcáo ven-
do, que suas forçasL , e a impossibili-
dade do herdeiro lhe abriáo iar^a por-
ta á aml)içáo da- Coroa , começou a
solicitar os corações dos Grandes ,
com os quaes artificiosam.ente se las-
tim.ava da miséria do Reyno com suc-
cessor mmiiio , com quem haviáo de
servir , cu sofrer como a Rey todos
os seus validos ; que os Princ-pes com
quem t^aziáo guerra , não perderiáo a
occnsiío de os acabar, vendo no ber-
ço quem o^ havia de defender ; que
buscassem hum v^áo onde havia ran-
.los p.\ra salvar a p-tria , que elle se-
ria o primeiro , que lhe obedecesse ; por-
que o governo do Reyno náo podia es-
. perar jOs tardos movimentes com que
jjt . ,n?atureza. havia de dar a hum mini-
no primeiro forças , depois entendi-
mento:; qiie- quando com mutil obedi-
i©nGra , abraçado aos peitos das amas
-adorassem Meak. 3 , n-áo. duvidava , que
por
L I V R o T. 45
por conservarem o Rey perderião o
Rcyno. Mostrcu-se logo aftabel com
©s povos , com os soldados liberal ,
como quem não queria imperar para
SI , senão para elles , valendo-se am-
biciosamente de todas as virtudes , náo
como necessárias para viver, senão pa-
ra, reynar. Chegarão em fim os prin-
cipaes a ofterecer-lhe a Coroa , cren-
do , que sempre se scordasse que fora
creatura de seus mesmos vassallos , ao
qual sempre seria grata a memoria de
tão grande beneficio.
Era o Hidalcáo libera! , e valero-
i so , e sem duvida fora hum grande
Príncipe , se conservara o Reyno cem
f as mesmas virtudes com que soube
I acquiriloi porém logo que se vio obe-
1 decido , cessarão aqneilas artes íingi-
i das , como náo tinháo movimento na-
I tural , c rebentarão a ambição , e so-
I berba , como vicios de casa, Náo tratou
I logo de matar a Meale , cu por cle-
t meneia fingida , ou por crueldade no-
va , querendo quiçá , que o pobie Frin-
' cipe com obediência servil lhe autho-
, rizas?e o cetro que lhe ryranniz2^'a. Os
I Satrapas do Reyno vendc-se fora de
^ tempo arrependidos , e que já ráo po-
: diáo ser traidores , nem leaes sem pe-
í ligo , andaváo consultando me) os de
. as •
r44 Vida DE DJoXo DE Castro.
(^assegurar Meale da tyrannia do Hidal-
cáo , como se tivera o desgraçado
Príncipe mais justiça para viver , do
(]ue para reynar. Nestes discursos pas-
sarão alguns annos j nos quaes Mea-
le chegou á idade que podia conhe-
cer seu perigo , e considerando que
sua preiença arguia a consciência cul-
pada do tyranno , o qual maquinava com
seu sangue apagar a memoria da intru-
são da Coroa , aconselhado dos mes-
n:i03 que lhe tirarão o Reyno, se pas-
sou a Gambaya , onde foy bem rece-
bido , mostrando o Rey , e o povo
que se compadeciáo de misérias Reaes ;
pofém como aqueiles favores tinhão
mais de ambição que de piedade , che-
garão a durar pouco , porque só os
primeiros dias lhe íizeráo iraramento
como a Rey , os outros como a per-
seguido. Com tudo Meale se deixou
ficar em Cambaya , havendo por m^^is
toleráveis os desfavores do hospede , -
que as injurias do tyranno.
Entre tanto o mayor cuidado do
Hidalcáo era destruir aqnelies que lhe
defjo a Coroa , que ainda que como
complices da traição , lhe puderão ser
gratos , os aborrecia , ou porque lhe
acordavão a obrigação, ou o delicto. E
como ja vivia temercâo de suas mes-
mas
Li V RO T. 45'
mi? obras, entende© que mais o po-
dia asse^urur a crueldaJe ,;que a clemên-
cia 5 assi o fazia o duas vezes cruel',
o vicio , e a necessidade. Aos ;tnayo-
les foy usurpando as fazendas para os
i^^ual.T com a plebe , com pretexto
de castigr deiicros impostos , ou es-
quecidos , cubrindo a tyrannia com som-
bras de justiça ; crendo que com abai-
xar os poderosos , se faria aceito aos
pe^]uencs , aos quses sempre he gra-
lei a ruina dos Grandes por ódio na-
tural de sua fortuna. Porém elles ven-
do , que náo bastava o sofrimento , con-
sultarão meyos de restituir Meale , huns
por vingança , e outros por remédio.
Fizeráo suas iuntas secretas , cr.de to-
marão differentes acordes , os quaes
lhes fazia variar cada dia o temer , e
a difficuldade do negocio , mais ár-
duo na execução , que no conselho.
Acabarão em iim de apurar a obedi-
ência forçada com os aggravos no-
vos ; tentarão pois com a morte do
Hidalcáo remir a culpa , e cobrir a in-
fâmia da traição passada ; não sendo
d'este voto os atrevidos , senão os de-
sesperados , porque já o Hidalcão nes-
te tempo vivia com forças de Rey ,
e cautelas de tyranno. Fra assistido do
povo , (^ue aboriecendo o Rey , ama-
va
46 VíDA ÚE DJoSo DE Castro;
va as crueldades executadas contra a
nobreza , infesta pela de igualdade de
Luma , e outra fortuna. Os conjurados
temerosos de si mesmos , e sabendo que
com a diíaçáo se faziáo os ódios mais
remissos ; e a paciência servil se fa-
zia co>t-ume, vendo que para tão gran-
de empresa não tinháo forças próprias ,
buscarão as alhèas. Acordarão commu-
nicar o negocio com Martim Affcnso
da Sousa , Governador que emáo era
do Estado- d\ índia , pedindo , lhe
mandasse vir Meale de Câmbaya , e o
tivesse em Goa. E quando engeirasse
a gloria de o restituir , teria sempre
ao Hidalcáo temeroso , e propicio para
todas ?.s occurrencias do Est;do.
Persuadido Martim Aftònso , que
este fogo de discórdias , que começa-
va a arder entre o Hidalcáo , e os seus ,
convinha mais sopralo ^ que extingui-
lo , e que seria utii ao Estado enfra-
quecer hum veziíiho soldado , e pode-
roso; cobrindo estas conveniências coni
causas mais honestas , quaes erso , per
á sombra de nossas armas hum Prín-
cipe desapossado , e perseguido ; fac-
ção para os de fora gloriosa , e para
os nossos útil ; resolveo mandar bus-
car Meale a Cambava , signiricando-
Ihe a disposição de seus vassaiios acer-
ca
-- . . '*.L í V R o I. 47
ca dâ restituição do Reyno , cnjos ani*
mos se esforçarião vendo que ihe am-
parava o Estado , a causa , e a pes-
SQ^, Recebida do Mouro táo inopina-
<3a mensagem , havendo por desacostu-
mada a piedade de homens por re-
ligião- não só diíFcrentes , mas contrá-
rios , se encommendou á fé , e cle-
mência do Estado j e embarcandp-se
com sua pobre família , aportou a Goa ,
onde foy recebido do Governador cora
grandes honras., mais merecidas de seu
sangue , que de sua fortuna , se bem
foráo de alguns interpretadas , antes
em injuria do vezinho , que em fa-
vor do hospede, .Derramada por toda
aquella costa , a yinda de Meaíe ;t,,que
ja começava a reynar nos ânimos . de.
muitos , tomou p seu partido mayo-^
1-53 forças i.entrç , o? conjurados , ^vendo,
que Já a sombra de nossas armas am-
parava sua- causa , e que começava í
soar- ^m ff eu . Jiçmô nos ouvidos do
povo.;v:J ;*;r.'O0l ■
Consideftndo o Hidalcão , que o
E-stado náo chamara Meaie sò para
seggrar ,a pessoa, mas para defenderia
Cansa-, cuiss íirmas-como viccorlosas , e
vezjnh/is lhe eráo mais formidáveis ,
mandou a Mirtim Aífonso ds .Sou>a
twnja embaixada, signiíicando-ihe co-
48- Vida- DE D JoSo DE Castro.
mo tinha sabido , que estava em seu
poder Meaíe , a quem parecia , que a
fortuna andava 2;uardanJo para pertur--
bar 2 paz do Oriente ; que sabia co*
mo fora chamado de alguns sediciosos,
que cansados de obedecer , quêriáo'
cre.ar 'senhores novo? a quem poder
mandar y que elle Hidalc^o nâo referia-
as razoens que trvera para tomar à'
Coro!\, porque se os Principe^' houves-
sem de dar razão de seu direito , náa
haveria dííferença entre os Reys , c.
plebeos ; que a justiça dos Principes
havia de ser julgada de Deos , e náo'
dos homens , que o mundo t nha ja re-
cebido , que em matéria de reynar náo
havia diferença de causa a causa ,
mas de pessoa a pessoa : que náo ne-í.
gava que Meale apoucado , e covar-^
de era de geração* Real , mas que a
erro , que fizera a natureza , emenda-
ra a fortuna , dando-lhe o Reyno a
elLe ousado , e valeroso j quanto mais
que a natureza só aos leoens dera com^,
ó nascimento a coroa , aos' homens dei-
xara que a ganhassem ; que muitas coa--
sas pateciáo ao mundo , por menos cos-'
rumadas , injustas , que tomar para si'
o Reyno quem era digno d'elle , os pri-
meiros o recebiáo como escândalo , os
otrrtos como Icy ; ^ue Meaie fora *
Livro I. 49
homem mais vil, que nascera em seu
Reyno , e elle o mais leiice ; 0 que na-
turalmente os homens aborreciáo 0$
monstros da natureza , e amavào os
da fortuna j que nos perguntássemos a
nós , com que acçoens senhoreávamos
a Ásia ; que parentesco tinham>os com
o Sabayo para nos deixar Goa , em
que grão estávamos com Soiráo Badur
para lhe herdarmos Dio , se o Achem
nos deixara Malaca em testamento , e
tantas praças , quantas por todo o Ori-
ente nos pagaváo tributos ; que nos-
rogava náo infamássemos nelie 05 mes-
mos titulos com que nos fazíamos do
mundo absolutos Senhores ; que náo.
tirássemos a Deos o cuidado.de gover-
nar o. mundo , pois .nascendo. no ultima
(acidente , queríamos emendar as de-
sordens da Ásia ; que nos fazia a sa-
ber que nos seus Reynos havia mi-
nas de metaes diiíerentes ; que de hu-
mas tirava para os amigos ouro , e de
Cftjiraspara os inimigos ferro; que ul^
timamente pedia a eiíe Governador lhe
entregasse Meale, porque na clemência
que com elle usasse , se visse que era
digno de reynar quem assi tratava seu
raayor inimigo ; que seus Embaixado-
res leva váo ordem para assentai iodas
m convsnienciâs. do: Estadoõí'i.?<'i.i. i':h
Re-
5ra Vida de DJoXods Castro;
Recebida por Manim Afíbnso a'
carta 5 e ouvidos os Embai xndores do
Hidalcào, entendeo delles , que pela pes-'
sca de Meale offereciáo cento e cia-í
coenra mil pardaos , e as terras firmes .
de Bardez , e Salsete , importantes ao'
Estado pelos rendimentos , e vezinhan-
ça de Goa. Pareceo a Martim Afton-
so que o negocio era de muito pe o,-
e cjue de ambas as faces^ mostrava uti-"
lidades grandes j porque restituir a hum'
Prmcipe , e abaixar hum tyranno , era-
empresa digna de armas Christáas , da-
qual receberia não vulgar reputação õ-
Estado 5 mostrando ao mundo , que
náo passarão nossas bandeiras á Ásia
a usurpar Reyhos , nem acquirir rique->
zas , pois só tratavão de que os Pagãos ,
e Mouros do Oriente guardassem a
Deos fidelidade , e justiça cnrre si.
Por outra parte discorria , que Meale
quando chegasse a reynar depois de lar-;
ga guerra , náo podia dar ao Estado
mais , que o que o Hídaicáo sem elia
oíFerecia ; e qbe como estes Mouros-
por ódio , e por religião erâo sempre
inimigos, TJr-se-hia o mundo se visse que-
com nosso sangue destruíamos hum in-
Í7el j e creavamos outro , quando da ruí-
na de ambos pendia nossa prosperida-^
dej mormente y que. não passarão a ín-
dia
L 1 V i ó I. . jrr
dia nossas armas a defender os inimi-
gos da Fé , senão destmilos. Que se
Meale não achara amparo em ElRey
de Cambaya , de quem era patente ;
porque o havia ' de esperar dos Por-
luguezes , de quem era inimigo ? Que
quando se visse rcstituido , e podero-
so 5 a primeira lança que se arrojas-
se contra o Estado lia via de ser sua ,
porque lhe seria sospeitosa a vizinhan-
ça de homens tam valerosos , que o
íizeráo Rey ; e que para nos abor-
recer , bastava a memoria de tam gran-
de beneficio.
Resoíuto em fim IVÍartim Aífcnso
a ennegar Meale por fundamentos
menos considerados , despedio os Em-
baixadores 5 e com elles a Gaiváo
\'iegas , hum Cavalleiro honrado ,
com largos poderes para assentar o
contrato na forma referida , mandan-
do logo tomar posse das terras firmes,
em virtude da oiíerta do Hidalcáo ,
com beneplácito de seus Embaixado-
res.
Neste estado achou D. ]oáo "de Reposta
Castro as cousas de Meale , pedido f'<^ Oo-
agora pelo Hiualcáo com nova embai- vcnia»
XMda , em fé do capitulado com seu '^''^•
antecessor ; porém D. Joáo com dif-
ícrcnte acordo respondeo ao Hidal-
E cáo ,
ÇV VlHA DE DJoX-O D?:CA?TtlO.
cão ,' que os^Portugiiezes. çrác? fieis aos
amigos-, quanto mais ao^ hospedes j,
que as proposras de seu antecessor mais
tbrao para' conhecer a causa , que pa-.
ra resolvela.; que as terras firmes per-,
tencíáo- ao Estado por doaçoens maisj
antigas;, e que: dos rendimentos era-
justo alimentar Meale por gratidão-,
áos Reys seus antecessores , que as
vincularão - ao Estado ; que o deixasse-
lograr quieto esta pequena memoria^
de seu direito , e que o amparar o
Estado sua pessoa ategora náo éra pro-.
tecçáo 5 senão piedade ; q^e não akç-,
fâsse a paz com impacientes armas ,
porque então viria a fazer certo o quç,
temia , irritando o Estado para que»
se fizesse author de huma. , e , outra'
vingança. E porque seus Embaixado-'
res apontaváo , qiie com a negaçáo-
de Meale seria forçoso o rompimento,'
lhe lembrava , que as maiff das forta-,
Iczas , que fizemos na índia , tinhão
os alicesses sobre cinzas de Reynos
abrazados ; que os Portuguezes tinhão.
a condição do mar , que com as tor-
mentas se levanta , e crece ; que elle.
assi como não buscava a guerra , tão
pouco a sabia engeitar.
Com esta reposta despediO' o Go«-.
vernador os Embaixadores , que na>
cons- ^
L I V R o 'I. fj
constância com que lhes respondeo ,
entenderão que o não dobraria a en-
tregar Meale temor , ou beneficio,
Apercebeo-se logo para fázer , e espe- Jpcrce»
rar a guerra , que como era de Prin- bitnentos
cipe vezinho , primeiro poderíamos quefax,»
sentir o golpe , que ver a espada. Man-
dou logo alistar a gente de cavallo ,
que seriáo duzentos homens , e ser-
viáo debaixo de huma só bandeira , mi-
lícia mais valerosa que ordenada. En-
carregou a guarda da Cidade a gen-
te da ordenança , e os soldados pa»
gos teve prcmptos para qualquer in-
vasão súbita do inimigo. Tratou logo
de aprestar a armada , que achou des-
baratada pelas viagens , e guerras de
seu antecessor , e pobreza do Estado ,^
c como as forças navaes sáo as mais
importantes , aqui se empregou todo.'
Reparou as embarcações que estaváo
no rio , fez três gales , e seis navios
redondos com estranha brevidade , náo
faltando aos officiaes com a paçra , e
o agrado , com que a obra medrava ,
vencendo a diligencia o tempo. D'es-
tas galés , e navios nomiCou Capi-
tães , que assistiáo ás obras como a
cousa própria ; expediente que foy as*
sás importante para a brevidade do
apresto , bondade , e abundância d?.s
E 11 mu-
do Hl
5*4 VíDA DE DJoSo DE Castbo
niuniçcens , e mintimemos ; com que
a armada se poz de verga cl'a]ro em
tempo opportono , e breve , e com
eila poz fre>s> aos Príncipes vezinhos
para se collig^.rem com o Hidalcáo ,
V -■ ■ que já 03 solicitava a sacudir o jugo ,
como çm beneficio da commum liber-
dade.
Primei- , ,. Entendida pelo Hidalcão a resolu-
ros fíij' ção do Governador , recorreo á jusri-
vimcntos ça ^;i3 armas , querendo lançar fora
de casa a guerra , anres que com a
presença de Meale tumultuassem os
vasssllos , a quem farião fieis os pos-
tos , e os prémios da milicia , defen-
dendo como commum a causa. Vedou
logo com rigorosas leys aos vivandei-
ros trazer a Goa a ordinária provisão
de mantimentos , qué como os recebia
do Sertão , não estava bastccida para
aturar táo repentina guerra. Traz isto
mandou a Acedecáo , hum valeroso
Turco , com dez mil homens a senho-
rear as terras firmes , que estavâo à
nossa obediência.
Acode o ^^^^ ^^"^ ^°^^ ^^ Castro enten--
Gover- àtnào que a guerra recebe opinião
iiúibr dos primeiros successos , sahio com
físfcal' dous mil infantes , e a cavallaria da
mcnic, terra a fazer rosto ao inimigo , e sen-
do de muitos fidalgos persuadido, que
náo
L I V R o L 5f
não empenhasse sua pessoa eom par-
tido tam desigual , que , náo era au-
thoridade do Governador da índia cin-
gir a espada contra hum Capicóo do
Hidaicáo , nem dar a entender ao
mundo que fazia tanto caso desia guer-
ra , mormeníe quando tinha fid.:l^os
beneméritos da honra , e do perigo
d'esra empresa , nao foy pos^ivel dis-
suadiio da primeira resolução , dizen-
do com mayor contiança do que per-
mJttiâo as forças de scu c^mpo , que
sahia a castigar , e náo a vencer, E
marchando duas le^oas de Goa , avis*
lou ao inimigo , que alojado ao pé
de huma serra , tendo na frente hum
rio , que lhe servia de cava , e de
trincheira , com as ventc^gens do nu»
itiero , e do sitio , esi>erou aos nos-
sos 5 que ainda que cansados da mar-
cha , cobrando novo alenio , ou com
a presença do Governador , ou com
a vista do inimigo , começarão a pas-
sar o rio com mais resolução que dis-
ciplina. Náo foy pos.^ivci aos Cabos
dctelos , ou ordenalos , porque os mais
temerários se lançarão ao rio , e nos
sizudos a desCvonfi^nça fez necessidade ,
nos mais , para seguir aos compa-
nheiros , o exemplo parccso discipli-
na.
O
5*6 Vida de D. JoXo de Castro.
Pelelja , ^ Governador com singular açor*
e deibã' ^^ ? mandou aos que ficaváo que pas-
ríjía o sassem o rio entendendo que o que
inimigo, no principio fora erro , agora era re-
médio ; e porque este dia náo teve
lugar de dispor como Capitão , pelei-
jou como soldado. Envestiráo logo os
nossos aos Mouros tam impetuosamen-
te , que assombrados daquella primei-
ra invasão , foráo largando o campo ,
turbadas as fileiras , e por si mes-
mas rocas , forão desordenadas , e
vencidas ; vendo os nossos ( o que ra-
ras vezes succede ) hum exercito sem
perda , e mais desbaratado. Recebe-
rão os Mouros grande dano na fugi-
da , nenxhuni na resistência. Foiáo os
nossos duas legoas executando as li-
cenças , e crueldades da vietoria , re-
colhendo as armas que os miseráveis
largaváo como carga , e náo como de-
fensa. Durou em fím o alcance o que
durou o dia , sendo aos inimigos o
horror da noite remédio contra o da
vietoria. Recolhidos os soldados , che-
yos ds sangue , de gloria , e de des-
, pojos , se deixou o Governador ficar
•^no campo ao seguinte dia , sem ar-
i guir aos ^oldados a desordem , que Ihs
Vdeu a vietoria ; seguindo a coníiiçáo
dos juizos humanos , que ri«nca deu
lou-
L I V R c^ I. S7
louvor ás desgraças ; nem ás vicrorias
culpa.
Entrando o Governador em. Goa, Kecdhe*
foy recebido com sin^uhr applauso dir se a Goa*
queile povo tara costumado a ver ,
e despresar victorias. E porque nesta j
e nas inais batalhas qut O. }oáo ven-
ceo , appellidcu o nome de S. Tho-
mé Apostolo da Índia , cremos que
foráo havidas com o auspicio de hun:^
Patrão tâo grande ; o quai por grati-
ficar a piedade , e honrar a mem.oria
de D. }cáo de Castro , se sérvio de
descobrir nos dias de seu governo
aquella maiavilhcsa Cruz , achada em
Meliapor na costa de Choromandel ,
quasi cubertos de huma mesma terra
a mil.igroja Cruz , e o corpo santo.
E como D. Joáo de Cí;stro venerava Venera-
este sinal dç nossa redempçâo com ção ,]ne
devido , mas peregrino ©bsequio ',fo~-'a á
pois sempre que topava Cruz , se Cruz,
apeava do palanquim, ou cavallo , pon-
do-sc de joelhos ; náo parecerá casual
a maravilha d'este descobrimento , pois
as misericórdias do Ceo náo vem por
accidente. Daremos a relação d'este
-mistério por involver hum milagre suc-
cessivo , testimunho da fé Oriental ,
cultivada naquellas Regioens com o san-
gue , e doutiina de nossos Poriuguezes.
' De-
;2 Vida de DJoSo de Castro.
j„^g„. Depois da maravilhosa invenção
fao da <^o corpo dcste sagrado Apostolo na
Cruz de Cidade, ou ruinas de Meliapor , quff
S. Tho' entáo se chamava Calamina , os Reys
me» D. Manoel , e D. João ardiáo cm
piedoso zelo de soprar acjuellas cin-
zas mortas , que da primeira Christan-
dade do Apostolo alli ficarão , ainda
^ue corruptas já com a doutrina de
sacerdotes Arménios , e Caideos , que
separados da Igreja Catholica Roma-
na , daváo a beber áquelles innocen-
tes Christãos , perniciosos dogmas :
03 quaes purgados em parte com o
trabalho de nossos Missionários , tra-
tarão de levantar huma Igreja no lu-
gar aonde fora achado o precio>o cor-
po do Apostolo ; e abrindo os aliccs-
ses para a fabrica , acharão huma Cruz
lavrada em hum pedestal de mármo-
re de quatro palmos de alto , e três
de largo , borrifada de gottas de san-
gue ao parecer fresco. Tinha esta
Cruz a forma das que usio os Cavai-
leiros de Aviz ; nos baixos da pedra
cscavão algumas Cruzes mais peque-
nas com a mesma figura que a ma-
yor , salpicadas com as mesmas nódoas
de sangue. Estava a Cruz grv^nde as-
sombrada pelo alto de huma pomba
pendente j tinha em torno humas le-
tras
L I V R o I. 5-9
trás antigas , cujo significado ignora-
váo os naturaes da terra , por náo es-
tarem em língua conliecida , nem se
formarem com clausulas atadas. Fo-
láo buscados velhos , e antiquários
scientes em differenres línguas , sem
que nenhum pudesse rastrear a letra ,
nem o sentido da escritura , até cjue
d'ahí a alguns tempos íoy trazido hum
Bramene de Narzinga , que nos deu a
exposição d'ella em sentido corrente ,
e dizia assim :
5, Depois que appareceo a ley dos
3, Chrisráos no mundo , dalli a trin-
5, ta annos , a vinte hum de Dezem-
3, bro, morreo o Apo?tolo S. Thomé
35 em Meliapor , onde houve conhe-
„ cimento de Decs , e mudança de
3, ley, e destruição do Demónio. Es-
5, te Dcos ensinou a doze Apóstolos ,
3, c hum deiles veyo a Meliapor com
3, hum bordão na máo , onde fez hum
3, Templo ; e ElRey do Malabar,
3, Choromandel , e Pandi , e outros de
3, diversas naçoens , e seitas , se su-
3, geitáráo voluntariamente á ley de
3, i>. Thomé. Veyo tempo em que o
-3 Santo foy morto por máo de hum
3, Bramene , e com seu sangue tez es-
3, ta Cruz.
E como esta traducçáo era de in-
ter-
6o VíDA DE D. JoSd DE Castro.
terprete assalariado , não lhe derâo a
nossos iateira fé em negocio tani gra-
ve i assi chamarão outro Gentio dou-
to no conhecimento de todas as lín-
guas Orientaes , o Gual sem ter noti-
cia da exposição primeira , declarou
as lettas na mesma forma , sem dis-
creppincia alguma. A EiRey D. Sebas-
tião foy trazida a copia da estampa
no anno de mil quinhentos sessenta
e dous , como aqui parece.
Continuarão os nossos a fabrica
da Igreja com mayores despesas pela
veneração do lugar , que era deposito
dos penhores sagrados , sendo grande
a piedade , e° concurrencia do pcvo
Malabar á vista de táo iilustre te^e-
munho da fé que conservavão. Aca-
bou-se a fabrica do Templo breve-
mente , servmdo no altar mayor de
retaboio a Cruz , gravada no mármo-
re que temos referido. Começarão a
celsbrar-se os officios divinos com a
decência , qui permitia hum lugar
tam remoto , quando aos. dezoito de
Dezem-bro , dia da Expectação da Se-
J^lila^re í^-^ora , estando-se olEciando a Missa
vvtavil á vista de muito povo , começando o
da mes- sacerdotc o Evangelho , começou tam-
viuCrui. bem a Cruz sagrada a cobrir-se de
hum suor copioso, destillando sobre o
ai-
L I V R o I. 6i
ahâr náo meudas gottas : e porque
ficassem m.iyores sinaes d^aqucUa ma-
ravilha 5 parou no sacrincio o Saceri-
dote , limpando com os corporaes a
humidade que a Cruz evaporava , os
quaes subitamente se banharão em
sangue á vista do numeroso povo que
assistia. Foy logo a sagrada Cruz mu-
dando a cor alabastrina em pailida ,
e d'cs:a passou a hum negro e?cu:o ,
que tornou a mudar em azul , cem
hum resplandor maravilhoso , que d\à-
rou em quanto o sacriiicio da Missa ;
e depois de acabc^da , tomou a cor
natural em que foy descuberta.
Successi vãmente se vio o mesmo
milagre muitos annos naquelle mes-
mo dia , e ainda agora sabemos per
Autores , c relaçoens fieis succede al-
gumas vezes ; com que aquella Chris-
landade recebe os preceitos de nossa
Ley com fé já mais robusta. Este mi-
lagre se calificou ante o Bispo de Co-
chim em contraditório juizo , cujos
iutos vicráo a este Reyno em tem-
po do Cardeal Rcy Dom Henrique ,
que com authoridade do Papa Gre-
gório XIII, authenticou o milagre ,
já divulgado em nossas Chronicas ,
e Authores estranhos. As novas d "es-
te milagre reccbeo D. ]oáo de Cas-
tro
62 Vida oeDJoXo de Castro.
Afecto íí^o com não vulgares mostras de pie-
com cjue dadc , amparando aquella Christanda-
ijGovcT»de de S. Thomé opprimida da ser-
mídur vidão dos Principes Gentios , que lhe
recebe haviáo revogado certos donativos , e
citano' graças , (jue por intervenção do San-
*''^' to Apostolo lhe foráo concedidas dos
Reys antecessores , das quaes hoje pe-
lo ódio dos infiéis , e corrupção dos
tempos , só guardaváo as memorias.
Náo cessava o Hidalcáo de inquie-
tar os nossos com ordirwrias correrias
nas terras firmes , que bastaváo a nos
ter em continua vigia , c impedir a
cultura aos lavradores ; a cuja causa
se resoiveo o Governador a dar-lhe o
golpe onde mais o sentisse. Mandou
logo embarcar a seu filho D. Álvaro
Manda ^ armada que aprestara , com ordem ,
conira o ^"^ "^^ portos do Hidalcáo fizes'e
tíidiil- ^^^^ O ^^^o possível 5 offerecendo aos
cão sen soldados escala franca , para coni as
plho D. esperanças do saco , oS (^2St dissimu-
Aivaro. lar alguns soldos vencidos , que lhes
devia o Estado , e desviar a outros
dos tratos mercantis ; corrupção que
hia lavrando em muitos , e ja com
fcyo exemplo dos mayores.
Síthe Sahio Dom Álvaro com novecen-
covi seis tos Pottuguezes , e quatrocentos In-
navios, ^ios em seus navios , e alguns baxeis
de
L 1 V n o T. (Ç5
^e xemo ; e a poucos dias de viagem
houve vista de «quatro nios do Hidal-
cáo , que com roupas , e ourras dro-
gas de terra naveg.^^.váo a Cambava.
Álandou logo Dom Álvaro aos Capira-
cns , que lhe puzessem a proa , e
aos navios de remo , que se fossem
cozendo com a terra , por se acaso o
inimigo tentasse de encalhar desespe- p^^^^
rado. Eráo as náos de mercadores , .^-^ f^z,
com pouca guarnição de soldados \ e
vendo , que nem podiáo fugir , nem
defender-se , mandarão á Capitania
Mouros -mercadores , que entre razo-
cns , e lagrimas se mostraváo inno-
centes nas discórdias do Hidaicáo com
o Estado , offerccenJo para os gastos
áa armada hani justo donativo ; po-
rém nem a cobiça dos soldados , nem
a razáo i da guerra sofria que os ou*
vissem ; assi fcráo as náos entradas ,
e mandadas a Goa , para que confor-
me o bando do Governador se repar-
tisse a pí^sa. Chegadas estas náos ao
potto de Goa, foy e.tranho o alvoro-
ço do povo , vendo que huma a ou*
ira se alcançaváo as victorias , louvan-
do na primeira o e-forço do pay , na
segunda a fortuna do ftiho.
Vendo Dom Álvaro que as occa- Pr>z:e-xx
liocns , e o tempo peieijaváo por elle , r>.Alj^^
^4 VídadéDJoXo de Castro.
irada de c çpt tinha OS sold^dos contentes , •
Cambre, por terem já em seguro o. fruito da
jornada , mandou ao seu Piloto , que
governasse ao porto de Cambre , onde
o Hidalcão tinha dobrado as guarni»
çoens depois do rompimento. Havia
duas fortalezas na entrada da barra
com artelharia grossa ; e pela estreite-'
2a do canal náo podião nossas nàos
passar , nem surgir sem perigo eviden-'
te. Consultou o General Dom Álvaro
com os Capitans da armada as dif-
íiculdades , que se representaváo , e a ;
todos parecerão dignas de reparar , di- •
zendo , que empresas voluntárias nam*
se accommetitáo com risco táo sabido j
que mayor guerra faziáo ao Hidalcã©-
senhoreando-lhe seus mares , fazendo
presas , e tolhendo o commercio á vis-'
ta de seus olhos ; que nas fatçcens*
de terra era mayor o risco que o pro*'
veito ; que o canal viáo estava tani
cingido daquellas fortalezas , que os-
nossos navios ha viáo de passar quasi'
roçando sua artelharia , que o primei-'
ro navio que desaparelhassem impediria'-
a passagem dos outros. E como D. Al-
Kcs--lvc ^^^^ instasse , que era preciso cxecu-
en-jcsii- ^^'^ ^^ ordens que levava , que eráo
/^. saltar em terra , e abrazar os porcos
do inimigo, lhe replicarão no Conse-'
\ lho.
L I V R o I. 6^'
lho 5 - propondo <]ue se f:casse eíle Ge-
neral no már mandando , e que o$
CapHaens dos mais navios cometre-
riáo a barra , porqne se ao General
d'aqueHa armada , íiiho herdeiro do
Governador da Jndia , lhe acontecesse
algum desastre , que maior d^no po-
deria receber o Estado , que o em-
penho tm que ficava na necessidade
de tão justa vingança : do que D. Al?
varo indignado , atalhou a pratica , dR.
zendo , que elle náo queria victoriasiç»
onde o seu perií^o náo fosse igual ao
do menor soldado , porque só para a
obediência era seu General , e para o
risco era seu companheiro ; que a ins-.-
ttucção que- trazi;i do Governador ,
era. arriscar sua pessoa facilmente , a
seus. soldados com grande necessidade,
quc. os riscos que lhe represenraváo ,
ainda lhe pareci áo mais pequenos que
os que vinháo a buscar , porque a hon-
ra náo se ganhava sem perigo. ; que
de Portug.^I viera a buscar este dia ,
que esperava fosse muito fermoso para
todos , e que nesta resolução náo que-
rja conselho , só na forma de accom-
mctter lhes pedia consultassem o mo-
do. A lemeridede do General desculpa- 5"/»// a ít»
ráo eniáo o brio , e a mocidade , t^na,
c depois o successo. Assempu-se que a
gen-
66 Vida ÓE D.JoAO DE Castro.'
gente passasse aos bateis , e que no
quarto d 'Alva pojasse em terra , ain-^
dá mal declarada a luz do dia , para'
que as peças do inimigo náo podessem
fazer certa a pontaria; Aquella nóiié<'
se aperceberão todos , vendo já no
semblante do General huns longes da-
victoria. Deixada guarnição necessária-
rtos navios , saltou o General em;
terra com oitocentos homens escolhi**-'
dos , e com tão declarada fortuna ,'
que dando nos bateis muitas bailas V*
náo houve alguma que matasse , oil-
ferisse soldado , sendo este accidenté^
para a victoria disposição , ou prinf*
cipio. •'^
ÚranAe- E''^ a Cidade de cinco mil vezi-J-
s,j , e nhos , derr.^.mada por huma estendi-'^
forças da da planice. As c.^ísas entre si desuni^?'
Fraca, das , c independentes humas de ou-'
trás, sem mais poiicia, união, cu me-
dida que a que ensinava o gosto , ou'
poder dos moradores. Com tudo os'
pateos , e eirados de cada casa repre-^
scntaváo juntos huma magestade bar^*
bara , como de homens , que edifica-.^
váo com mayor ambição, que archi-V
tectura. Tinháo ao Norte huma peque-r
ra serra , donde desciâo alguns rios^
sem nome ; que assi servião ao delei-í
te , como á fertilidade da campa rvhaj*
Fo-
Li V í o r. 67
Fora a Cidade antigamente habitada
de Brnmenes , e agora de Mouros
mercadores ; lugar entre os Orientaes
sempre famoso , enráo pela supersti-
ção , hoje pela riqueza. Náo linha o
lugâf defensa de muros , ou trinchei-
ras , assegurados seus h.^bitadores ou
na grandesa de seu Senhor , ou na.
paz dos Principés vezinhos ; porém
ao presente , como a guerra <^ne fa-
zíamos ao Hidalcáo , começou por vi-
ctorias , viráo os Mouros seu perÍ2;o
cm seus mesmos exempins ; assi trou-
xeráo para defender a Cidade dous mil
soldados pagos , que com a milícia da
terra fizeráo numero bastante a defen-
delos , conforme a seu discurso.
Estes vieráo debaixo de suas bnn- ^-'-''/*
deíras impedir a desembarcaçáo aos ^f"'^/^
nossos com tanta ousadia , cjue nos '''*
^«yÍMraçâráo espaço grande , peieijan-
do n pé firme , e táo travados , que
náo podiáo os nossos sold^dcs ajudar-
ce da espinç^ardiria , da (]ual gó rece-
berão a primeira carga com notável
constância. Aqui deu D. Álvaro mos-
tras de seu valor, c acordo , infamando
os seus na peleja , já com palavras , ja
com o exemplo de suas obr^/:. Viráo-
se em fim ram aperrados os noss.^s )
^ue mais peleijavào pola vida do «^n^
F po-
nii?:a
6S VíDA DED.JoX?5riJEvCASTRO.
pela vicroria ; por espaço de humai
^ hora esteve duvidoso o successo , até-
que hum grande troço dos moradores ,
cortados do temor , e do rerro , de-j;
sem pararão o campo , mostrando na-
primeiro confiicto valor mais que de-
homens , no segundo menos que d&.
mulheres ; ccusa muiro ordmaria nos;
bisonhos , succcder o mi'íyor temor ár
mayor ousadia. Com o exemplo d e^ies-,
se foráo 03 outros retirando ti m idos ,:
e desordeniidos. IMesta voha recebèráoj
os Mouros grande dano, porque quasii
sem resistência percciáo , sendo os que,
cahiáo tantos , que e^torvavâO a fogi-^
da aos ourros, ;
Entrno Entráráo os nossos de envolta corri
os iws' os Mouros a Cidade , onde os mise-
sos» raveií se detinháo presos do amor , e
lagrim.âs das mulheres , e filhos , que
acompanhava© já com piedade inudiv
mais como testemunhas de seu sangue ^<
que def^Ensores d elle j laes houve >
que abrsçrdas com os maridos se dei-
xa vão rrespa^iar de nossas Lnças , in-
ventando *j>6 miseráveis no\\T dor , co-
mo remédio novo ; dos nossos solda^
dos , huns as roubaváo , outros as de-
fendiáo , quaes se^uiâo os afrecios do
tempo, quaes os da natureza. Algumas
d'estas mulheres com desesperado amor
i SC
L I V R o I. 69
se metláo por entre as esquadras aH
m?das a buscar os seus mertos , mos-
trando animo para perder as vidas ;
lastimosas nas feridas alheas , sem las-
tima nas suas. Ganhámos em fim a E ga-
Cidííde com mencs dano que perigo , nhõo a
porque na resolução da entrada por (^^dadc,
baixo da artelharia do inimigo , mais
arrastou a D. Álvaro o valer , que a
disciplina. Dos Mouros perece© a ma-
yor parte , nuns no confiicto , es mais
na retirada. Mayor anim.o mostrarão
as mulheres , que os maridos ; elíes
perderão as vidas , que não souberáo
defender ; ellas podendo-as salvar , as
despregarão. Dos nossos morrerão vinte
e dous ; foráo mais os feridos, em quel
entrou o General de huma setcá. Foy
necessário acabar hum estrago , para^
começar outro. Gessou a ira , corae»-Dí'-f?''wi-
çou a cobiça. Mandou D. Alvaró dar' i''" ^ ■^«"
1 Cidade a saco , onde o despojo «^«^ ^^^^"^
igualou a victoria ; porque náo tinhão
os Moti''OS posto em salvo cousa al-
guma ou fosse confiança , ou des-
cuido; e até a gente inútil para a de-
fensa guardarão na Cidade , ou por
desprezo de nossas armas, ou por náo
mostrar sombra de temor «los defen-
sores 5 foráo em fim as fazendas tan-
tas , que se náo puderáo recolher aos
F ii na-
70 Vida de D JoSo db Castro;
navios ; os soldados recolhiáo as mai5
preciosâs , e deixaváo as outras ^ eorro
para alimento do fogo . com c]ue se
havia de abrazar a Cidade , a qual D.
Álvaro deixou entregue a hum lasiimo-^
so incêndio , que fez náo pequeno hor-
ror nas povoa çcens vizinhas , por ser
este iugar de to*da a costa o mais ri-
co , e defensável , que quasi servia aos
outros de muro , agora de miserável
exemplo.
Volta LevGu-se o General cora toda a
D. ///- armada , e se fez na volta de Goa ,
vare a a descarregar o> navios , que com a
Goa, mui: o pe3o hiáo empachados , deter»,
minando deixar ahi os feridos , e ai-,
guns enfermos , para cornar a conti-,
nuar a guerra , a qual de;ejaváo o&
soldíídos , contentes ca liberalidade y
c fortuna do novo General. Chcgoa,
primeiro a nova , que os navios a,
Goa , e o Governador fez grande cs-
timaçáo da victoria , a plebe doj des-
pojos. Logo se teve aviso , que oS.
que escaparão da rota toráo represen-
tar ao Hidaicáo o miserável destroço-
da Cidade , e entre a primeira dor
dos filhos , e parentes , contaváo o,
segundo estrago das fazendas , e edi»
ticios , onde a voracidade do fogo dcif
xará tara confusas humas , c outras
cin-
L I V K o T. 71
•cinzâs , que não podiáo chorar os seus
mortos com lagrimas distinctast Diziáo
ao Hidalcáo , oue sé com tal gfnre
dererminava continuar a guerra , iriáo
habitar os deserto? . onde náo veriáo
estás fera^j do Occidenre ., nascidas p?>
ra escândalo , e luina dà Azl^. •■^sst
contaváo , e mal diziáo nossas victo-
rias huma a huma , mais engrandeci*
àsiS em seu remor , que em nossas es-
crituras.
O Hidalcáo 5 vendo a fortuna de Commet-
nossas armas , as queixas e o estrago te o Hi-
dos vezinhos, e muitas vontades aiheas ^^ '"''•" ^*
de seu serviço ^ que a guerra , e os P^"^'
■successos faziáo rnais atrevid?.s , incli^
nou o animo á paz para remediar as
discórdias , e sediçcsns de casa , que
podiáo tomar mr.yores forças com as
liberdades de gente armada ; e pon-
tjo em conselho o est:;do .das cousas,
presentes , a todos pareceo deviáo co-
brir seus aggravos com huma paz fin-
gida , esperando que o tempo lhes
mostrasse monção m?.is opportur.a ,
para com as forças de alguns Reys
Oiiendidos commetter o Estado junta-
mente : e como estes Mouros mais guer-
reáo poJa conveniência , que poia in-
juria , mandou o Hidalcáo Em.baixa-
•dores ao Governador , diseuipndo a
72 Vida ds DJoSo de Castro;
guerra que fizera com frívolas escu-
sas , e acordando os benefícios cjue de
sua amisade recebera o Estado.
CGover- ^ Governador ouvio os Embtixa-
jwJar a ^^'^'^ ^^^ ^^^^^ piiblica com grande au-
acctíUa, thoridade , rc^pundendo-lhe que âssí
Conio náo buscava a guerra , tão pou-
co a sabia engeitar ; que a prosperi-
dade do Estado consistia em ter mais"
inimigos , porque com despojos , e
victorias se engrandecera sempre ; mas
que cambem nunca negara 2 paz &
quem com obras , e amisade fiel a
merecia ■■, que elle queria privar a seus •
soldados das commod idades que des-
ta guerra se promcttiáo ; mas que sou-
besse , que o primeiro dia que tinha
de Rey , era esie em que capitulava
paz com os Pcrtuguezes. Assi despe- •
dio os Embaixadores assombrados de
animo ram altivo ; e com este mesmo
desprezo tratou sempre as guerras do
Oriente , nas quaes mostrou valor jguai
à sua fortuna
Trat(% Volrou logo o animo ao expedi-
^c5 cm- ente dos negocjos particulares i pre- •
sas do miando aos soldados que haviáo servi-
Msíado. rio , aos quaes deixava táo sntisleiíos
do despacho , como do agrado. Dea
Capitaens ás fortalezas vagas , em quan-
to os proví<l^>s per El-Rey nam en«
tra'
travão ; fazendo do merecimento dos
homens estimação tão justa , que nem
a conveniência , nem ao Estado fica-
va devedor : virtude nos Príncipes di-
ficultosa , e nos ministros rara.
Não ardia menos no zelo da hon-
ra de Deos , qne na do Estado , por-
que entre a confusão da guerra , e es-
trondo das armas , acodia ho^ negó-
cios da Religião , como se só p?ra
os zelar fora enviado ; e porque El-
Key D. Joáo assi conhecia seii valor ,
como sua piedade , lhe encomendava
a dilatação aà Fe , c culto divino j e
de hua^a carta que sobre esta matéria
lhe escrevco , se colhe bem , quão
inrlmados andavío J4na causa de Deos
o Rey , e o MiniJítro ; de qi'e dare-
mos a copia , para «jue veja o Mun-
do 5 que nossas armas no Oriente irou-
xerío mais hinos á Igreja , que vassal-
Ics ao Estado.
Cana d'El'Rey a D, João de Castra.
G
Overnador amií^o. O muito que
,, importa olharem os i-'rincipes Chris-
„ t»os polas cousas da Fé , e na con-
,, servaçáo d'ella empregar suas forças
5, me obrij^a avisaivos do gr.-mds sen-
74 Vida, t)EDJoXoDjB Castro;
,5 limcnto que tenho , <k que náo sò
5, por muitas partes da índia a Nós
3, sujeitas, mas ainda dentro da nossa
35 Cidade de Goa , sejáo os ídolos ve-
,5 nerfído.s ; lugares em que mais fo-
„ ra razão que a Fé florecera; e por-
„ que também somos informados da
„ muita liberdade com que celebráo
5, festas gentílicas , vos mandamos ,
5, que descubrindo todos os ídolos
,, por ministros diligentes , os exiin-
,, guais , e façais em pedaços , em
3, qualquer lugar onda forem achados,
3, publicando rigorosas penas contra
3, quaesquer pessoas que se atreverem
„ a lavrar , fundir , esculpir , debuxar
,> pintar , ou tirar á luz qualquer fi-
5, gura de ídolo em metal , bronze ,
5, madeira , barro , ou outra qualquer
,, matéria , ou trazelos de outras par-
3 5 icsj ç contra os que celebrarem yu'
,5 biica , ou privadamente alguns jo-
3, gos , que tenháo qualquer cheiro
„ gentílico 5 ou ajudarem , e oeculra-
,5 rem os Bramenes , peícilenciaes ini-
5, migos do nome Chnsráo. A qual-
3, quer de todos os sobreditos , que
55 encorrerem em semelhantes crimes ,
3, he nossa vontade que os castigueis
5, com a severidade que dispuser a pre-
^j matica, ou bando ^ sem adraiiíií ^P^
jpel-
3}
L I V K o I. 7j
5, pellaçam , nem dispensar em cousa
„ alguma ; e porque os Gentios se
,5 sugeiccm ao jugo Evangélico , não
3, só convencidos com a pureza' da
55 Fé 5 c alentados com a esperança da
„ vida fitcrna , senáo também ajudados
3, com alguns favores temporaes , <]uc
amansáo muito os coraçoens dos sub-
5, ditos ; procurareis com muitas ve-
3, ras , que os novos Christáos d aqui
3, a diante consigáo , e gozem todas as
3, exempçoens , e liberdades dos tri-
35 buros , gozando dos privilégios , e
3, officios honrados 5 que até aqui cos-
^, tumavio gozar os Gentios. Have-
3, mos também sido informados , que
3, em nossas arm?das váo muitos In-
3, d:os forçados 5 fazendo para isso des-
3, pesas involuntárias; e desejando Nós
55 o remédio de tam grande excesso ,
55 vos mandamos , que d'esra violen-
5 cia sejáo os Cíiristáos isentos ; e
35 sendo a necessidade muy urgente ,
35 prevereis , como , em caso que váo ,
3, se lhes dè satisfação cada dia de
3, seu trabalho , com a fidelidade que
5? de vosso cuidado , e diligencia espe-
35 ramos. Hnvendo lambem sabido de
35 pessoas graves , e fide dtgnas ( com
3, p^irticulrir sentimento ncí^o ) qi^s
99 alguns Pcrtu^c^ises conipúo escra»
rt „ vos
76 Vida DE D JoSo DE Castro;
,5 vos por pouco preço para os vcrn-
„ der aos Mouro? , e outros mercada^
5, res bárbaros , por interessar algumí^
3, cousa nelles , com notável detrimen-
„ to de suas almas , pois poderiáo fa«
3, ciimente ser convertidos 2 Fé ; vo%
3» mandamos empregueis todas vossas •
35 torças em atalhar tamanho mal , im-
j, pedindo semelhantes vendas , pelo
„ grande serviço que nisso se faz a
5, Deos , e nos fareis , se com o rir
3, gor que o caso pede , remediai$
., huma cousa que tão mal nos pare?"
,5 ce. Procurareis , que se reíree a e:>
3, cessiva licença de muitos usurários ,
3, que h;u'em-0s sabido andáo , sem em-
3, bargo de huma ley das amigas de
, , Goa . a qual desde logo revogamos ,
35 c vós revogareis , rirando-a do cor-
^3 po das demais , como contraria i
33 Religião Christáa. Em Baçaim dareis
3 3 ordem , como se levante logo hum
^, Templo com a invocação de Sam
•5, Joseph , sinalando-lhe por nossa con-
^3 ta renda para hum Reitor , e al-
5, guns Beneficiados 3 e Capeliaens ,
5, que nellc sirvão. E porque os Prega-
i,' dores , e Ministros da Fé padecem
5J' írlgumas necessidades por tratarem da
j, conversão dos Gentios , queremos,
3,^ e he noss-a vont-ade j que se !^es
. ,. dem
L I V !i o I. 77
5, dem algumas ajudas de custo , e só
5, para isto lançareis de tributo cada
„ anno , três mil pardáos ás Mesc|ui-
5, tas , que tem os Mouros em nossos
„, senhorios, Tâmbem por conta de
5, nossas alfandegas , e direitos , ciareis
,, trezentas fanegas de arroz perpe-
„ tuas 5 para alimentos d'aque!les , ^ue
„ nas terras de Chaul ha convertido ,
■„ e converter o Vjgario Miguel Vaz ;
„ a qual quantidade mardamos entre-
vi gar ao Bispo , para que elle a rep?r-
9, ta , conforme vir a necessidade. Ha-
55 vemos tair.bem sabido , que nas ter-
35 ras de Cochim são defraudados os
55 pesos , e medidas dos Chri^táos de
5, 5. Thomé pelos nossos mercadores ,
,5 que alli vendem pimenta , e que
5, lhes tiráo as crescenças que com jus-
55 to peso 5 e medidt se daváo de so-
35 bejo 5 conforme o antigo costume ,
5, aos quaes por muitos respeitos fora
,5 melhor favorecer , «ue aggravar ;
5, pelo que dareis ordem 5 que se lhes
3, guardem seus antigos costumes. As-
5, si mesmo tratareis cem EIRey de
5, Ccchim 5 que f^ça tirar cerros ri-
5, tos , e superstiçoens Gentílicas ,
5, Que na venda da pimenta costumáo
5, fszer seus agoureiros , pois nisso
35 lhe vay pouco a eiie , e he de
55Sraa.
7? V[DA DE D. JoXo DE Castro,
j, grande escândalo para os Christlos-^
,5 que alli contra táo. E porque ha che-
„ gado á nossa noticia a violência ^
3, que este Rey Í3Z aos índio* . que
3, recebem a Fé , tomando-lhca «s íat»
„ zendas ; procurareis . com muitas ve-
3, ras , apartar 20 dito Rey ( a quem
,, sobre o caso escrevemos) de táo
•5, barbara crueldade , pois d'ellâ re-
„ suka ramo mal para as almas , e
„ corpos de seus vassallos ; o que fará
„ per ser nosso amigo , por>do vós da
3, vossa parte o cuidado que vos en»
53 comendamos. E no que por vossas
3, carias , e informaçoens «os avisas-
5, tes acerca de livrar os povos de
3, Socotorá da miserável servidão cm
,5 que vivem , nos pareceo remedialo
'5, de maneira , que o Turco , cujos
35 vassallos sáo , náo infeste esses ma-
3, res com suas armadâs , o que pro-
3, vereis , como mais convier , com
53 conselho do Vigário Migiiel V^az ,
,, cuja experiência vos ajudará mui-
3,- to , assi neste , como em todos os
3,' negócios árduos que se oíferecerem,
,,! Os da pescaria das Pérolas , alem
,, de outros males , c aggravos que
yy. padecem , sabemos que recebem
.,, dano em suas fazendas , conscran-
j, gendo^os nossos Capitaens com pou-
L I V R o I. 79
^, CO remor de Deos , a que só para
5, ellcs façáo a pescaria com ccndi-
>, çcens intoJeraveis. Polo que dese-
99 jando Nós , que nenhum de nossos
9, vassailos padeça aggravo , ou vio-
5, lencia , vos mandamos que aos taes
3) povos se lhes náo faça semelhan-"
>í '•^ ^êã^^vo , nem nossos Capitaens
31 pretendáo acquirir, tam injusta pos-
ij} se. E assi para evitar taes vexaçoens ,
31 c forças , vereis se aquellas costas
35 estáo sufHcientemente guardadas , e
3) se he po.-sivel cobrarcm-se nossos
5> direitos, sem que alli haja armadas;
3) e achando que isto pode ser , tira-
3) reis nossos Capitaens , m; ndando que
33 náo se navegue por aquellas cos-
3> ias , porque d'ecia maneira rossáo
3j os naturaes gozar suas fazendas, c'
•1 se escusem aggravos , e exrof^jens.
3j Sobre tudo vos encomendamos ,
3« que em tudo o que se oíferecec
» consulteis ao Padre Francisco Xavier ,
>« e principalmente sobre se convém ao
9) augmento da Christandade da costa
1» aa Pescaria , que. os noNâmençe con-'
3) vertidos se n.:j cccupcm nella j ou,'
9> quando se lhes perm.itca , que seja'
3> de maneira , que se conheçáo nci-
» Ics , com a nova Religião , novos
>, costumes , iimitanuo-sc-ihes a grande
/, sol-
3> qi
„ d-
8o Vida de DJoSo de Castro.
,, soltura com que se háo nelU. Ha-
,5 vemos tido também informação ,
ue os que de novo se convertem
a Gentilidade á nossa santa Fé ,
„ sáo maltratados , e desprezados ds
5, seus parentes , e amigos , de^rer-
„ rando-os de suas casas , e despo--
„ jando-os de suas fazendas com tan--
„ ta injuria , e violência , que lliey
55 he forçoso viver miseravelmente ,
,5 com grande necessidade , e trabalho v
„ para que cousa semelhante se reme-
5, dee 5 tareis , com conselho do Vigário"
5, Miguel Vaz , sejlo soccorridos á
5, nossa custa , entregando o que ser
i, lhes houver de dar ao Reitor que-
-5 delles tiver cuidado , para que ca-
5, da anno lho reparta da maneira qu©
,, mais convier. Juntamente havemos
,, sabido 5 que de Ceilão se veyo para'
,5 Goa hum mancebo fugindo á fúria,
5, c indignação de seus parentes , é
5, que sendo (como he) de casa Real ,
5, lhe pertence a successão do Reyno y
5, sobre o que nos pareceo , que para-
5, exemplo dos mais convertidos 5 ê' -
55 por converter, o accommodeis , já-
5, que he Christáo , no Collegio dtf
j, S. Paulo d'essa Cidade, onde á nos-
5, sa cnsra seja provido de tudo o que^-
„ lhe for necéssaiio para sua sustenta*
Livro L Sr
„ çáo , e regalo , e casas onde esre-
5, J2 , cm maneira , que bem se veja
„ nossa grandeza com semelhante^s pes-
y, soas; além do que tratareis de ave-
„ rigi^uF o diroiro que pertende ter
5, ao Reyno , c o que acerca deste pon-
,, to vos constar , nos mandareis au-
y, thentico , para provermos o que
yj mais convier ; e entretanio he nos-
^ sa vontade , que com todo o rigot
,, tom.eis conta ao Tyranno das cmel-
y, dades que executou nos que á nos-
n sa santa Fé se converterão , cbri-
r» gando-o que dè satisfação a tam
yt grinde insolência , para que todos
^ os Príncipes da Índia vcjáo quanto
55 nos apraz a justiça , e como toma-
t, mos á nossa conta o fí-.vorecer os
55 que pouco podem. E porque nam
55 He conveniente , que ^s ofriciaes
„ Gentios íundáo , pintem , ou ja-
,5 vrenv (como atcgora se lhes permit-
99 lio) itTíagens , e figuras de' Chri.s-.
„ to 5'cnhor nosso , nem de seus San-
9, tos para venderem ; mandamos que
55 ponhais toda a dili^jencia em o im-
jj p-dir , pondo penas que o que se.
3, provar que fez alguma imagem das
j) sobreditas , perca sua fazenda , e
5, lhe dem duzentos açoutes , por-
fs que wra duvida parecerão muito
„ mal
82 Vida de D JoSo de Castho.^
,, mal imagens , que representão myi-^
5, terios tam santos , andarem por
yy máo^ de idolatras Gentios. Da mes-
5, ma maneira sabemos, que as Igre-
3, ias de Cochim , c Couláo^, <^e-
55 de novo se começarão , estão por
3, acabar , descubertas , e expostas a
5, todas as inclemências do tempo, o
5, que náo só parece mal , mas ainda
„ he em prejuízo do edifício ; pela
5, que mandareis que se continuem até
5, SC acabar , sem reparar no custo ; e
5, isto por mãos , è tríça dos melho-
35 res architecros , e oííiciaes. Em Na-
3, râo mandareis também edificar hu-
5, m^ ígfsja ^rn honra , e com a in-
5, vocação do Apostolo S. Tiiomé , e
,, acabar em Calapor a que esta co-
5, meçada ^com o nome de Sanra
5, Cruz ; e '^na ilha. vezinha de Coráo
,, levantareis outra da traça , e ma-
„ gestade que vos parecer convenien*
5, te , pois h2 cousa , que nada mais
5, despertará nos Gentios a devoção
„ ás cousas de nossa sanra Fé , que
3, a affeiçáo que de nossa pane virem.
5, Além do que vos encomendo muy
3, apertadamente , que em lugares ac-
3, commodados fundeis estudos , c ca-
3, zas de devoção, às quaes em cer-
„ tos dias aeudáo aos Sermoens e pra-
>i "-
L I V R o r. 83
5, ticâs espirituaes , náo só os Chri5-
3, ráos 5 mas também os Gentios , pa-
3, ra que por esta via- se afiei coem á
,, nossa sanra Fé , e ao conhecimen«
„ to dos erros cm que vivem , alumi-
3, ando-lhes a$ alm^s com a luz do
5, Evangelho ; para o que escolhereis
5, ministros cm que haja aj partes ,
I, que semelhante ministério requerc.
5, É porque sobre tudo grandemente
,, desejamos , que nesse Estído seja o
5, nome do Senhor Deos conhecido , c
5, reverenciado , e sua sanca Fe rece-
,, bida 5 queremos , e he nossa von-
3, tade 5 que em rodas as terras de Sal-
35 sete , e Bardez , sejáo de raiz ar-
„ rançados todos os idolos , e o cul-
5, to infernal , que nelles ainda se lhes
3, faz j e para que isto se execate com
,3 menos dilEculdade , e sem ser para
3, isso necessária força , ou violência
3, alguma , ordenamos que 0$ Préga-
3, dores cm seus Sermões , e disputas
,, lavrem com tanta prudência , e ze-
3» lo os coraçoens dos Gentios , que
35 com o fdvor de Deos , conheçáo o
3, o bem que se lhes procura , em os
3, trazer ao conhecimento de seus er-
3, ros , e tirar da miserável servidão
3, do Diabo em que estão , da qual'
j3 sò se podem livrar , abraçandc-se
G ,3 com.
84 Vida dê DJoXo de Castro,
5, com a sanca Fé , que he o caminho
j, único de conhecer a cegueira em 1
j, cjue os traz Sàtanís , para náo ve- '
„ rem quanto lhes importa a salvação
„ de suas almas ; e, polo muito que
„ importa a este negocio , que os mi-
3, nistros d'elle sejáo de bca vida , e
55 costumes , e letras sufRcientes , os
5, elegereis taes , que se posa esperar
„ d ehes o effeito que desejamos ; en-
3, comendar-ihes-eis o cuidado , e di-
j, ligencia , que importa ponháo da
,, sua parte , e da vossa procuray attra-
3j hir , e favorecer a rodos , em pirei»
5, cular SOS nobres , c prlncipaes (a
35 cujo exemplo os de mais se movem)
55 de maneira , que reduzidos estes a
55 nossa santa Fé , pouca difF.culdade
55 haverá' em converter a genre com-
5, mum 5 que logo fará o que vir fa-
5, zer aos seus mayores. Os que se
3, converterem scjáo bem tratados , pa-
5, ra que os mais se aíFeiçoem , favo-
3, recendo-os náo s6 em geral , mas
3, ainda em panicular , por pobres , e
5, miseráveis que sejáo. De tudo is: a
35 nos pareceo dar-vos coma , para que
5, segundo a confiança que de vossi
55 diligencia ,, e cuidado lemos , deis a
5, tudo o remédio , de que resultará &
55 Deoi nosso iicnhor muita gloria , e ^
„Noi1
L I V R o I. 85'
^5 Nós vo-lo Teremos em particular ser-
5, viço. Dada cm Almeirim a oito dç
55 Março, anno do Nascimento de nos-
: 5, so Senhor Jcsu Christo de mij qui-
. „ nhentos íjuarenra , e seis.
JREY.
^D'cstâ carta deu D. Jcáo á e.ve-
; cuçáo aquillo que com as armas na máo
podia obrar , p>Grque foy o tempo de
• »eu governo huma continuada batalha ,
í os soldados com as licenças da guer-
a estaváo mais promptos a estragar
eys, que a emendar costumes; portm
; i historia nos m.ostrará não leves ar-
gumentos de seu zelo , gratificado do
; Zeo com sinaes, e maravilhas , de que
; eferirey huma, que aconreceo nas ^ía-
• ucas 5 que por ter a direcção de seu
• ;overno , substanciarey o caso breve-
: ncnre , como he meu costume.
Havia naqueíias Ilhas resplandeci- 3;;/V.
o a luz do Evangelho , porque S. gros^
rancisco Xavier , como fiel obreiro iuccesso
a vinha do Senhor , alimpou em "^s Ma^
rande parce aquelía terra das e.pinhas , ^^*-^^^'
cardos da infidelidade ; se bem de-
emos a primeira cultura ao grande
ortuguez António G^lváo , vale^-ça
rovernador, c Apostolo zeloso d^aquel-
■ paganismo. Ao valor rcspondeo o
Oto Ciíiii mara vi' '>os a conversão de al-
^ " mas ,
86 Vida DF DJoXoDS Castigo;
mas , aue receberão com o Bautismo
o suave jugo ds Christo , assi da pie»
be , como dos Regalos, e Magr>ares ,
todos dóceis á obediência do Evange-
lho. Sentia o Demónio , qu? naqueN
hs trevas da Gentilidade appareces^e a
luz do Ceo a descobrir-lhe os cami»
nhos da vida : e armou contra a in«
nocente Christandadfi hum Gentio d*
aquelhs partes , que havia tyranniza-
do a Ilha de Moro , e se dizia To-
lon ; o q«al com zelo infernal come-
çou a perseguir os novos convertidos «
obri^?.ndo-os com inventadas cruelda-
des a ser apostaías da Fé qu& tinháo
professado , pela qual muitos chegarão
a derramar o sangue com felice • mar-
tírio i porém outros com fé menos ro-
busta cedêráa aos tormgntos. Crescia
a desaforo da Tyranno com iniuria de
nessas armas, obrigadas ao castigo des-
te idolatra em obsequio da Fé , e ser-
viço do Estado. Os perseguidos , c
os temerosos acudiáo com queixas aos
Porturuezes ,- que estavão em Terna-
te , os quaes resolutos a domar este
Bárbaro , se dispuseráo , com m^»s
zelo , que forças , a busca4b cm soí
mesma cas.i. Náo pode ser este mo-
vimento táo occulto , que o não eu
lendesic o ívranno , que se apçrce
bco
L I V R o I. 87
beo pafa a defensa , forrificanno a
entrada da Ilha com trincheiras , e
estacadas fortes ; e quando os nossos
ganhassem estes reparos , tinha cuber-
tos os passos qi:e guiaváo á Cidade
com estrepes , e puas de ferro, toca-
das de erva , onde passando os nossos
itiriosos da coltra , e victoria , se per-
deriáo sem remédio. Assi foy , <^"s
vencida a primeira cstac?da , que os
Earbaros largarão com facii resistência ,
quiçá fiados no segundo engano , que- '
rendo a nossa gente p:.5Snr incauta ,
cevada mais no alcance com a fugida
<lo inimigo 5 ( Císo maravilhoso I ) ca-
hio do Ceo repentincmente tanta cin-
za , que tez parar os ncssos , até que
purificados os ares seguirão a víctoria.
por sima dos estrepes , onde a cinza
abrio caminho sulido , e seguro ; assi
o refenáo depois os mesmos Bárbaros
admirados , servindo-lhes este milagre
de argumento para as verdades da ley
que perseguiáo.
Assi se daváo as mãos na Ásia a
Fé 5 e o Império nos dias de D. jcáo
de Castro , trazendo em huma máo
a ley , e n'oiitra a espada , d^ndo que
discorrer ao Oriente , sobre iiuma ac-
ção táo grande , como fora soster hu-
ma gueira voluntária poia tutela de
Mea-
X
88 VidadeDJoXo db Castro.
Meale , hum Mouro perseguido , a
quem os vassallos negâráo i fé , e os
Príncipes de seu sangue hum piedoso
amparo.
Pouco tempo o deixou reclinar a
Ásia sobre os triumphos de suas victo-
rias , porque logo o começou a des-
pertar Cambaya com os rumores de
outra nova guerra , de que já as intel-
igências do listado ouviáo os eccos :
a qual referiremos em livro separado ,
por ser de nossa Historia a porção
m-iis illustre.
LI-
LIVRO 11.
C^ Om a morte de Soirão Badur
Rei de Cambava , ficou o ncmie
^ Portuguez maís temido , que
amado dos Príncipes da Asia j porque
como suas culpas eráo occultas , c o
castigo público, tinha Badur em favor
de seu sangue os juizos dos homens ,
ou pola commiseraçáo natural dcs que
padecem , ou por veneração da Rega-
iia , e ódio de nosso império , táo
aborrecido por estranho , comO por po-
deroso.
Mahamud Rey de Cambaya , her- Trata
<íeiro da Coroa , e da injuria de Ba- ElRcj/
dur , cuja morte, succed-da no ^ov^r- de Cnm-
^0 do grande Nuno da Cunh^ , re- haijc de
ferem no>sas Chrcnicas , infla^imado tomar
iguahnenie da gloria , e da vingan- Dio»
Ça , emprendeo tomar aos Po^f^g^c-
zcs Dio , e com liga de outros Prínci-
pes lança-los da índia ; negocio (ao
p::.recer dos seus ) náo muy diííicil ;
porque discorriío , que o Estado era
hum corpo monstruoso , pois tendo a
cabeça no Occidente , nutria mem-
bros distantes de si mesmo por i^'íi-
nito espaço com tantos mares , e ter-
ras
90 Vida de DJoSo de Castro.'
ras interpostas ; e que era tão gran-
de o poder de Cambaya , que tanto
com a ruina , como com a victoria
podia cpprimir o Estado , enfraque-
cido então por vários accidenres. Os
Grandes , e Satrapas do Reyno se par-
tido em pareceres difierenres ; huiis
ajuizaváo já por fataes as armas Por-
tuguezas em dano de Cambaya , ar-
gumentando com o primeiro cerco , do
qual ainda tinháo as feridas , e a me-
moria fresca ; e ainda que os estimu-
lava a morte de Badur , com a pa-
ciência de outros ofFendidos , descul-
pava© a sua, Reprendiá ) os primei-
ros , que assentarão pazes com o Es-
tado , e aos qne agora intentavâo que-
bra-las i estes porque não sabiáo guar-
dar a fé , nem aquelles conhecer a |
injuria. Outros ( como £Óe succeder
nas cousas incertas ) discorriáo ao
contrario , e achaváo tantas razoens
para a guerra , como para a victo-
ria.
Per sua- Entre todos Coge Çofar , o mais
d ido de poderoso , e aborrecido de C ibaya ,
Cj^eÇo-Q que da privança d tUley lograva a
far, meihor parte , persur.dia cauteloso %
guerra , crendo que com o perigo
Gommum cessariÃo as envejas de sua
fortuna , e as emulaçoens dos Gran-
des ,
JPof. 3f.
L I V R o II. 91
des , como vicios da paz ; e que com
os postos , e meneyos da guerra , fa-
ria homens de novo , que como crea-
turas 5.uas lhe seriáo fieis. Darey hu-
ma breve noticia deste homem , por-
que diversas vezes nestes escritos se
ha de ouvir seu nome.
Foy Coge Çofar de nação Alba- (lucm
tiez , filho de pays Catholicos , amda <:^'(j ^oge
que da raiz degenerou o fmto. Ser- Çif^i"»
vio alguns annos nas guerras de Itá-
lia , mais conhecido por msolente ,
que soldado ; nos morins , e rcbsl-
liões era buscado como peyor que
todos ; assi passou alguns annos aqnel-
la vida livre , sem premio , nem cas-
tigo ; e como homem jnquieto , que-
rendo antes buscar a fortuna , que es-
pcrala , mudou de profissão , pssando
de soldado a mercador , porque era in-
telligente , e cobiçoso , e para ^eus
intentos era e^te caminho mais bre-
ve , e mais seguro. Começou em pou-
co tempo a crecer nos tratos , co-
mo qu^em sabia as opportunidades , e
monçoens do commercio , sendo em
hum mc?mo tempo , liberal , e ava-
ro , servindo-se com artificio cos vi-
cios , e virtudes, ^^eyo em fim a me»
drar com cabedal , e credito , de ?or-
te , que navegando o Estreito com
três
92 VíDA DE DJoXo DE Castro;
três serias suas , carregadas de diffcren-
tes drogas , encontrou a RaxSoIiniáo,
General do So'dâo do Qairo , que o
envestio , rcndeo , e despojou. Foy a
presa mayor que a vicroria , e Solimáo
por credito de sua mesiTia fama , lhe
íez honrado tratamento , apresenian-
do-o ao Soldáo , como prisioneiro de
mayor porte , fazendo mayor estima-
ção da pessoa , que da presa. Come-
çou Coge qofar a contcntar-se ds
SUA desgraça , como se a buscara; ti-
nha suíticie*:ce pratica da guerra ,
aprendida nos exércitos de Itália , c
Flandres ; fa'lava no poder dos Chris-
tács com odio , e desprezo , como
ensinando ao Soldáo a conhecer suas
mesmas forças. Com estes artifícios
veyo o Soidáo a pôr os olhos no es-
cravo para cousas mayores ; começou
» ouvi-io , ao princij^io por curiosida-
de , logo por affeiçáo. Approvava-lhe
Coge Çofar os erros , e os acertos ,
com huma lisonja tam encuberta , que
parecia h"berdade , porque náo^ mos-
trava que queria agradar , senáo ser-
vir. Encubria a graça do Soldáo »
e evitava favores públicos , mais cau-
to 5 que m.odesto. Chegou a ser The-
soure'iro do Cairo , oilicio de grande
coníianja , que administrou com juí-
zo ,
i
L 1 V « o II. 93
20 , e verdade ; louvadas pelo Sol-
dão , como virtudes entre bárbaros no-
vas. Era o seu voto de mayor pesa
nos conseLhos de guerra , já pola pra-
L lica , já pola valia. Nas facçoens con»
' tra Cnristáos , votiva com grande bi-
zarria , particularmente nas ^ue se ha-
viáo de executar por outros ; e assi
cresceo de maneira , que já náo po-
dia com sua mesma fortuna j e náo
querendo conservar-se com as mesmas
artes , com que havia medrado , veyo
íi descubrir a ambijáo , e soberba;
fez -se senhor dos lugares , buscando
com mayor attençáo os postos , que os
amigos j os quaes já náo queria para
arrimo , nem para companhia ; só ào
Soidáo queria parecer escravo , e dos
outros senhor. Empenhava , e des-
truía os mayores com pretextos públi-
cos , como querendo introduzir Mo-
narchia de dous -, até que can:ados os
Wouros de táo servil paciência , co-
meçarão a publicar queixas com que
perturbar o animo do Soldáo na gra-
V?. de Çofar , assi lhe representarão com
grande sentimento seus aggravos , di-
zendo , que já era escusado ?.rmar ga-
les contra Christáos , se depois haviáo
de f?.zer Senhores a seus mesmos es-
cravos 5 quó.ndo os Turcos mais no-
bres
94 Vida M D. JoXo DE Castro.
bres recebiáo dos Christãos rão crueí
trararaenío , que andaváo por Itália ,
e Hespanha arrastando cadèas i che-
gando a escrever-lhes no rosro com in*
fames letras os sinaes de cativos ; que
não era tolerável , qiie tantos Baxás
Illustres estivessem recebendo leys de
hum vil escravo ; que ainda qoe viáo
com seus olhos cada dia su;is mesmas
injurias , já náo podiáo sofrer as do
Prcpheta 5 náo entrando em suas Mes-
quitas hum vil Christáo , soberbo ,
e irreverente , que náo faltava já mais ,
que nas praças do C.iiro , mandar le-
vantar Cruzes , e adora-las.
Foráo estas cousas ditas com tanta
liberdade , que mais pareciáo con u-
raçáo , que queixa ; e como entre os
íggravos particulares cnvolviáo a cau-
sa àd Religião , que costuma levar trás
si a justiíicaçáo , e amor público , fo-
ráo bem ouvidas do Soldáo , privan-
do a Cjofar dos cargos , e mandando-
Ihe que mudasse de crença : láo ca-
duca hc a ^raça dos Príncipes , ain-
da com suas creaturas mesmas.
Vendo-se Çofar cabido , tornou
a vestir a primeira humildade , c as
artes , que a necessidade do tempo
lhe ensinava ; e como de Christáo só
conservava o nome , e a memoria ,
foy-
L I V R o IL 95"
foy-Ihe fácil trocar polo veneno do
y\Icoráo a saúde Evangélica , mudan-
do o nome imposto no Baptismo ,
por este de Coge Çofar , que lhe de-
mos anticipadamcnte , por ignorar»
mos o primeiro que teve. Feito Çofar
cultor de Mafamedc , começou a gran-
gear mayores confianças com os Mou-
ros 5 saneando o ódio dos emuios com Com^
dadivas , e o da plebe com a nova vero o
apostasia , com que purgou as sospei- Camba*
las na fidelidade , obrando com am- ya*
biçáo mais cauta , com que se fa^ia
mais afíabel aos inimiiTos , que aos
estranhos ; mas conhecenco a msta-
bilid:-.de do Soldáo , temeroso de se-
gunda queda , não tendo por segura
huma vontade já reconciliad:! , ma-
tando huma noite á iraiçáo a Rax So-
limáo seu mortal inimigo , com hum
filho que tinha , juntou as joyas , e
dinheiro que pode , e se passo};. se-
cretamente'ao serviço d'ElRey ò.-^ Cam«
baya , de cufa grandeza , e liberalida-
de tinha inteiras noticias , e da esti-
mação qiie fazia de homens estran-
geiros , principalmente d'aqu-clles que
linháo alguma pratica das guerras ,
e politica de Europa. Respondeo lhe
o success» ao pensamento , porque em
fcrcve tempo checou â gozai a melhor
j)ar.
^6 VidadeDJoXo dsCastbo.
parte da graça de Badur , ou já pot
sua fortuna , ou por sua industria j sen-
do companheiro de suas victorias , e
de suas desgraças , achando-se na uki-
rna de sua morre , como nossas histo-
rias referem; porém já táo engrandeci-
do nos favores Reaes , que em poder ,
e aurhoridade , era o mayor vassalio ;
conservando com Mahamud successor
da Coroa a mesma estimação; ao qual
inHamniava na vingança da morte de
Badur , pelos fins que temos referi-
do , e por merecer a graça do novo
Prmcipe , com o amor , c fidelidade
que mostrava ás cinzas do defunto j
he fama , que ante o Rey , e Satra-
pas de Cambaya fallou nesta substan-
cia.
Suas ra- ,, As mcícês quc pof cspaço de dez
3.0ens „ annos recebi át Soltáo Badur , sáo
jtara a „ manifestas a todos ; aos de fora com
<mprcsA j, espanto de sua grandeza , aos d?
iíc Diff. ^^ casa com enveja de minha fortu-
55 na ; poz-me os olhos , e levantou-
55 me como vapor da terra , antepon-
5, do-me estranho , e peregrino , aos
j, que lhe nascerão em casa j sendo
5, vassalio me tratou como amigo , e
5, me amou como filho. A este cie-
5, mentissimo Prmcjpe ( cujas cinzas
3> venero como de Senhor, choro co-
' _ mo
L I V R ò II. 97
55 mo de pay ) , de baixo do sp.grado
,5 da paz 5 tirarão os Portuguezes a
5, vida com escândalo de todos os
3, Reys , e náo menor injuria de seus
3, vassallos , indignos de o haver-
j, mos sido de Príncipe ráo grande ,
3, pois insensíveis , e ingratos esia-
3, mos alimentando os homicidas de
,5 nosso Monarcha em nossa mesma.
„ casa , gozando como herança a
5, praça , que assegurarão com táo
3y atroz delicio ; hontem hospedes ,
s» e agora senhores. V^ós , ó Princi-
9, pe herdeiro , e senhor d'e3re Impe-
íj rio , vedes vossos vassallos cada
2, dia receber leys d-estes insultuosos ;
3) á vós roca di^terminar a «quem ha-
„ vemos de obedecer primeiro , se 4
9, nosso Rey , se a nosso.s inimigos.
y, Crescerá com a nossa paciência o
5, seu atrevimento. Depois de com-
,} niettido o mayor delicto , qual n3.Q
» teráo por leve ? Quem duvidará
jj ser oifensor onde se náo vingáo in-
5> jurias ? Acabemos pois de dcsper-
s, tar d'e?ie mortal lethargo ; mcta-
5» tr.os até os cotovelos os braços no
>> sangue d'estes cruéis tyranno? i nes-
Ji te veneno banhemos os alf^inges ,
5í porque percáo com as vidas a glo-
}> ria de táo grandes insultos. Com
ç2 Vida de DJoXa de Castro.
„ o sangue de Badur receberão as ar«
„ mas Fortuguezas a mayor fama do
5, mais atrcz delicto ; e deixámo$4hes
„ na mio a espada , com que nos de-
5j golaráo o Rey , para que com el-
55 la mesma nos usurpem o Reyno;
5, tiremos pois d'enrre nós estas vibo-
3, ras nascidas no ultifno Occiden-
,, te para inficionar a Ásia toda , co-*
„ mo se verá discorrendo por seus es-
5, tragos 5 que elles ch^máo victo-
,, rias. E começando naquellc primei»
„ ro Gama , a quem os mares , pa-
,, ra perturbar a paz do Oriente ,
5, dcráo faral p.-^ssagem , o Qamorim
3, de Calecur foy o primeiro a quem
3, corrou seu ferro. As náos de Meca ,
3, que no amparo do Prophera , e
3, paz das ondas , navegaváo seguras ,
„ foráo assaltadas , e rendidas deste
5, feliz Cossario , que tantos annos ,
j^ como monstro d© mar , teve por
,, casa as ondas , e por abrigo os ven-
5, tos , e as tormentas. Pois aquel-
„ ie D. Francisco de Ahr.eyda , que
,, em hum só dia , e com o mesmo
55 golpe destroçou as armadas de Egyp-
„ to , e Cambaya , que na vingança
3, da morte de seu filho , parece que
,, queria beber o sangue do Oriente
„ todo , íe hum Albuquerque succes-
L I V R o IT. 99
3^ sor de sua crueldade , e seu go-
55 verno, lhe não viera rinr das mãos a
5, espada. Esre nasceo para injuria àe
-, todas as Monarchias , porque com
5, senhorear Mal^íca , poz a todo o Sul
5, írcyo ; rendeo Ormuz , empcrio das
5, riquezas do Mundo ; tomou Goa ao
5, Sâbayo para cabeça de seu tyran-
5, nizado império ; e sem rrazer os
55 exercites de Xerxej , ou Dário , feZ
55 tributários mais Reyncs do que ira-
3, zia soldados ; levantando o pensa-
55 mento a querer tirar de Meca o
55 corpo do Propheta ; poz em con-
55 sellio mudar ao Niío as correntes ,
35 para ajpgar o Egypto ; errprendcn-
55 do seu espirito fazer duas tão famo-
5, sas injurias , huma ao Ceo , ou-
3 5 ira á natureza. Náo pcdercy refc-
35 rir a am.biçáo de tantos 5 que com
35 nossas injurias se hizeráo iiíustres ,
35 porque temo me náo caiba no tem-
5, po , ou na memoria ; pcrcm lan-
55 çay pelas mris remctPo partes do
55 Oriente a vista, ou o juízo, vereis
3, a mayor parte do Mu'.:do receber
55 leys de poder tão pequeno. Elles na-
33 vegáo daqueila parte de Africa ,
I 5^ que corre do Cabo de Boa Espe-
- 3, rança até ás portas do Estreito do
3, mar Roxo , dominando por aquella-
H ,5 par-
loo ViD.h. DE DJoSo Ds Castro
5, parrc Moçiímbique , Çofala , Quí-
5, loa , e Mombaça ; e discorrendo
35 o Cabo de Guardafii , olhando pa-
5, ra as gargantas do mar Roxo , Adem »
5, Xaei , Herit , Caxem. Temem suas
3, armndas as Cidades de Dofar , e
3, Norbete no Cabo de Fartaque , e
3, logo Curia , Muria , Rozalgate.
,, Aqui fica a Cidade de Ormuz j alli
3, a Ilha de Queixome , Curiate , Ca-.
3, lay.ue 5 Mascate , Orfacáo , e Li-
33 ma 5 o Cabo Mocandáo , e ]âzque ,
33 que formão a boca do Estreito ,
,3 que se estende até o rio Indo ; b-
3, go o Cabo Guzarate 3 e Cinde nes-
3, ta nossa Cambaya , donde até o
3, Cabo de Comori passeáo suas ar-
,, mada3 á índia por espaço de tre-
5, zenras legoas , e começando dcs-
j, ta nossa Cidade de Cambaya dls-
„ correm por Madigáo , Gandar , Ba-
5, roche , Çurrate , R.eyner , Mosca-
5, rin , Damío , Taraper , Baçaim ,
„ Chaul , Bandcr , CiFardáo , Galaii-
ci , Dabul , Cortâpor , Carepaiáo ,
Tâmega , Banda , Chaporá. Senho-
reáo Goa , assento de seus Gover-
nadores , logo o marítimo do Ca-
nará , com Onor , Baticalà , Bra-
çalor , Bracinor , e Mangalor ; e
„ lo^o aquelU parte priiicijpal do Ma-»
*•, ia-
Livro IT. lot
5, labâr , que acuenráo suas fretas ,
5, onde está o Reyno de Cananor ,
„ e nelle Cateconláo , Marabia , Tra-
5, maparâo , Maim , Parepatáo. Com
5j náo menos soberba assombráo o Im-
3 5 pcrio de Calecut com seus pór-
5, tos de Pandarane , Coulate , Cha-
9, ré 5 Capocste , Parangale , Tanor ,
3, Panane , Bilcançor , e Charua, Nos
„ Reynos de C^nancr , e de Co-
55 chim quasi domináo com absoluto
5, irrperio em Porca , Couláo , Cale-
5, couláo , Ootorá , Birinjáo , Tiúvan-
3, cor. Alcança o respeiío de suas ar-
35 mas até o famoso Cabo Comori ,
53 defronte do cjual estcá a illustre Ilha
3, de Ceiino , onde carregão as n?.os
3, de diíf^rentes drogas. Náo perdoáo
5, á enseada de Bengala , ou sêo de
5, Ganges , avistando Tacancuri , Ma-
33 napar , Vaipar , Calegrande , Cher-
3, capale , Tutucuri , Calecare , Bea-
33 dala 3 Canhamorra. Correm Nega-
53 paiáo , NaSor , Triminipatáo , Tra-
53 gunbar 5 Coloráo , Calapare , Sa-
3, drapatáo. Amedrenráo com a mul-
5, tidáo , e grandesa de seus bai-
3, xeis Bisnaga , e a costa brava de
53 Orixá 3 e toda aquella distancia ,
35 que ha de Segopora até O ri -tão ^
33 e as bocas do Ganges. Auaves-
H ii 3. sáoc
ic2 Vida de DJoão de Castro,
„ S30 O cabo de Negraes , Arra-
„ cáo , e Pegú com tantris , e ráo
5j maravilhosas Ilhas. Passáo por Va-
3, gatu , c Maitaváo , Tagala , e Fa-
5, vay , Tanaçari , Lungur , Tairáo ,
3, Queda , Solungor , navegando até
„ sua Malaca , cabeça de todo aquel-
35 le Archipelago. E logo dobrando
3, o cabo de Nincapura , ancòráo nos
3, porcos dos Reynos de Siáo , Cam-í
33 baya , Champá , e Cochinchina, E
5, passando aos Reynos da China ,
3, se atreverão a olhar aquelle tão re»
55 Cc-.tado Império , que nunca fo-
3, freo â communicaçáo de gentes es-
3, trangeiras ^ aiii fundarão a cele-
3, bre Cidade de Macáo , por onde^
35 persuadem aos Chins os Miíterios
3, de sua ctença fazendo juntamente
35 do commercio á Religião escada.
55 D aqui se divertem para as innume-
35 raveis Ilhas de Japão , visitando
3, Tava 3 Timor , Borneo , Banda ,
,-, Maluco, Lequios i de sorte, que as
, ,5 velas Portuguesas com incansável
3, navegação , rodeâo a mor parte do
„ Miíndo era distancia de mais de
3, nove mil legoas j que a táo árdua
^, navegação os estimulou sua ambi-
5, çáo , guiou sua fortuna. Repeti pro*
3, lixanisnte todo o mariumo daAsia^
Livro TI. 103
^, onde as armas Pcrrugucsas , por
5, império , ou commercio se háo fei-
5, ro conhecidas , porque de ráo der-
„ ramadas Conquistas , faz o Mun-^
,, do erradamente o mayor argumen-
5, to de seu poder , e eu de sua fra-
,, queza ; porque sendo Portugal hum
^, abreviado Reyno no ultimo Occi-
j, dente , e com perpetuas guerras na
„ Africa vezinha , onde se consu-
„ mem com os successos pro^^peros ,
,, e adversos , comendo-ihes sempre
5, gente a guerra nas facçoens , e nas
., praças que guarnecem , e agora
5, não podendo caber aonde nascerão ,
55 como abcrrecendo o Ceo , e o cli-
35 ma , que os ha produzido , andáo
>, vagando o Mundo , como se lhes
5, fora usurp'ido o senhorio dos ho-
3, mens , das terras , c dos ventos,
5, Agora deixo ao mais rasteiro enten-
.,, dimento , que julgue o pouco que
-yj se podem temer forças táo divi-
5, didas , as quaes na mayor prospe-
55 ridade váo íicabando suas mesmas
■55 vicrorias. Que temos que recear à'2S'
4, te império de loucos , que com hi:m
5, braço na Ásia , outro no Occidente
.3, querem abarcar o Mundo. Na índia
,, tem muiios Príncipes 50;ei cos , portm
„ nenhum «migo , todos os dominan-
„ tes
104 Vida de DJoÂo de Castko.
,, tes adoráo , e aborrecem , porcjue
3, com nenhum assenraráo os Portu-
35 ouezes paz , se não depois de vi-
55 cíor,'as . e estragos j desorte que náo
5, o amcr , se não a injuria os tem
5, feito conformes , e ledos estes ser-
3 5 vem em quanto náo podem often-
35 der. Mas que será se virem a Sol-
5, táo IVlahamud armado na campa-
3, nha ? Quem duvida , que todos os
„ oftendidos serão nossos soldados ?
35 Fizeráo muitos Reys tributários à
„ força de armas ,6 dado , que del-
53 las mesmas hoje recebem amparo ,
33 mais facilmente esquece hnm be-
3, nencio , que huma injuria. Selim
jj Senhor dos Turcos ainda vê aber-
ta*; as feridas dos seus Janizaros re-
j cebidas em Dio , e quem está táo
pouco costumado a receber inju-
, rias , náo perdera a occasiáo de vin-
35 §ar a primeira ; ou sendo author da
ojierra , ou companheiro nella , ambi-
, cioso também de que a rr-elhor par-
j, te do Mundo conheça seu império.
3 5 O Çamorim depois que entrarão os
,5 Portuguezes no Oriente , náo tem
3. porro que náo fosse theairo de vi-
,5 cronas suas ; e apenas tem vassallo
3, que náo fosse cort?.do de seu ferro.
5, o Hidiicáo cada dia vê regadas de
>an-
Livro II. icj
5, ?ângue as terras de Bardéz , e Sal-
35 sete ; e depois da o Governador
5, lhe fazer in)usta guerra , trouxe
;j Mep.Ie a Goa , querendo hcnesiar-
5, lhe sua luina com a justiça alhèa.
55 Todos os outros Príncipes se háo
,5 de armar contra o commum inimi-
5 5 go , para poderem respirar na anri-
3, ga liberdade em qne viviáo. Polo
5, que a mim roca , os filhes , a fa-
5, zenda 5 e a pessoa offereço à esta
3, guerra j se acabar nella , em meu
5, sangue vera Badur minha fidelid>
5, de ; e em ambos os successo^ náo
5j terey por mer.os honrnda a morre ,
5, que a victoria.
As r-zoens de Coge Çofar forão O SoU
bem ouvidas , pelo cdio da causa . e ^^õo os
authoridade da pessoa. EiR.ey , de- í^pr^-ova,
pois de lhe engrandecer a fidelidade , ^ ^^^ ^'^'
lhe commetteo a empresa , como à ^'""'"^?''
mayor que todos no zelo , e disciplina. " ^"^P'^^'
Começou logo a dar calor aos apres- "*^*
tos 5 com difrer^nres missões aos Keys
vezinhos , acordando-lhes suas mesmas
injurias , e oíierecendo-lhes as armas
de seu Príncipe , como em benefxio
dos aggravos de todo-. Despachou
Embaixadores a Constantinopoia con-
vidando o Turco a restaurar o crediro
de suas armas com a expulsão dos Por-
tu-
I06 VíDA DE D JoXo D5 CaSTRO,
tuguezes da índia , negocio ião im-
porcanre á Religião , como ao estado.
Facilitava o soccorro , que lhe pedia ,
com hurn donativo de tanta estima ,
que era mais apto a despertar a am-
bição do Tufco contra íurs riquezas ^
que a dar-lhe armas auxiliares com que
as defendesse.
T>.Jono Era neste tempo D. João Mas-
Mnsca- carenhas Capiíão mór de Dio , a quem
reuhíis q nascimento fez em Portugal grande ,
Capitão Q yaior no Oriente j varão tão bene- ■
dá Dio. jv^ej-ito (je sua fama , corno de sua for-
tuna, Este 5 sabendo por ir.teiligencias
secretas os desenhos de Coge Çofr.r ,
e que todos seus apercebimentos amea-
çâváo aquella fortaleza , escreveo
Jvhfí. o ao Governador Dom João de Castro
Govci'- os avisos que tinha , e como estava
uador. flilto de gente , muniçoens , e petre-
chos ; descuidos que cobria a paz de
tantos annos , ou quiçá assegurados os
nossos no respeito da primeira victoria,
y^ccrescentava 5 que os apresios do Sol»
dão estaváo muy avante , o inimigo
vizinho, e que os lei-Aporaes do inver-
no não rardariáo muito , com que íica-
riáo cerradas as portas ao soccorro.
(Z(tc cs^ Quando D. jcão de Castro reçe-
çrcvj aoheo este aviso, tinha já mandado du-
Svliião. '/entOi soldados aqueila fortaleza , dc-
bai-
L I V R o IT. 107
baixo das Capitanias de Dom ]oáo ,
e D. Pedro de Almeyda . filhos de
D. Lopo de Aímeyda : eráo os ou-
tros Capitaens Gil Coutinho , e Luiz
de Sousa ^ filho do Chanceller mór do
Reyno. E para conhecer o estado em
que se achava o inimigo , despachou
dous enviados práticos no mariíimo , e
sercáo de Cambaya com canas a Scl-
láo Mahamud , em c^ue lhe signiHcava
as noricias que linha das conduçoens ,
e aprestos que fazia , de que lhe devia
dar conta , pois como amigo o queria
acompanhar na emi-resa ; que na occa-
siáo presente lhe seria muy fácil , por
ter prompta no m?.r hurna poderosa ar-
n'-ada ^ e que também na fortaleza de
DiO tinha soldados valercsos com mu-
niçoens sobejas , nos quaes seria mais
grato enriquecer com despejos da guer-
ra 5 que com o soldo limitado de hu-
ina paz ociosa, E lego enccmendcu aos
enviados , que notassem com sagacida-
de as forças do inimigo , os soccorros
que tinha , o rum.or do povo , para por
el!e penetrar es desenhes da empresa.
Mss em quanto os nossos envic-.des dáo
á vila , poremos hum pequeno silencio
nas cousas de Crmbaya , por dar lugar
aOi successos de Maluco, que ti verão a
diiccçío des:e mesmo gcveino.
Es.
I ÒS ViDA DE DJoXo DE CasTRO;
Direito Esriver.^o as Malucas muitos an-
dfli Rcijs "^'S íí obeáienaa de noisas leys , des-
dc Por" cuberiras , e conquistadas com as armas
r.-'g-«/ í<j- d esta Coroa , que foráo as primeiras
Ire as da Europa , que virão aquellas Ilhas.
Malucas As quaes entra váo na nossa demarca-
ção , conforme a repartição que os Pa-
pas fizeráo entre os Keys de Portu-
gal, e Casteila , tendo ElRey D. Ma-
noel em seu favor o direito das ar-
mas , e o das leys , nam sendo esras
Ilhas de Portugal somente por con-
quista , mas também por herança ;
porque no tempo d EiBey Dom Ma-
noel 5 o ultimo , e primeiro d este no-
me , corriáo nnquelias Ilhas com igual
pros^^endade o divino , e humano ,
fesplandecendo por beneíicio de seu
2slo as luzes ao Evangelíio nas tre-
vas daquelle Paganismo , recebendo
muitos Reynos de táo ditoso Prmci-
pe Religião , e Império. Foy , entre
outros ElRey Dom Manoel ( que em
Goa recebeo o B autismo ) K^y j e
Senhor das principaes ilhas de Ma-
luco, o qual depois de bem instruido
nos mysterios de nossa crença , vol-
tando a governar , e doutrinar seus
povos , faleceo em Malaca sem des-
cendência alguma ; e por gratidão dos
beneíicios , que d esta Coroa havia
rc-
Livro IT. 109
recebMo , deixou a ElRey D. Joáo o
Terceiro d'este nome por herdeiro dos
Reynos de Maluco , em tesrarr.enro
solemne , outorgado com todas as
legalidades civis , para que andasse
vinculado successivamenre na Coroa Por-
tugueza. Esras IlHas descubertas com
trabalho , defendidas com o sangue ,
possuidas com justiça , viemos a dei-
xar a Castclla contra a opinião dos me-
lhores Juristas 5 e Geographos. ^ ^
Achou o Governador D. João de ^^J[^/2
Catro em Goa a Cachil de Aeyro,yj^^^
pe<soa de grande auchoridade nas Ma- ^y,-/^^y.
íucas , benem.erito no serviço do Es- ^.^^
tado , e da linha Real do ultimo Prín-
cipe Dom Manoel , o mais conjunto
çm sangue , porém táo pobre per va-
lios accidentes , que passou á índia ,
€nccmendsndo-se á clemência dos nos-
so?. O Governador, parecendo-lhe SL!as
misérias indianas de seu sangue (cren-
do que ficava a mem.oria de nossos
Reys mais honr.ida com dar hum Rey-
no 5 do que recebe-lo ) lhe deo a En-
vestidura da Ccroa de iVlaluco , com
que ficasse o uso da Regalia depen-
dente do cerro Portuguez , nelle , cl
seus descendentes ; artribuindo os Reys
dn índia táo grande donativo , hnns
a prodigalidade , outros a de^preso ;
es-
I IO Ywk DE DJoSo DÊ Castro.
.espanrando-se , que fizéssemos unte
por acquifir , o que sabíamos larear
tao hcilmenre.
^^0 Entretanto as cousas de Maluco
Ih^lo] . ^'''''''' alteradas com a vinda de três
^--^^ navios Castelhanos , (^ue derrotados
avistarão acjuell.s Ilhas , desembar-
cando na de Tidore para reparar-se
das fortunas do mar , e levar a seu
Frincipe sinaes mais certos de seu des-
cobrimento. Deixarei de refenr a
cpposiçáo que os nossos lhe fízeráo ,
por cahirem estes successos debaixo
de outro governo , e andarem já com
melhor penna escritos ; tratarey sò
precisamente do snccedido nos dias
de D. Joáo de Castro , o qual man-
<iou a Maluco a Fernáo de ò"ousa da
Távora para desalojar os Castelhanos ,
que convidados da abundância , e ri-
queza da terra , querião gozar o fru-
to dos trabalhos alheyos , perturbando-
nos a paz , e ccrnmercio d'aqueilas
lihas j de que a conquista , c heran-
dacpí ça nos fizeráo duas vezes senhores.
eraCw Governava os Castelhanos Ruy Lopcz
fntiío de Villalobos , homem mais cautdo-
<ios tas-. so que valente. Este havia feito osten-
/c/,;a;;^i façáo soberba das grandes forças do
Emper^dor Car!os V. seu senhor , e
dos grandes úteis , que podiáo receber
. . ' da
Livro II. iii
Ác sua amizade aquelles Reys Gentios
na guerra , e no commercio , tra-
tando a fama de nossas cousas com
grande aba cimento , e com.o na opi-
nião dos homens he mayor o espera-
do 5 cjue o presente , algumas d^aquel-
las ilhas tomarão a voz do Castelha-
no , buscando para isso motivos , ou
aggravos , huns levres , e outros esque-
cidos. .
Neste tempo aportou em Maluco /'."'"'
Fernão de Sousa , mandado pelo Go , ' ',
vernador , que mtormado de Jordão ^jj^^^.^^
de Freitas Capitão ciór da fortaleza ,
do estado das cousas , enrendeo , que
o partido dos Castelhanos se engros»
sava na esperança do soccorro , e ri-
quezas que promettiáo de Espanha ;
porém logo que Ruy Lopes teve avi-
so da vinda de Fernão de Sousa , e
do negocio a que era mandado , que-
rendo com arte escusar , ou entreter
o rompimento com nosco , até chegar
o soccorro de Espanha, que esperava ;<? Cíí^fí-
o mandou viíuar , escrevendo-ihe sau- ^Sia'"
daçcens corteses , lembrando-lhe que ^'■«^''' 'J''*
estaváo entre Gentios , desejosos de ^rett-lj,
nossas discórdias , para ficarem senho-
ras Je si mesa:os , que assaz de gusr-
f^is , e inimigos tínhamos na índia ;
que para povoarmos sós hum Mui^do
tão
1 12 YlD\ DE D. JcXo DE CASTKOé
tão gratTide , éramos muito poucos ; que
nos oíferecia suas armas para com el-
las termos o Gentio mais obediente ,
porque com.o Espanhóes eráo bons pa-
ra soldados , e como Cacholicos muy
fieis para amigos ; que considerasse ,
que era mais importante a Portugal a
paz do Emperador, que o cravo de Ma-
luco , porque estas dissençóes entre vas-
sallos podiáo vir a ter os eííeitos das
minas , que rebentão muito distantes
donde se pega o fogo.
Heposta ^ ^sta carta composta de feros ,
^t? Fcr-' e lisonjas , respondeo Fernão de Sou-
TJão de sa , que elle era pequeno de corpo ,
Sousa, mas táo abreviado na resolução , como
na estatura ; que aquellas lihas eráo
d'£lRey de Portugal seu Senhor , que
com a mesma espada com que as ganha-
ra podia defende-las ; que bem sabia que
era Espanhol , e Catholico , porém que
isso náo lhe dava justiça para tomar-
Ihe a capa , que o Emperador náo f.i-
ria guerra a Portugal, sem íer primei-
ro nas Chronicas de Castella os sue-
cessos de seus antecessores; que ou se
havia de embarcar para a índia , ou
meter-se com os seus naquelia fortale-
za , onde lhe daria embarcação segura
para Espanha.
D'esra carta táo dura entendeo o
Cas-
L I V R o 11. 1^3
Castelhano , que Fernão de Sousa náo Conti'*
queria curar o negocio com remédios mm a
largos , porém vendo que náo podia Caste-
resistir , nem lhe convinha obedecer , i-u-r.o n»
escreveo segunda vez a Fernão de frinwir»
Sousa 5 que suspendessem as armas , '"'^''■»»<''
avisando a seus Príncipes do estado
das cousas y p^^ra que elles com pacifi-
co acordo determinassem a causa , por-
qje se antes desta diligencia se der-
ramasse sangue , ficaria por conta dos
Reys vingar a injuria dos vassallos ;
que entre Portugal , e Castella havia
direito , e aggravos , que a paz cc»
bria ; que náo quizesse soprar o fogo
sepultado nas cinzas de hum Jargo es-
quecimento i que se os Castelhanos
se reiirasscm queixosos , facilmente os
tornaria a trazer sua mesma ofFensa ;
que ainda que desbaratados do mar ,
c das doenças , se os obrigassem a
condiçoens injustas , mayor força lhes
faria o brio , que a necessidade em que
estavão.
Fernão de Sousa , entendendo dos
rodeyos d'esta carta , e de outras no-
ticias , que os Castelhanos se queriáo
remir com dibçoens , respondeo , que
deixados argumentos , tratasse de de-
íender com a espada seu direito.
Ruy Lopes de Villalobos , venda
íi'es-
114 Vida deDJoSo dsCastko.
Ven:-se doesta reposta c\uQ o entendiáo , ou (^ne
os (iuus o despreza vão 5 escolheo deixar-se ven-
Cíipita^ cer da razáo , primeiro que da força ,
*"^' e logo re^pondeo a P^emáo de Sousa ,
que se vissem ao ourro dia ho mar
com sós rres companheiro? , para as-
senrarem as condiçoens da pc^ss. gem ,
e em.barcaçáo , que lhe oííerecia j o
^ue assi se fez, saindo Fernão de Sou-
sa da forraleza em huma embarcação
lustroí-amenre toldada , e emproardo cem
a dos Castelhanos , que já o aguarda-
váo , sobre qu?.i dos Capitaens havia de
passar á oucra , em ceremonias proli-
xas gastarão largo tempo. Entrou o
Castelhano na de Fernão de Sousa , on-
de entre saudaçoens , e urbanidades ^
abrio a conversarão porta ao negocio.
JcorJo Tragou Fernão de Sousa com gran-
íjifL' to- de comedimento das razoens de sua
mãa. causa , reduzidas a escrituras outorga-;,
das entre os Reys de Portugal , e
Casrdia, que Ruy Lopes de Villalo-
bos folgou de ver , como quem de
nosso direito havia de formar sua des-
culpa. Assi fcrão acordados , que den-
tro de três dir^.s virião os Castelhanos
meter-se dentro na nossa fortaleza de
Terniue , ond^ lhes dariáo enfi barca-
ç?.o pára a índia , levando livremen-
te -a roupa , dro^ss , e armas que ti-
ves-
Livro IÍ. iif
vessem ', e que EIRey de Tidore sen
faccionario íicaria em nossa graça. As
solemnidades com que rematarão esta
concórdia , foráo hum largo b^inquere ,
brindando alegremente às saúdes dos
Reys : beneficio , que lhes repetirão
muitas vezes. Ao convite accrescentoa
Fernáo de Sousa o seu çaguate , ao
uso da índia , dando algumas joyas
ao Capitío , e companheiros , com
que os dei.TOu mais satisfeitos do tra-
to , que do despacho que levavão ,
porque com o sainete do cravo sabo-
rcaváo os desabrimentos da terra.
I • Despedidos os Capitaens se tornou ^
' Fernáo de Sousa á fortaleza, conten- ,"^^^',
te de ainanar num negocjo tao esca-
broso , por meyos tam commcdos á
sua honra , como ao Estado. Ao ter-
ceiro dia , que era o aprazado para os
Castelhanos se virera á nossa fortaleza,
se pôz Fernáo de Sousa muy galante ,
para demonstração do gosto com que
esperava os liospedes , que foy bus-
car ao mar. O que sabendo Ruy Lo-
pez despedio huma embarcação da
terra , pedindo-lhe suspeiides^e' o ne-
gocio para o seguinte dra , porque
andava vencendo alguns inconvenien-
tes ^ de que lhe daria conta. Fern^.o de?
Souia entendendo , que a dilajam e?a-
I cau-
prcmus-
Tl6 ViDA DE D JoXo DE CasTRO,
Eooite cautela , e que o Castelhano faltava
riii to J^az no concertado ,* como lhe deráo o re-
Fcrnão cado no mar , mandou forrar a voga ,
de Sou- e com mais páixáô , que iicoido , se
'«• foy meter desacompanhado entre 03
Castelhanos. O que visto por Ruy Lo-
pez , o veyo esperar á pmyít com oi-
tenta aíCtibuzeiros que trizia de guar-
da, e levando-o a seus oposentos , \ht
deu conta da aíreraçam , que entre
DS seui havia j porque D. Alonso Hen-
iiquc2 Capiráo de hum navio , cobrin-
do seu particular interesse com o zela
de servir a seu Príncipe , náo queria
estar polo capitulado , e tinha convo-
cadas ami^^os , c homens inquietos ,
que susteniaváo seu partido , persua-
dindo cousas fantásticas a ElRey de
Tidore 5 e a pcírcs , por eaí;rossar
seu bando , charruando , a sua sediçáo
■ zelo , e à moderaçãa do General fra-
queza , pois entregava as armas, e as
bandeiras de Espanha, que jurara de-
fender com a vida , e privava o Em-
perador do Senhorio de táo abundan-
tes ilhas , e aos pobres soldados do
fruto , e premio de navegação tara
perigosa j c que os Portuguezes , co-
mo nação soberba , e sempre oppos-
ta á sua , lariáo riso , ou gloria de táo
\ú rendimento. Porém <^uç ^\[q sa-
bia^
Livro II. 117
bia , que rodas estas bizarrias armavão
sobre falso, porc]ue os náo estimulava
o serviço do César , nem o zelo da
honra , senão o amor do cravo , de
<^ue rinháo recolhido quantidades vian-
des , e náo fiaváo de nós , que lhes
deixarjamos levar a Espanha as novas
d'esta droga , cuja vaiia lhes havia de
compensar os pcrie^s , e trabalhos
passados. O qiíe enr/ndido por Femáo
de Sousa , e os mais , que seguiáo sua
voz , CS z-^rse^urcu ^esta parte de todos
seus receyos , e como o brio dos Cas-
telhanos servia de cuberta so interes-
se , se vierão ao outro dia meter na
fortaleza , esquecidos dos brios com
que bizarreaváo.
Mas já o estrondo d?sS armas de ^rojia;^
Cambaya náo sofre esta pequena di- ^^ ^^
gressam de negócios menores. Gover- ^'^^'' ,
nava Coee Cofar esta suerra com ab- í'! "f^'
soluto império , livrando o bom ?uc- £,y^
cesso delia , parte na força , e parte
nos enganos. Em quanto pois juntava
bafagens , e soccorros ^ que pela «ran-
deza delies neCessitaváo de espaços
difFerentes , escreveo i^ D. joáo Mas-
carenhas , que desejava tirar qunlquer
escândalo que perturbasse a paz capi-
tulada entre o Soltáo , e o Estado ,
para ^ue se lograssem com rccipro*
I ii CO
1 18 Vida de D JoXo de Castro.
CO ?mor os frutcs de tam justa con-
córdia ; qus na ajustamento p;issado
tinhamos dado consentimento a c]ue
se fizesse hxum muro entre a fortale-
za , e a Cidade , o cjue se não execu-
tara por não mo^-rrrH* de confi.inças em
tso tenra amisade ; porém agora , que
a paz de tantos annos tinha purgado
qualquer injusto aííecto , convinha sa-
tisfazer ao povo , que pedia esta se-
paração. Como sinal da liberdade em
que vivia j que |]uando por aquella
parte desmanielimos a Cidade , fora
com a ira , ou licença da victoria , e
que náo queriáo os moradores acor-
dar-se cada dia de sua injuria com
tão fêú memoria , que os sinaes do
ódio 5 como náo esraváo no animo ,
mn era bem que se conservassem nas
pedra- derribadas j que pois éramos
hospedes em Oio , náo convinha dar
]evs como Senhores ; . e que Jevariáo
asperamente os moradores o que lhes
ordenaváo seus Reys - tolher lho seui
vezinKos , aue de v^ssallos aiheyos de-
viamoi- querer amizade , e náo cbe-
dienoa j que o Solráo lhe dera aquella
Cioade , a qual deíerm.inava engran-
decer couR- novos moradores, aos quaes
querii moçrrar que aquella fortale-
za náo escava comq fieyo senáo como
.. í am-
Livro II. 119
amparo de seus habitadores ; que aos
Portut;uezes convinha dar grandes satis-
façoens ao povo , pnra as egurar huma
paz fundada sobre ag^ravoi.
• Por esta carta enrendeo D. João Rep.uta
Mascarenhas , que Çofar buscava cau- Je Capí-
sas ao rompimento , havendo , que se tão,
lhe concedia o muro , facilitava a
empresa ; se lho negava , justificava a
guerra ; e assi lhe respondeo , que em
huma paz tam assentada , como Ma-
hamud tinha com o Estado , mais se-
guro ihc seria derribar paredei , que
intentar levantalas j que o muro nem
a nós seria de perigo , nem a el-
les de amparo ; que entre a fortale-
za , e a Cid.ide estava outro reparo
mayor que a defendia , que era a íi-
delidade Poi-tugueza ; que do novo
Senhorio lhe dava o parabém, e que
dos Porcuguezes > que alli estaváo , íi^
zesse a mesma conta que dos outros
vassallos ; que o negocio, que propu-
nha, tocava ao Govíirnador da índia,
3 qual estava aprestando a armada
para vir visitar aquella fortaleza , que
:hegado e.lle , lhe commnnicâria a sua E avisa
proposta. E logo avi^.ou ao Governa- ao Go-
áor do Estado das cousas , que já ps- ^^ma-
os enviados , que mandara a Cambiya , ^'^"'^
iohd do cerco noticia mais inieira »
corre
120 ViDA-DEDJoSo DKCâSTR(1í
recebendo do Soltáo hiima reposra in-
certa , sem declarar nem encobrir a
jornada , fazendo relação intempesti-
va de pa:^sadíi5 oríensas , coino quem
( sem alterar a paz ) queria começar '
a guerra.
Porém o Governador , dando-se
todo a este negocio , pesando a impor-
Bio com tancia daqueiia pfaça , res-olveo so-
gefnítf , tf bre sua defensa empenhar as forças
maniço- todas do Estado , sem perdoar a des-
cnj. pesa , perigo , ou dcligenc.ia. A's Ci«
dadcs de Baçaim , c Chaui , que eráo
as mais vezinhas , encomendou aíFcc-
tuosamente os soccorros de Dio , lem*
brando-lhes a honra , o premio , a
cbrie;açáo ; e logo em Goa mandou
aperceber hum caraveláo com muni-
çoens , e bastimentos , e duzentos e
cincoenta soldados , que por acharem
jà os mares grossos f, chegarão a Ba-
çaim com trab:ílho , c tentando atra-
veísar a Dio , íoráo os ventos táo pon-
teiros , e furiosos , que tornarão a ar-
ribar destroçados.
Trfllção Coge qofar em quanto nam ti-
intentã' nha as forças juntas , nos accommeitia
da por com ardís differenies. Com largas da»
Çofar. clivas , c promessas mayorss comprou a
fidelidade de hum soidado nosso , para
^ue no Silencio da noitCL desse fogo á
Li V RO II. lar
pólvora , ou lançasse peçotíha na cis-
terna', e cjjTe náo podendo coDse-
goir nenhum d^este^ intenros , tentasse.
dar enrrada na fortaleza aos Mouros
pelas casas em que vívía , commodâs
a esta maldade , por estarem vezinhas
ao muro. O soldado temeroso , cu irre-
sohito , deu parte do ne^ccio a hum
Mouriíco seu fimiliàr amtgo ; e co-
mo nss traiçcens mais sec;uro he o
premio de as descobrir , que de as
executar , delatou ao Capiráo mòr o
caso 3 o qual tendo noticia òeAe por
duas vias mais , e considerando qu3
este delicto era' feyo p2r:\ exemplo,
e para castigo peuco averigu.^.do , e
que a culpa náo merecia perdáo , nem
o tempo petmittia castigo , enviou este
Soldado a Goa com cartas ao Govei-
nador , significanaoJhe os indícios da
traição imaginada.
E como Dom João Mascarenhas P''^"^^(«"
tinha a guerra por certa , ordenou qne ^,'"''íf
se comprassem os mantimetuos que V -*
na Cidade havia , em quanto aquelia ^'S^'^
paz tingida tazia somora ao commer- ^.^.^y^^^
cio ; diligencia que entreteve , ou re-
mediou a fome muitos dias ; porém
logo se alterou a segurança do trato ,
entrando na Cidade hum Capitão
com quinhentos Turcos , mais a dis-
ror ,
m Vida DE DJoXo de CAsTR^tt
por , que â. fazer guerra. Este trazia,
novas ÇAnas. de- Co^e Çofar p.ira o
Capiiáo mór , nas quaes cauteloso ,i
e importuno , instava em levantar o",
inuro i a que D. joáo Masc^irèr.has já
nâm qulz ciar reposta. , dizenJo ao^.
Turco , que os Poftuguezes não òqíC":
riáo a psriçoens escritas com o arca»»
buz no rosto. Káo foy esre dia o pri'»
^f meiro d.^ guerra , sendo da paz o ul-^-*
Chee:a ^ ' . ^ ^«
^^^, timo i porque ao seguinte entrou Coge^.
com «^/í- Ço^-^r com oito mil soldados para dar i
te (ie principio ao cerco , tolhendo-TíOS 0$.,
'^uerra. soccorros da terra, porque -ps do mar-^
Gomeçaváo já a impedir os temporaes«>
do inverno , que era o mais duro.ini-^
migo ^ue. a fortaleza tinha. E como:>.
esta praça foy o theatro em que os^
Poriuguezes obrarão maravilhas tanxj
gfjndes , darencos de . seu .íitig huma-
breve noticia. .£{jj./.í..!íií.. • ti
jjescrlp' ^^ í^^^ ^^ ^^^ > ce'ebre pela ri- . '
cão Je qneza de seu trato , lastimosa pcU rui-;|
Dia, na de seus habiradores ^ iilustre p^Ui.
fama de nossas victorias ,, está situada t
em buma enseada ,. e ponta 5 que limi-j
ta o Reino de Cambaya , em -alrura '
de vime dous grãos à:i banda do Nor-
te^ Da antiguidade de sua fundação
fabnláo os nacuraes , dando4he princí-
pios csiòis .iiluscr^Síj que âveriguad-js , cu-
ja
Livro II. 125
ja memoria conserváo suas tradiçoen?
na faita dos escritos. Foy semprs o
poito da enseada a principal escala ,1
frequentada das nãos , que navegáo a.
Meca 5 cuja viagem fez aos Mouros
^ata a Reli;:;iáo , e o commercio. He
a Cidade apartada da lerra íiimc por
hum estreito, que em tomo a \^y Cin-.
gindo ; pela qualidade do terreno he for-
te , e ajudancio-se da arte a natureza,,
a faz mais defensável, O esteiro , t]uc
a Todea , faz duas bocas , numa ao
Norte 5 que por. ser aparcelado, c bai-
xo , he ao serviço inútil ; outra aa
Sul , também desacommodada pela as-
pereza do rochedo , cm que baie. Tem
outro canal na face da Ilha , aonde
podem ancorar navios , e deste re-
cebe a Cidade mais commoda passa-
gem. Náo segui a forma, em que a.
descreve Joáo de Barros , por se hsver
alterado com a dilierença dos Mouros
que a senhorearão , fonificardo-ii cada.
fiuns d^elies com varia ciscij Una ,
conforme o iwzo , cu vanedace dos
tempos lhes cnjinava.
Entrado Coge CJofar na Cidade
com oito mil soiuacos , muitos d'elJes
Turcos, trazidos a c^u soldo y sessen-
ta peças grossas , em. que. entraváo de*
20Ú0 basiliscos , com n;uniçoens ,. ç
bas-
124 VíDA DE DJoXo DE CaSTRO.
bastimentos de homem que antevia, a
dur.içáo do sitio- Trazia mj' Janizaros
no campo com avantajado soldo, os
c[uaes com sua ordinana soberba dcs-
prezaváo a empresa , accu>ando o te-
mor de Çofar , em convocar soccorroã ,
e inquietar as armas do Gráo Senhor
conrra quatro miseráveis Christáos , de-
fendidos de huma haca parede , com
os quaes nem na pereija se ganhava
honra , nem na vicroria <fespojo. Co-
ge Çofar nem louvava , nem repren-
dia o animo dos Turcos, mas da vi*
croria fazia mais incerto juizo , ensina-
do do temor , ou da experiência , e no
abrir as trincheiras , plantar batarias ,
formar esquadroens , mostrou que era
soldado ; e logo que teve posto sitio à
. fortaleza , fez aos Turcos huma bre\^
pratica , dizendo :
Trattcã »' Companheiros , e amigos , nam
</í Ceo^e 5) vos ensinarey a temer , nem a des-
Çofar 5 5 prezar esses poucos Portuguezes ,
Ú6S s€us, 5, que d 'entro d'aqueiíes muros es-
,j tais vendo encerrados , porqae náo
5, chegâo a ser mais que homens , in-
,. dá que sáo soldados. Em todo o
„ Oriente arégora os acompanhou , ou
3, sérvio a fortuna ; e a fama das pri-
j, meiras victorias lhes facilitou a?
3j outraí. Com hum limicíido poder
Livro II. 125^
',", fazem guerra ao mundo , náo po-
33 denco naruralmente durar hum Im-
55 peno sem forças , sustentado ra opi-
3 5 niáo 5 cu fraqueza dos que lhes sáo
j, sujeitos. Apenas tem quinhenics
,, homens naquelía forralezi , os mais
,5 d'elies soldados de presidio , que
jj sempre costumáo ser os pobres , ou
5, os inúteis ; por terra náo podem
3, ter scccorros , os do mar lhes tenn
3, cerrado o inverro. Estáo faltos de
35 muniçoens , e mânriíTiencos . asse-
5-, gurados na paz , ou na soberba ,
35 com c]ue desprezáo tudo. Como sáo
5, pcucos 5 senipre nsquelle muro báo
„ de assistir 03 mesmos defensores ,
3, sem haver soldado reservado para
„ o lugar de curro j falta-lhes peona-
3, gem para reparar as ruinas da nos-
3, sa bataria , e por força es ha de
3, render o trabalho repartido em râo
„ poucos. Estáo insolentes com o des-
3, troço que íizeráo nas gales do Grão
3 5 Senhor no cerco d 'esta mesma for-
3, taleza. A láo honrados Turcos , e
3, valentes Janizaros , como estais
55 presentes , toca acudir pola hcnra
3, de vossa gente , e de vosso Impe-
3, rio 3 co-mo caus.i m.ais justn da ^u^r-
,3 ra 3 que fazemos ; que ainda que
„ Cambaya tem excrcicçs , e solda*
„ doi.
1 16 Vida be D.JoXo de Castro*
5, dos , náo convém á repuraçáo do
5, Grnin Senhor vingar suas injurias
35 com as armas aiheas. Com este fim
,, vos rrouxe a e?ta em preza , porque
3, vos náo furtassem outros a gloria da
3, tam justa vingança.. íisra mesma rer-
3, ra , que a^ora estais pisando , cobre
5, os O: SOS : de vossos companheiros ,
5, parentes , e amigo.? , que a c.^da hum
3, de nós ( me p;irece ) estáo chaman-
5, ào por seu nome , contando-nos as
5, mortes , e as teridas , que d'*esíes
53 homicklas receberão , esperando por
3, vosso esforço poderem descansar via-
3, ^adoí. Estes mesmos sáo os mata-
3, dores de Badur , ingratos aos bene-
53 ficios , atrevidos á iVIagestade de
3, Príncipe tam grande , cuja vmgan-
3, ça será grata a rodos os que se
3, chamáo Reys , precisa a todos os
„ que somos vassaLos,
Jnsta de Acabada esta pratica^ , ou queren-
vcvd ao ^^ justiíicar mais a guerra , cu ganhar
CiíiHtão tempo p'".ra esperar soccorros , tornou
de Dio. a tent.ír o animo de D. Joáo Masca-
renhas , com condiçoens mais graves,
inNtanJo na poriia de levantar o mu-
ro , e p.ídinio , que as náos do Sol-
úo 3 seu senhor , pudessem navegâc
iivres sem caitazes de nossos, Genç-
n^ i iryuria-3 ^ue o Soltào tolerava
CO-
Livro II. 127
como amigo , e não podia sofrer co-
mo .Monarchí. Pedio mai? , que as
nãos de mercadores nam fossem obri-
gadas tomar aquelle porro ; liberdade
que devia cnrorí!2r em beneficio do
commercio. D. Jcso Mascarenhas lhe
respondeo , que entre tambores , e ^^posta
bombardas náo se faziáo acordos de ^^_ ^"P^^
amizade ; que aquella ícrrâleza estava ^^"^
•costumada a dar leys a todos , c nam
a recebelas de ninguém j que em
•'breve esperava castigalo , como a que-
brantador das pazes , e que entáo so-
freria a seu pesar condi çdens mais du-
ras , escritas com c sangue de seus
meí:mcs Janizaros.
Já neste lem^po o Governador ti- O Go'
nha feito aprestar nove embarcaçoen.s ^'^rna-
com estranha brevidade , dizendo aos '^^''^'"1*
soidados , que occasiáo táo honrada ^'^ ^ ^'*
só a havia de íiar dos seus mimosas \ '!/^"t^''
que elie trocara a;^()râ as prisoens de ^^
seu cargo , pola .M herdade ce qualquer ^^
soldado ; ^ue ainda que estava resoluto
em ir descercar Dio , náo podja ne-
gaV ss envjjas que tinha aos que pri-
meiro que elle haviáo de vir a bra-
ços com os Turcos. E logo chaman-
do a seu filho D. Fernando , lhe disse
€m sala publica ; „ Eu vos mando,
. 55 fiJiio , . com este soccorro a Dio ,
>, que
lha D.
I2S Vida de D.JoXo de Castpo*
,, que pelos avisos que tenho , hoje
„ estará cercado de multiciáo de Tur-
5, cos ; pelo que toca á vossa pessoa
5, náo fico com cuidado , porque por
5, €<'da pedra d aquella fortaleza arris-
5, carey huin tilho« Encomendo-vos ,
,,/que tenhais lembrança d'aquelles de
„ quem vindes , que para a linhagem
„ sào vossos avós , e para as obras
,, sáo vossos exemplos; fazey por me-
j, recer o apellido que herda?tes , açor-
^5. dando-vos que o nascimento em
„ todos he igual , as cbras f-^zem os
^, homens disTerenres j e lembro-vos ,
5, que o que ver mais honrado , es-e
,, será meu filho. Esta he a benção
j, que nos deixarão nossos mayores 9
5, morrer gloriosamente pola Ley ,
5, polo Rey , e pola Pátria. Eu vos
„ ponho no caminho da honra , em
5, vós está agora ganha-ln. Com isco
lhe lançou a benção , e o enco-
mendou a Diogo- de Reynoso hum
dos mais vaientes Cavaileiros que
passarão á índia. Neste socCorrô
foy Sebastião de Sá , filho de João
Rudriguez de Sá , "qiie nesta occa-
siáo , e em outras d.en de seu valor
hum testimuhho illustre. Com elle
passou Dom Francisco de Almeyda ,
íilho de Dom Lopo , a acompanhar
dous
L r V R o ir. 12^
dous irmãos , que rinh^ já cm Dia,
Com o mésniO soccorro for£o ,* Anto-'
iiio da Cnnha , Fero Lopes àc Sousa ,
Diogo dã Siiva , Jorge Mascarenhas ,
António de .Mello , e outros muitos
fidalgos, (jue n^queile tempo anJ-.vâc)
após os per];^03 , como se lhes fu^'"
rào.
Escreveo o Governador a D. Joáo
Mascarenhas huma carta muy honrada ,
dizendo-Ihe , <]uanto mayor coosa era
nesta occasião ser Cíipitáo de Dio ,
^ue Governador da índia ; que na-
quelle soccorro lhe mandava seu filho
Dom Fernando , para que depois no
Reyno , entre ás vanglorias da velhi-
ce , contasse que fora seu soldado ;
que estivesse certo , que todas as for-
ças do Estado se haviáo de empe-
nh/ir na defensa daquelia fortaleza 9
qwe naquelles navios hiáo muitos fi-
dalgos moços , cujo orgulho devia mo-
derar , porque a obrigação dos cercados
só era defender-se ; que alli ihe m.inda-
va muniçoens , que bastavio a esperat
segundo soccorro , dous engenheiros ,
e muitos oíficiaes mecânicos para re-
parar as rumas da bataria , com os ins-
trumentos , e mâterjacs convenientes;
íío que Dom Joáo de Castro não &6
»O3U0u zelo d« na inicio , mas pra-
t^ VíDA deDJoXo dsCastpo;
tica de soldado , antevendo as necessi-»
áades do sitio , c occonrendo a' todas.
Reparte •. Já neite tem]:K) D. Joáo M:^sca*
tf Capi- renrsas tinha mand ido »c^aebrdr a pon^
/^„ í/c- re , que dava stíventía , por sima da
i)Í£) t>j cava do baluarce S.incci.'íi;o a outra
jicstox da banda , mandando fazer outra levadi-
jortaU- ça, A corre de Sanctia^o encreií-^^u a
z<7. Alonsò de Bonifácio Escnváo da Al-
fandega 9 o Baluarte ò\ Thomé a Luiz
de Sousa i o de S. Joáo a Gil Couti-
nho i o que ficava sobre a porta , a:
António Freire ; e outro baluarte San-
ctia2;o , que descubria o rio , a D. Joáo
de Almeyda com seu irmão D. Pedro
de Almeyda ; o de vS. Jorge a Anco-
- nio Peçanha ; a Couraça pequena a
Joáo de Venezianos ; a grande a An*
tonio RodrigufZ. Por estes Capitaens
.repariio cento e setenta soldados , fi-
cando e'le de sobre tolda com trinta ,
para soccorrer as estancias. Corn tío
pequenas lorcas esperava D. joáo tâo
numeroso v^íder , como contra si tinha ,
dispondo coHi tanta segurança a de-
fensa , que íht não fjzw o perigo te-
mer , ou novidade. Com as muni-
çoens , e mantimentos mandou ter
grande conra , peU contingência cm
que estava de poder receber outros com
os estoJvos do tempo , e do inimigo.
L í V n o II. rjí
Entre os escravos , e outra gente inú-
til pira tomar as armas , repartio o
trabalho de aeudirem ao muro com lan-
ças 3 p.^nelas de pólvora , pedras , e
mantimento , por desviar aos soldados .
de oarra occupaçáo mais (^ue a da pe-
ieija. Neste serviço enrreteve os mi-
rtinos , os velhos , e as mulheres , pa*
ra que na fortaleza náo houvesse pes-
soa inútil , ou ociosa , pola id:ide , oa
sexo, E logo juntando os soldados no
terreiro da fortaleza , lhes disse cem
alegre semblante. v ^ rá
„ Esses Turcos , c Jani2aros , qi:e ^'' '
„ d'este lu£;ar estamos vendo , vem a , . ,
5, restaurar com nosco a honra que no
^, primeiro cerco pefderso ; porem nem
,, elles valem mais que os que en-
5, táo foráo vencidos , nem nós va-
3, lemos menos que os vencedores,-
5, Eu vos confesso , que me cney sem-
5, pre com a cnvejâ da mrnor solda-
5, do que defendeo esta píaça ; pois-
5, aind?í agora a memoria de seu va-
5, lor honra seus descendentes , qu*
^5 menos conhecemos polo appciiido ,
,, parria , óu soiar , que por filho- ,
3, ou netos d^aquelles que táo glo-
35 riosamente acabarão , ou iriumpna-
3, ráo em DiO. Os mais- iiiustres hjn-
,V Wráo sua família ; os mais hu-
igi Vida DE DJoXo DE Castro.
j, mildes deráo a ella principio. Trou-
5, xenos a fortuna esta emprega ácjuel-
3, la nada dessemelhante; náo sepulta»
5, ráo consigo aquelles valerosos Portu-
3, guezes toda a gloria das armas , ain-
55 da nos deixarão esta , que nos tara
55 iilustrcs. Náo nos assombre a desi-
3, gua Idade do poder , porque a fama
35 náo se alcança com perigos vulga-
5, res. Navegamos cinco mil legoas
5, s6 a buscar este dia , para nelle ga-
5, nhar a honra , que nos náo podem
,, dar 05 Reys , nem as gentes ; por-
„ que os Reys dão prémios, náo dáq
5, merecimentos. Náo nos faltáo muni-
55 çoens , nem mantimentos para en-
35 rreter o cerco até chegar soccorro ;
5, e ainda que andáo os mares le-
5, vantados , por serem os tempos ver-
3, des ; temos hum D. Joáo de Cas-
5, tto , que por debai:<o das ondas
5, virá com a espada na boca a soc-
5j corremos , e tantos outros lidalgos ,
5, ô Cavalleiros , que terão por inju-
5, ria ganharmos nós sem elíes a hon-
3j ra que se nos offerece , com a qual
5, náo temos Que esperar mais da for-
35 runa, pois seremos contados - no nu-
55 mero d aquelles , qup. ao Rey , e
5, á pátria Hzeráo algum . memorável
35 serviço , cuja honra vienics . a sus-
„ ten-
Livro It. í"?
,; tentar do ultimo Occidenie a láo re-
3, motas partes. E o ene mais he oue
,, tudo , peleijamos com inimigos de
5, nossa Fé , e náo nos pode fslrar
,, favor para táo justa causa , pois set-
5, vimos ao Dcos das yictorias.
Acabada a pratica , se ouvio logo ^"[''^*
tiO campo dos Turcos huma erossa '""'^
salva , com que Coge Cofar fc^íejava •'^'^': '";'■<'*
hum soccorro de dous mu miântes , .^
^ue lhe haviáo che^sdo de Cr.mbaya , ^
iodos soldados velhos , que faziáo o
soCGorro mayor na qualidade , que no
numero. Acompanhaváo esta gente ,
entre oiitros , dous Cr.pitaens Ríogores
pessoas entre os seus de grande nome.
"No mesmo dia entrou gráo parte da
nobreza da Corte , que se alojou se-
parada do Campo , em muy lustrosas
rendas , com tal concerto , cue náo
deviío nada á policia de Europa. Os
nossos com a desesrimaçáo da vida di-
v^rtiáo o horror de tantos app?.raí03 ,
tnimando-se com discursos conformes-
ao tempo, tirando da necessidade con-
selho para as cousas presenres.
Ao seguinte dia , que foy Quinta <'^cmcça
feira mayor deste anno de mil aui*"^''^'^^
nhentos quarenta , e sei3 , amanhe- ^Z^"'^*^"
eeo vezinho á fortaleza hum balu;» rte ^^^'^^
entulhado de lerra amassada , com
K ii SIM&
134 Vida de DJoAo de Castro.
suas bombardeiras , e hellas algumas
peças grossas , e por sima do muro
quantidade de sacas de algodáo , for-
radas de couros crus para Fazerem re-
sistência ao fogo ; maquina que espan-
tou aos nossos , polo silencio . e bre-
vidade com que se havia obrado ;
mostrando bem , que náo era esiz fa-
brica desenho de multidão barbara ,
e confusa ; porque em todo o con-
fiicro mostrarão i;^'ial o va'or á disci-
plina. Lo^o começarão a bater ditosa-
mente a nossa fortaleza , porque nos
cegarão quatro peças , das quaes a sua
bataria recebia mais dano.
"Estratii- O bom successo d 'este dia lhes
gema do dcu para Qs outros conselho , formando
inimigo em cinco noites cinco fortes cm pro-
cm huna porcionada distancia , para darem ge-
"^^' ral assalto por brechas diíierentes , a
que náo podiáo resistir divididos táo
póucos defensores. Ao desígnio pu»
dera responder o successo , se o nosso
forte do mar , que estava a cavalieiro
dos seus , lhes náo fizera tanto dano ,
que julgarão lhes convinha acudir primei-
V ro ao reparo , que á oiTensa, Callarão
as bombardas do.us dias , em quanto pa-
ra segurança da primeira fabrica , ma-
quinarão seí,unda. Lançarão so mar hu-
ma. náo alterosa chea de pólvora , alr
ca-
Livro II. 135'
ie2!rão , e outros materiaes dispoçtos
ao fogo } estes dispuseráo na primeira
ciberca , como ardil reservado para se-
gmdo intento , por sima d'elles tize-
ráo huma grande esplanada , onde po-
diáo peleijar qnasi duzentos homens ,
para com elJes intentar a escala j fica-
va a nao senhoreando o forte , don-
de com a vantagem do número , e
ki^ar da peleija , entendiáo que seriáo
os nos5?òs entrados facilmente je quan-
do a resistência fosse táo porfiada ,
deixada a nao , lhe pegariáo fogo ,
que Êteado no forte , o abrazaria ,
sem dano , nem perigo dos seus ; e
que lago occupadrs as ruinás , que
deixssse o fogo , sobre ejlas levânta-
riáo outro , onde se pudesse bater a
nossa fortaleza , ficando os seus baluar-
tes seguros d'este padrasto , com que
poderia laborar sem díic a ?i?a .^rre-
Iharia. Estratagema inventado cem mi-
lit.-ir discurso.
Da obra , e do invento teve o Ca- Vesfxf-
pitáo mór aviso por espias que trazia ratada
no campo, e chamando o Oritáo do/'^^'-'
mar jf.come Levte* , soldado de gran- ''"'^^»
de confiança , lhe disse, que Jhe náo
queria roubar a honra que tocava a
seu posto ; que estimasse . que a pri-
meira facçáo doeste cerco foise sua ; e
pta-
156 Vida de DJoXo de Castro;
praticando-lhe tudo o referido , ll^e
ordenou , que na segunda vigia da
noite , tivesse tudo a ponro. Saliip
Jacome Leyte na Hora çjerermina-
àà , com dous catures , e trinta sol-
dados , remando a voga surda , e
emproando com a náo , a começou a
servir de muitas panelas de poivora ;
virão os Mcuros seu perigo com o
* mesm.o fogo , que os eslava abrasan*
do 5 e acudindo ás armas , turbados
do temor , e do sono , se defendiáo
com huma resistência timida , e con-
fusa , impedindo-se huns aos omro$
com 3S vozes, e desacordo , causado
do Súbito accommettimento. Alguns SQ
começarão a lançar ao mar : estes fi-
2eráo aos outros caminho , e exem*
pio -, em fim entre queixas , e alari*
dos despej^lráo a náo , fazendo pôr em
Uc tr.T arma o campo todo. Teve Jacome Ley-
iíí/j á te tempo para dar hum cabo a nao ^
JoriaUíO e rrazeia atoada ; a quem o Capiíáo
mór deu muitos abraços , e louvores ,
estimando t%iQ successo por dai á guer-»
ra láo ditoso principio, Qs Mouros
ordenarão que se continuasse a bata-
ria a risco aberto , custando-lhes cada
pedra que dcrribavão da fortaleza 9
soldados , e artilheiros. Náo fazia a
sua bataria dano considerável , só o
ba-
Livro II. 137
baluarte Sancriago , ou por mais fraco ,
ou por melhor batido , estava por duas
partes aberto , e já com roturas capa-
zes de se entrar por ass?.Ito , se bem os
de dentro se reparavío com alguns tra-
vezes , fazendo reparos do entulho que
furtaváo de noire.
Continuava a bataria não sem cf-
feito , porque já se via o muro por
muitas partes aberto , por todas abai-
lado 5 e náo podia polas ameas asso-
mar soldado 5 que náo fosse encrava-
do das setas do inimigo , ou ferido
das bsllas , que eráo tant;; , que pa-
reciáo huma continuada salva : doendo
pouco a Cogs Çofar despender mnni-
çoens , e arriscar soldados , como quem
de tudo estava prevenido , e sobrado.
Também da fortaleza lhe respondia a
meudo a nossa artelharia com mais da-
no , porque como era tanta a HiUltidão
dos Mouros , nenhuma baila se jogava
ptrdida.
Instaváo os Turcos, porque se des-
se o assalto , porque já em muitos lu-
gares poias ruinas da bataria , se podia
subir ao m.uto ; porém Ccge Çofar os
detinha , ou esperando mayor poder ,
ou querendo , que o trabalho , e fe-
ridas quebrantassem o orgulho dos
nossos y cuja funa esperava dcmar com
hn-
igB VíDA DsDJoXo D2 Castro;
lentas -arrnas , apurando as forças , as
muniçoens , e ainda a paciência dos
cercados ; discurso , (]tie náo era de
rodo errrdo , porque o inverno , aue
começa víí furioso , im possibilitava os
soecofro3 necessários , e forçosos des-
fie o primeiro dia , em razão de que
os descuidos da paz , c a súbita in-
vasão do inimigo , tinha os nossos me*
nos apercebidos para sosrer o peso d'es-
ta guerra ; sendo nesta parte táo de-
masiada a nossa confiança , que de-
pois do cerco de António da Sylveira,
sò com c respeito d^aquelía victoria ,
se defendia a praça ; e D. ]oáo Mas-
carenhas se âchava só com quarenta
barris de pólvora de bombarda , e vin-
te de mosquete ; a estreiteza de man*
tmientos , como de homens , que pri-
meiro virão a guerra , que a esperas-
sem 3 os defensores eráo duzento" , os
rnaís d'el!es soldados de guarnição , a
quem a gloria deste cerco deu a pri-
meira fama.
Clv-zn Traziáo ao Capitão mor solicito o
13. Fer- estado à^.^ cousas , e a incerteza dos
rn ido ti scccorros 5 que importava encobrir
i^i''* táo cautamente aos de casa , como
aos de fora : e náo queria nos prin»
cipioí do cerco taixar os mantisien-
tos j e muniçosns , ysndo por huma
par-
Livro IT. 1^9
parte ser danoso , e por ourra preci-
so ; qUrtFido as vigias lhe vieráo dar
sivjso , oue a numa vista parec:áo nove
velas , e que pela feição dos vasos
jDCstravão serem nossas. Chegaráo os
soldados todos ao muro com o alvo-
reco d'esta nova , causando variedade ;
nos juízos a distancia da vista, e cer-
laçáo do ten-po ; porém dentro de
huma hora divisarão as bandeiras de
quadra , e logo com as armas Reaes
a Capitania , ^uç com os ventos pon-
teiros , vinha forçando as ondas erpi
demanda da nossa fortaleza. Vinháo
todas com flâmulas , e galhardetes ,
empavezadas , e guerreiras. Salvarão
logo as torres , donde lhes respon-
derão com a. mesma cortesia naval.
Os Mouros Jhe tirarão muitas peças
de terra , em quanto davão fundo. Po-
rão desembarcando as muniçoens , e
mantimenros , trás elles os soldados ,
e o ultimo de rçdos D. Fernando,
ou fosse instrucçáo do pay , ou bno
do filho.
O Capitão mór depqis de receber D. Joõo
aquelles fidalgos , como companheiros Mosca*
de suí fortuna , sabendo que vinha vcnhas o
alli D. Fernando , o foy buscar ^^tccebe,
navio , e o encontrou na escada da
fcrt*!eza , por onde já sobia , c le-
va n-
T40 Vida DE D. JoXo DE Castro.
vando-o nos braços , lhe disse palavras
acccmmodadas ao lug:--r , e tempo , e
oíterecendo-lhe sua mesma pousada , a
nío quiz acceirar D. Fernando , pe-
dindo-llie , cue aquella honra lhe pou-
passe para o tempo da paz , que ago-
ra o baluarte mais arriscado havia de
ser a sua guardaroupa , potcjue lhe nr.o
prestaria o sono hum passo desviado
da muralha. D. João Mascaranhas o
tornou a abraçar , espantado de ver
espíritos varonis em ânnos tão ver-
des.
Vinha nos navio? quantidade de
pólvora , armas , e bastimentos ; com
que se podia entreter o cerco até ou-
tro soccorro ; também se lembrou o Go-
vernador de mandar aos enfermos ,
c feridos , remédios , e regalos. Mos-
trou o Capitão mór aos soldados a
carta do Governador , em que ( com.o
dissemos) o assegurava de sua vinda,
para a quai se ficava aprestando com
a mayor diligencia , e forças , que so-
fria o Estado ; o que deu coraçocns
novos aos cercados , com que já as
necessidades , e aprestos da guerra
mostraváo outro semblante ; a qual
SC hia continuando , recebendo Coge
Çofar cada dia soccorros , e traçan-
do artiíicios , para que tinha conduzi-
do
<!o en-enhcircs de diferentes rarrefi
A]ue a emulação , e premio incitsva a
jnveniar cousas novas , que f:'Ziao os
nossos mais auertos ao peiigo cccul-
10 , que 20 descubeito.
, Porém o Govemndrr , lego quf P«^/'^^
^espedio seu fiibo D. Fernando ,rr.n cooG^
(dou pregoar guerra , a tOj,o , e s.n
^ue contra ElK^y de Carf.baya , co ^^^^^^^
no petiuro , e quebr.nradcr da psz , ^-^^j^^,
<que tinha com o L stc do , e isto ^^^
cem insmimenios militares , e solem-
nidades jegaes , p^a f^zer públicas ,
c justificndas as cr.usas de huma guer-
fa , que tinha sttento? os ju.zos do
Orieme iodo. E^creveo aos mor?do-
fes de Paçaim , Umbrando-lhes , <-\^'Q
como mais vezinhos lhe tocava a obri-
gação de soccorrer a Dio ; que ab ou-
tras praças acodiáo ro perigo do Fsta-
do . fcl-es ao seu prcprio , fcis as bcrri-
bsidas , que baiiáo a Dio , abak.\áo
CS edifícios de Baçaim •, que elle se
aprestava }.ara ir dercercar a íf rtaleza ,
e fazer a Ccmb^ya as ho^tili. ades pcs-
siveJs , porque o Estado rtrca frcra
guerra defensiva aos Reys do Orien-
te ; oue lhe.; pedia c-ive-^^sem prcn p-
tos para o rconp^nhar cí m rr-\ios ,
e gente , con o de làc hcrudv^í: C i'»
dadáos, c ices Fciiugi-eLes i>e dtvi^
I4i Vida de DJo5o dís Castro;
C'perar ; que o servi;o de crda hunt
ceixAva em seu me9mo arbítrio, en-
tendendo , cjue qualquer d'e}le5 , ^com
â fidelidade , e amo/ de seu Rey , ex-
cederia a possibilidade.
Na mesma forma escreveo a todas
as praças , de que podia receber soc-
corros , achando os animes dispostos
a servir , e despender as fazendas ;
felicidade , que conraremos por sin-
gular em seu governo , como em dif<
ferentes suceessos mostrará a Historias
Empres- Começou a dar grande calor aos apres-
íhno ciciemos da srm.ida , e achando o Estada
peac cos pobre para tanras despesas . pedio aos .
merca- mefc?dores grandes sommas sobre suâ
dores, verdade , que era o ouro , e diamatr-
tes , que só enthesourara ; prenda soj-
J3re a qual os homens de negocio lhe
offereciáo tudo : e nâo sey se entre
03 poderosos correm hoje fazendas d es- .
Ke^^cn'" ^^ '^^y ^^ ^^^''^ estima. Mandou fpzer
^Dcos" ^'^^çoens piiblicas , e secretas, pedin-
c<fmPre' ^^. ^ ^^^^ amparasse a c^usa dos Fieis ,
ces pú' P^'s era sua , liando mais dos sacriíi-
hiicfis. cios 5 que das armas Discorria de or-
dinário com os soldados de experien^
cia sobre as cousas de Dio , não' se in-
clinando ao voto mais authorisado , se
nâo ao mais experto.
£m Oio náp descansava© as armas.
Foy
L I V IR o II. 143
Foy o Capiúo mór avisado , c]U2 no
exercito se esperava por Kuma grande
cáfila de mantimentos , que se haviío
de carregar per aquelia Costa de Bai-
sar aré Damáo ■■, o <^ue entendido ,
despedio o Capitão áo mar Jacome
Leyte com, três navios , para que a
fosse esperar até a Ilha dos Mortos j
o qual sahindo de noite pela barra
fora correndo a costa , na qual tomou
inuit2.s Cotias , que vinháo ba^recer o
exercito , passou os Mouros á espaça ,
excepto alguns que reservou , para
irazer enforcados nas vergas dos na-
vios 5 quí-.ndo entrasse a barra ; o que
assi se fez , dando com elles ao exer-
cito huma lastimosa vista , certifica-
do mais do succísso com o fogo em
que vio arder as Cotias ; os maaii-
nicntos se recolherão na for:aieza ,
que era a droga mais importante pura
o tempo.
Tinha já Coge C^ofar perdido mui-
ta ger^te , sem ver na fortaleza , nem
nos ânimos dos cercados quebra , que
lhe desse esperanças de ganhala ; oá
nossos passeaváo no muro com gal is >
e plumagens, que mcstraváo o gosto,
ou desprezo da guerra que sostmháo»
Vendo Coge Qofar qae estávamos se-
nhores do mar com tíQ pequenas tcr^
144 VíDA DE DJoAO DE CaSTRCT^
ças , e que as provisoens, que recebia:
o exercito , vinháo furtivas , e arrisca-
das , mmdou sanir huma armada da
bar-*! de Su-rare , a qu,.l enccnirou treá
emj.^r aço^ns nossas, que da Bayaim ,
e CHaul vinháo p.ovcr a fortaleza j pe-
lei mzj os Portugueze> desesperada'
mente ; mas como era láo desigual Or
p?der , os mai? íicará.) morros vcndenrio-
Táo ben as vind ;s , que náo tiveráo os
Mouro-í , que festejar na presa , ou na
victoria O. Fernando de Castro pedio'
ao Capitão m'r licença para' sair ao-'
f inimigo em al;;;uns navios do soccorro ,
que lhe n^o dju , por entender seria-
dilií^.encia perdida , porque o inimigo feZ
a-]uel}a sabida furtada e se recolbeo logo.
€ CapU Tratou D. Joáo Aíascarenhas de
tõo He avisar por terra a Sua Alteza do esta--
"Diit aví" do das cousas , para o que se lhe ofte-"
ja por receo hum Arménio pratico na lin-
icrra a a,|ti , e costumes dos Mouros ; o qual
Elll<;y. jfespKbou em hum Catur ligeiro , pa-
ri que o lançasse na costa de Por i e'
d-abi em trajes de Jogue ( que entre*
eMes be babiro religioso , e pobre y
se passasse ao Cinde , e d abi a Or*'
muz , com cartas ao C^.pitáo. Kste fez>
a jonada em companhia de mercaao-**
res de Ba corá , que o passaiáo a Ba-^
bilonia pelo rio F-ufrates , onde bá^
vi*
L I V R o II. 145'
via de esperar as c^.filas , para âtraves-
Síf os desertos da Arsbia.
Conrir.uava Coge Çofar as obras
áa forcincaçáo com náo menos peri-
go Que trabalho , e com porfia tso
barbara , e cruel , que os mesmos cor-
pos dos gastadores , cjue os nossos ma-
laváo , lhe serviáo ao enlulho , usan-
do táo deshumana disciplina , qvAçÁ
por encobrir o dano , que começava
já a ser conhecido no exercito , se
bem se restaurava com quotidianos
soccorroj , que por horas engrcssaváo
o campo, M.-indou Coge Çofar asses-
tar nas estancias sessenta peças gros-
sas , em que entr?.váo Basiliscos , Sal-
vagens , Águias , e Camelos , sem ou-
tra artilharia miúda , de que era ma-
yor o número. Aos cinco baluartes ,
que havia levantado , assegurou com
novos muros , ccbrinj® os gast.^.dc:ís
com paredes torcidas em rantaá vol-
tas , que os náo podia pescar a nossa
artillaria. Com este artificio chegarão S'^ '•!.:>*
os Mouros a senhorear a :ca vaxi a for-'-'^-' <^^
taleza , onde assentarão dezoito Pâsí- ir.lnugo*
li?cos , com que tirarão, quinze di?.3 *-' ^'' '•'■'*•
contínuos , fazendo na fortaieza tal.
estrago , que os nossos , por. nitlmd
remédio, se reparavío .com suas. mes-'
mas luinas , tazendo coatrarr;c£2>s.v"^«'
re-
146 VíDA DE DJoSo DECASTROr
reparos das pedras derribadas.
Tínhamos já perdido oitenta Ito*
mens , c mais de cento feridos ; e pe-
la estreiteza , e ruim (]ualidade do»
mantimentos , muitos andaváo enfer-
mos» As muniçoens em grande parte
gastadas , tinháo reduzidos os nossos
a perigoso estado ; o que entendida
por Coge Çofar de slguns escravos ,
^ue fugirão da fortaleza , mandou re-
forçar as batarias , crendo , que náo
poderíáo durar os ânimos em táo qus*
bradas forças ; e logo como homem ,>
que queria partir com seu Rey os mi-
mos de sua fortuna , avisou ao Sokáo ,-
que estava em Champanel , que se vi-
esse ao campo para lhe enrregar a for-
^, ^ taleza com o primeiro assalto. Na fé
c ,f- d esta promessa acodio o SoJtáo com
com mui' ^^^ "^" ^^ cavalíô, e grão parte de sua
ta ^'cntç, Corte , onde foy recebido com huma
* salva Real , á volta de muitos instru--
mentos de guerra , e de alegria ; conso--
nancia , que os nossos ouviáo , aos ani-"
mos temerosa , aos ouvidos barbara.
Pareceo aos nossos , que a alegria-
ào campa solemnizada com duplica-'
das salvas , seria no recebimento dos»
Turcos , que esperaváo. Logo D, Joáoi
Mascarenhas ordenou a Fernão Car-
valho -Capicáo do forte do már , que:
:.^ man-
t, I ^^ K o II. 147
manjasse huma âlmadia a tomar lín-
gua j para saber os passos do inimi-
go , porque as espias que traz a no
campo , ou se haviáo feito dobres ,
ou eráo descubertas ; o que se fez na
mesma noite , trazendo-nos hum jMou-
ro , que referio a vinda d© Soliáo ,
as promessas de Cogc Çofac , e con fi-
anças da empresa. Mandou ò Capiíáo
mór solrar o Mouro , e que dissesse
a ElRey de Cambaya , que lhe pedia
se detivesse no exercito , porque es-
perava ir-lhe pagj.r a visita a seus alo-
jamentos. O Mouro se foy contente
com a liberdade , e assombrada com a
reposta do Capirío mór. Foy o Mou-
IO levado ante M.ihamui i e referindo
as palavras do Capitão , lhe disse , que
os Portuguezes tinháo a fortaleza derri-
bada , e os ânimos inteiros.
^ Coge Qofar mandou ;continuar a
fcataria , e dizer a D. João Mascare-
nhas por Simão Feyo ( hum prisio-
nciro nosço , que contra as leys àx
guerra havia represado ) que se espan-
tava de o ver encurralado , sem suhir
a peiejjar ao campo , tomo f^izia o
bom Cavalleiro António da Sylveira ,
que mal resj-ondiáo as obras as pala-
vras ; á qual mensagem os soldados
CQia pelouros responderão do muro, Cm^
íé CO
148 Vida de D: JÔao de Castro.
CO horas durou a bataria , fazendo no
ediíicio já aballado , estrago grande.
Porém as nossas peças lhe resporde-
ráo €om rrayor dano , e com melhor
fortuna , porque dentro na tenda do
Retira- ^^^^^^ > huma baila perdida matou hum
se , c fi- J^íouro 5 com cjuem o mesmo Soltáo
cajuzar' ^stava praticando ; e como eites Mou-
cão em tos Or iene: es sáo crédulos em agouros ,
seu lu' tomando FlRey o cnso , como aviso
l^sr, de algum m:.o successo , quiçá , cu-
brindo com. a superstição o medo , fa-
hio logo do can-^po deixando a juzar-
cáo , num Abexim valente , que nas
guerras do Mogor tirara soldo contra
Soltáo Mahamud , e agora como solda-
do mercenário , fora chamado com al-
gumas venragens a servir nesra guerra.
Partido ElRey do arrayal , mais
■ bellicoso na paz , que no confíicro ,
retirando-se na mesma Ilha á quinta
de Melinue , dava calor aos scccor-
ros , que cada dia relorç^váo o cam-
po i porém Dom Joáo Mascarenhas ,
que polo fiperto do sírio , não tinha
avisos cerros dos desígnios do inimi-
go , praticou com os Fidalgos , e Ca-
Accão valleiros quanro importava romar ai-
votavcl g'^tna língua. Ouvio e^ra pratica Diogo
de Díj' 3e Anaya Coutinho , hum Fidalgo que
go de vivia do soldo , porém com espirite»
Ana^a, muy
Livro II. 149
inuy dignos de seu sangue ^ e5te se of-
fereceo ao Capiráo mòr , e lançado
do muro por huma corda , assegurr.do
do escuro da noite , eacaminhou aos
quartéis do inimigo , e a poucos pas-
sos vio junto a si cous Mouros , que
estaváo praticando \ duvidou de os ac-
commetter , porque trazer dous náo era
possivel 5 peieiidr com elies náo con-
vinha ; porém tomando da cccs^iáo
conselho , deiribou com hum bote de
lança a hum d'clles , e abraça ndo-se
com o outro, que se defendia bradan-
do , mordendo , e forcejando , o le-
vou até ás portas da fortaleza , on-
de achou o corpo de guarda , que en-
tre louvores , e envejdS o levarão ao
Capitão mór com o seu prisioneiro.
Referirey agora a circunstancia , poc
ser mayor que o caso. Levou Diogo
de Anaya prestado hum capacere de
hum soldado , e vendo-se na ícita-
leza sem eile , crendo , que com a
luta , e bracejar do Mouro o perderia^
se tornou poia mesma corda a derri-
bar dó mur© , e buscando-o á visí<i
de hum exercito já alteiado , o reco-
Iheo . e trouxe , tam temerário , como
ditoso.
Foloâ avisos do Mouro , soube o
Capitão niór , que Co^e Çoíar , e
L ii Ju-
i5'0 Vida de DJoXo dè Castpo,
Jnzarcáo , hum valente , e ouiro des-
confiaciO , fizerro reciproíX)s juramen-
tos a Matoma úc canhar Dio , ou aca-
bar na empresa , ciizendo , que se nos
náo podiáo soportar amigos , mal nos
poderiáo sofrer victcriosos. Com a con-
tinuação da bataria , lhe rebentarão
militas peças, em lugar das cjuaes en-
cavalgaráo outras, batendo furiosamen-
te os baluartes S. Joáo , S. Thomé , e
Sanctiago , de (]ue eráo Gapitaens Dom
Joáo de Almeyda , Luiz. de Sousa , e
Gil Coutinho , ofi quaes sempre com
as armas vestidas , sobre cilas mesmas
tomaváo algum breve repouso , sempre
constantes no perigo , e ao trabalho
promptos.
O baluarte Sanctiago , como mais
fraco , fez mayores ruinas , e já nelle
podiáo os Turcos peleijar quasi iguaes
nos nossos ; náo ficou na fortaleza pa-
rapeito , nem amea , que náo fosse
arrasada ; c do baluarte S. Joáo ate
o de Sanctiago , todo o lanço cif> mu-
ro estava aberto , com que ao trabalho
CO dia succedJa o da noite , sendo
impossível , e forçoso ráo poucos de-
fensores , .com táo quebradas forças ,
reparar em poucas horas o estrago de
huma fortaleza por tantas partes rota ;
poicm todos conformes sp dispunháo
âO
Lii V R o II. lyi
ao rrâbAlIio , que náo podiáo vencer ,
nem escusar. ,
Acudirão as mulheres da fortaleza /'^'*
j ,- (Lis mií-
â acarretar os maienaes para a deren- ,, .
sa 5 sob indo sem remor ao muro j iro- ^^.^^
pecando em lanças , empadas , e pe-
louros , vencendo a natureza , e o se-
xo , como se rrouxeráo coraçoens va-
ronis em hábitos alheyos ; raei houve ,"
que vestindo armas , fizeráo aos ini-
migos rosto , correndo da aguliia á
lança , do entrado á muralha j entre
rodas mereceo mayor gloria Isabel
Fernandes , a quem nossos Escritores
em lugar de elogios , que hcnrasseni
sua memoria , chamáo à Velha de
Dio i celebre por este nome nos an-
naes , ou memorias do Oriente. Des-
pendeo parte de seus bens esta grande
matrona eiii mimos , e regalos , com ,
que no mais vivo do conflicuo , alen-
tava aos soldados , exhortando-os á de-
fensa , e á peleija , com razoens mayo-
les , que de hum espirito , c -juizo fe-
minil. Em fim a deligencia d'estas ma-
tronas servia de alivio no trabalho ,
nos perigos de exemplo , acodindo a
qualquer obra servil , ou arriscada que
fosse , promptas , e opportunas.
Vendo Coge Qofar , que tudo quan-
to suas armas arruinavío de dia, nos-
sa
x$2 VidadeDJoXo deCastíio.
sâ industria rep?.rava de noite , maqui-.
nou hnm 2rtiP.cio mais íu ii pela tra-
ça , Que útii pio successo. Defronte
do baluarre S. Thomé , aue pela rr.a-f.
teria , e disposição do sitio estava
mais aberto , deíerminou levantar ou-
tro , que lhe ficasse igu d , ou emi^
neare , para que bAtiJo pe:o alto der-?
libasse as ameas , tolhendo peleijar
<>os defensofeí? , e ainda ds noite ,
poder fazer reparos , ficando as peças
para aquella parte assestadas de dia ,
çom pontaria certa. Mandou logo rra--
zer montes de terra , e rama pára en-
tulhar a cava , fortalecendo a espla-
nada com troncos de arvores grossas
para lhe assegurar o terrapleno. A
quantidade dos g?.£tadores , que ser-
viáo o campo , era cutro novo exer-
cito , çom que a obra medrava sem
tempo , e sem medid^. Entretanto a
artelharia do nosso baluarte jogava com
d^no do inimigo , porque como esta.
peonagem servia amontoada , e descu-
berta , náo se tirava da fortaleza liroi;
algum perdido. -
Reparou Coge Çofar no dano ,
por ser gr^.nde , ordenando , que na-
obra se trabalhasse de noite , para que
rirando os nossos com pontaria incerca ,
f yag-i > fosse menor o effeico , man-
dan-
Livro II. 15^
dando fazer mayor rmdo onde se obra-
va menos , a hm de que os nossos
arulheiros, guiados pelo ouvido , apon-
tassem as pfças ao tino do rumor , e
dos eccos. O que entendido por Dcm
]oáo Mascarenhas , mandou cobrir de
luminárias a .^rtaieza , para que os
pstadores , qae trabalhiváo amparados
do escuro dá no' te , fic.issem expostos
ao mesmo perigo , í]ue de d:a. Porém
Co^e CjOÍar , que tinns pratica apren-
dida na miíicia de Furopa , na andou
fazer estradas torcidas , e encu Se rtas ,
por onde continuaram es Mouro* m?is
seguros a elevação do forte , gasundo
21 noísa artelharia balias inúteis , e per-
didas.
Deu o negocio âo Capitão mór
cuidado 5 porque crescendo aquelJa
maquina , náo licava na fortaleza lu-
gar algum seguro , jogando a arte-
lharia do inimigo a cavadeiro dos nos-
sos baluartes , com que dos cercado-
tes aos cercados , náo havia no lugar
ventagem , ficando os Mouros com a
do número tain desigual aos nossos.
Posto o ci-so em conselho , todo* co-
nheciáo o perigo , e nenhum o remé-
dio- Alguns com mayor ouzadia , que
prudência , votaram que sahissem os
QQssos , e lhes estorvassem a obra a
154 VlDÁ DE DJoXo DE CASTROí
risco descoberto , sem ver que era
mayor o perigo que accommettiáo , que
o de que se livfaváo. Poucos appro-
varáo este conselho ; nenhum sabia
dar outro. Fizeráo os nossos algumas
sortidas, porém de pouco cífeito, por-
que o inimigo pv^deroso , c vigilan-
te, tinha com grossa escolta assegura-
dos os postos aos gastadores ; mas co-
Rio nos apertos grandes costuma o pe-
rigo ser o melhor conselheiro , lembrou-
se D. João Majcarenlias , que na for-
taleza havia huma eminência , que
sobrelevava o forte S. Thomé , por
sima do qaal podia jc^ar a artelharia.
Aqui mandou enravalgar algumas pe-
ças , as quaes tirarão com táo ditoso
efteito , que em poucos ^dias derriba-
rão aquella maquina , levantada , e caí-
da com o sangue dos que a fabrica-
rão. Porém como esta Hydra tinha
tantas cabeças , emprendeo Coge Ço-
ht a cava com as mesmas ruínas i
o que lhe era mais facil , por ser obra
que não havia mister medida , dispor
siçáo , ou engenho.
Começarão deus mil piaens a co-
brir a cava com os materiaes do forte.
Entretanto hum grande troço do exerci-
to com dardos , settas . e espingarda-
ria i.Tipedia os nossos assomarsc ao
* mu-
L I V R o II. ijy
muro. Cresceo a obra , e perigo nos
cercados , porque como os altos da
fortaleza esraváo desmantelados , pou-
co que subisse o terrapleno , ficava
igual ao mnro. Desveú.va-ô'- o Capi-
tão mór por lhe frustrar o intento ,
e vaciliando nos meyos convenientes ,
alguns velhos criados na fort.-.Ieza ,
íhe disseráo , que no lugar onde esta-
vão , tinha o muro hum rostii;o , que
o discurso dos tempos cubrira com ter-
ra movediça , e que por aquella parte
sem risco, e com fácil trabalho se po-
dia furtar e entulho. Pedia a necessi-
dade execução prompta ; mandou ca-
var o Capitão mór , e achou o posti-
go aceommodâdo a seu intento, Sahiáo
os nossos de noite , e furtavão o en-
tulho por baixo , deixando a superfí-
cie vãa , que cobria os vazios , sólidos
na apparencia do inimigo ; porcPi co-
rno aquella terra estava no ar violen-
tada , trouxea seu mesmo peso ao cen-
tro , caindo todo aquelle vulto fantásti-
co á vista do inimigo.
Foy logo avisado Coge Çofar da ^fort'e
industria 5 com que lhe frustramos i?.m ^(^^^ Ço-
custoso trabalho , e ícudindo aquella.^'''' ^c
pane , impaciente na contraposição ^^'"^^
que achava a todos seus desenhos , sa- ^^^^'^*
nio da fortaleza huma balia perdida,
1^6 VidadeDJoXo dsCastko,
que no meyo de hum esquadrão de
Turcos , lhe levou a cabeça. Houve
no exercito sentimento público pela fal-
ta de tam grande soldado. Viráo os
nossos com destemperadas caixas , e ar-
rastadas bandeiras dar sepultura ao cor-
po com todo o funeral militar , e po-
litico , que ensinou a vaidade da guer*
i^. jurou lo^o seu fiiho Rumecáo so-
bre o sangue do pay tomar justa vin-
gança ! que entre elies a dor , e ir^
lie a uíiima piedade , que oíFerecem
em sacrifício a seus defuntos.
SucceJe- Succedeo Rumecão ao pay no ódio ,
Ihé Rw e cargo , continuando a guerra com
jnccão a obrigação de General , e sentimen-
étu fi. to de lilho , tno em.penhado pela dor ,
iho. como pelo omcio. Mandou continuar
por seis partes o entulho da cava , sen-
do por Koras soccorrido o cxerciíc de
gastadores , basti mentos , muniçoens ,
e soldados , crescendo por toda a par-
le a obra que Rumecáo esforçava ,
como disposição para nos dar o assal-
to. Tratou também de continuar a
maquina , que o pay começara , con*
trapcndo hum artificio a outro ; la-
vrou seis estradas encubertas , que to-
das hláo a parar no postigo da forta^
leza , por onde os nossos lhe limpaváo
o entulho \ estas hião fechar sobre a
pon-
Livro II. i$7
ponte de madeira , que naqueUe lu-
gar tínhamos levantado para o mesmo
intento de lhe fintar a terra , sobre
gue armaváo a macjuina , que temos
referido ; e sobre a ponte lançarão
pedras , e traves , de tamf-nha gran-
deza , que a fizeráo encurvar com. o
peso j e logo vir-se a terra , não sem
dano dos servidores , que por debaixo
d'ella andaváo recolhendo a terra. O
que visto pelo Capiíáo m.òr , mandou
cerrar o postigo , por ficar jj esta ser-
ventia inútil , e evitar alguma súbita
invasão do inim.igo , o qual sem estor-
vo continuava a obra , cm cuanto os
nossos vacillaváo em descobtir algum
engenho , ou força , com que pudes-
sem contrastar fabrica táo danosa , por-
que os Mouros com festas , e algazar-
ras , mais mosrraváo gozar já da vi-
ctoria , que esperala,
A estes cuidados succediáo outros
não menos pesados , porque já náo
havia na fortaleza duzentos homtns
defensores , huns rendidos do trí^ba-
lho , outros de enfermidades , e fe-
ridas ; m?.is necessitados de reparar as
forças , que de oíFerecelas a segundo
trabalho. E nos soldados ordmarios já
a desconfiança hia abrindo porta ao
temor, Faltavâo muniçoens , e hjan-
ti'
if8 Vida de D JoXo de Castro*
tJmentos ; os mares verdes , o inverno
furioso 5 tiraváo toda a esperança de soe-
corro, pois nem para o pedir , nem pa-
ra o receber era o tempo opportuno.
C Vi^a- Era Vigário da fortaleza Joáo Coe-
riú Joiío lho ^ Quc sobre as virtudes do Sacer-
Coclho docío , linhri resolução para empren-
v<jy ao der qualquer jusro perigo. Este se oire-
Gcvai- receo ao Capitão mor (a quem era
nader. singularmente aceito) para, a despei-
to dos temporaes , tentar os mares ,
e aportando em Baçaim , ou Chaui ,
significar aos Capitaens , 'com certeza
de vista , o estado das cousas ; e dahi
avisar ao Governador por correyes de
terra , prometendo na fé do habito
voltar a Dio com a primeira reposta ,
como fiei companheiro da fortuna de
lodos. O Capitão lhe manaou logo
escjuipar hum Catur com doze Ma-
rinheiros 5 onde o deixaremos lutan-
do com as ondas , até darmos razão
do successo 5 que teve viagem tão ani'
mesa , e pia.
Os Mouros trabalhaváo por força
no entulho da cava , mas Rumecáo
cruel , e imperioso os mandava mor-
rer , ou aturar no trabalho , de que
recebião por premio , na mesma obra ,
miserável sepulchro. Em fim chegarão
a igualar a cava i e pelo baluarte de
Gil
Livro II. 15^9
Gil Coutinho 9 que se não podia cn-
iulh?.r , atravessarão grandes rtiastos
cem tciboas pregadas , que lhes scr-
viáo de ponte , para picar o muro , o
que se lhes náo pode defender com
a artelharia , por trabalharem cubertos.
Ordenou Jogo D. Joáo Mascare-
nhas humas cadèas gros^sas , que do
riuro alcançassem a ponte , das quaes
pendiáo muitas sacas de gunes envol-
tas em pólvora , salitre , e outros ma-
teriaes fáceis ao fogo , as quaes lan-
çadas 5 atearão na ponte com tal bra-
veza , que logo a desfizeráo. Acudio
Kumecão a sustentar a obra com novo
rrisdeiraraento , e mayor copia de ser-
vidores , e soldados , huns que «ssis-
tiáo á defensa , outros ao traúilho , a
que os nossos se oppuzeráo , dandc-Ihes
tniudas cargas de arrelharla , e espin»
gardaria , de que o inimigo recebeo
grande dano j mas insistia Rumecáo na
obra tam porfíadamente , que por sima
dos mortoá fazia sobir outros , que in-
da que violenuidos , vencia© o perigo
com a obediência. Chegou em fim
por mevo de tão custoso trabalho a « -i
igualar a cava.
Conhecendo pois Rumecao o estado iig^sos
cm que nos achávamos poios poucos oferece
ilcfensorôs que occupaváo c$ postos , Kunic-
nos CM0,
1 6o Vida de DJcÂo de Castro.
nos quiz tentar os ânimos , crendo ,
que em táo perigoso c.raJo nos ensi-
naria a razão , e a riatnreza , a náo
engeitâr as vidas* Cerr:.da a noite ,
ouvirão os do baiuirte òV.nctiago bra-
dar pela vi^ia , em lingua Poffjgus-
sa , djzendo , que era ^'imáó Feyo ,
<^.ie t]ueria fallar ao Capitão mór em
negocio importante. Foy logo avisa-
do Dom Joio Maicireníias , e pc^ndoJ
se com o soldr.do a fidli , elle lhe dis-
se , que era :S^mío Feyo , que vinha
mandado por Rumecáo , que aíiei-
çoado ao valor de táo grandes sol-
dados. , lhes queria poupar as vidas,
que agora desesperadamente deFendi-
áo j que bem via a fortaleza arruma-
da toda -, a mayor parte dos defenso-
íes enfermos , ou fendòs , sem espe-
rança alguma de soccorro , faltos de
mi:jniçoen3 , e mantimentos ; que náo
quizessem perecer obstinados , arèandj
com a temeridade dos fracos o muito
que tínhamos obrado ; que nos ren-
dêssemos , porque para gloria sua de-
sejava conservar vivos táo valerosos
inimigos ; que nos faria todos os par-
tidos honrados , deixandc-nos com á
liberdade as fazendas , e os navios par
Tà nossa passagem i o que náo aceitan-
do passaríamos peias leys da guerra
9
e
Livro IT. i6i
e pelas licenças cjue dava nos estra-
gos a ira , e a victoria. D. Joáo Mas- Reposta
c.irenhas lhe re^-pondeo , oue a forta» «^ ^"P^'
leza onde esrsvão Portuguezes , náo '^^ "^^'''
havia mister muros , c]ue no campo
raso a ceter.deriáo ao poder do Mun-
do ; que esta verdade conheceria no
primeiro assalto i que tratasse de pedií
í-.o Solcáo mais gente , e melhores
soldados ; que os Fortuguezes dííspre-
iaváo victonas tão peciíenas j que as
rui nas da fortaleza esperava reparar
com cabeças de Turcos ; que se lhe
fahaísem mantimenxos , ao seu arrayal
os iria buscar como despojos ; que em
quanco seus soldados linháo armas ,
náo lhes podia faltar nada entre seus
inimij.os ; que a boa passagem que
lhes oíferecia , esperava fazer cedo com
a espada na mão por meyo de seus es*
quadroens armiados ; e a elle oimáo
Feyo dizia , que ainda que repetia for-
çado palavras alheas , náo tornasse com
segunda mensagem ^ porque o manda-
ria espingardear do muro*
Vendo pcvs Rumecáo , que dos pe- ^^s/^Jf^
rigos , trab.ilho^ , e fomes , nos ser- ^^ ^'i""^-
vÍ3mos como de alimentos, injuriado f*^ "/''i*
no desprezo d'e«ta reposta , de^ermi '-^f'^^*
nou dar o primeiro assalto. Anirírre-*^*^"'
ceo aos nossos hum temeroso dia , que
fuy
102 Vida DE DJoSo DE Castro.
foy aos dezanove de Julho doeste an-
DO de mii quinhentos quíicenra e seis ;
cm roda da fortaleza rppareceo o ex-
ercito inimigo. Juzarcáo com mil e
quinhentos soldados escolhidos accom-
metteo o baluarte S. João , de que
era Capitão Luiz d-j Sousa , acompa-
nhado de D. Fernando de Castro , 5'e-
bastiáo de Sá , Diogo de Reynoso,
Pêro Lopez de Sousa , Diogo da Syl-
va 5 António da Cunha , e de outros
Fidalgos , e soldados , que náo passa-
váo de trinta. Estes esperarão o pri-
meiro iqipeto do inimigo com tanta
gentileza , que rebaterão os primei-
ros oitenta que subirão , mostrando o
dano que receberão nas vozes , rio
sangue , e nã caída. Logo lhe succe-
derâm outros , fazendo-lhes a subida
mais facii os corpos dos que cahiráa
mortos. ]uzarcáo os inflammava com
a honra , com o premio , com a vin-
gança. Os ares feridos de instrumen-
tos de fogo , e de vozes humanas, ía-
ziáo nas paredes da fortaleza huma im-
pressão medonha. A bataria continuava
nos outros baluartes ; em S. Joáo , e
S. Thomé o assalto j porque fossem
mais fáceis de render força» , sobre
Z c cteS. fe:]uenas , divididas.
Thomé, Runiecão com os Turcos assaltou
o
Livro IT. 165
o baliiarte .S, Tliomé , de (]L!e crãô
C:pitaert5 í>om João de .^Injeyda , e
C-ii Courinho 9 e como geníe peio
v-c-or escolhida . pe]^ nação snberba ,
arremeterão tam fi:riosQs , oue pelas
Lnç.?s dos ncs^os inrenravso subir atra*
víssados, buscando pela morre a victo-
nn, Elics tinháo a vantagem do nu-
mero i a do lugar os nossos j e os que
tinháo cavalgado o muro , ou haviáo
d? enrrâf victoriosos , ou morrer es-
trepe idos , porque lhes era mais pe-
rigosa a retirada , que a peleija. O
inimigo serTipre com nova gente re-
forçava o assai :o , os nossos valendc-5e
de humas mesmas forças , se rfiosCra-
váo 'superiores a03 primeiros , ?§uaes
aos últimos. As mulheres acudi.ío com
armas , e panelas de pólvora , vestin-
do os espiruos do tempo , n5m os da
natureza. Algumas com regalos , e be-
fcidas alenta váo aos soldados , e náo
podendo mostrar esforço próprio . ser-
viáo ao alheyo. Taes houve , que com
exhortaçoens os animava o , merecedo-
ns de forças varonis em coraçoens ta-
manhos ; mas nos feitos desie cerco
contaremos os seus peios mais raros ,
senáo pelos mjyorea, \^ia-se hum
monte de corpos mortos aos pcá dos
baluartes , huns desan^^rados do íerro ,
M e
164 Vida de DJoÃo de Castro.
e curros abrazados do fogo. Alguns
agonizando entre a ira , e a dor ,
pediáo vingança j e tal vez os (]ue hiáo
a satiáíizelos , acabaváo primeiro. Em
fim os nossos este dia fizeráo cousas
maravilhosas , mais fáceis de ajuizar
pelo successo , do que pela escritura ;
porque sempre no particularizar acci-
denres , he a verdade incerta ; mormen-
te nos acontecimentos de guerra , onde
a ira , ou o temor , e outros affectos ,
arrebatío o juizo de maneira , que ape-
nas poderia cada hum ser Chronisra
fiel de suas mesmas obras.
Resls' ^' F^'"s"do ^2 Castro mostrou
tenda ^^^^ ^^^ esforço igual a seu sangue ,
dos rioi' niayoí que seus annos. Sebastião de
Sa nos deixou de seu valor numa cla-
ra memoria , até que atravessado de
huma serca ervada por hum joelho ,
cahio quasi mortal ; e não podendo
sustentar a peleiía , náo q^jeria deixa-
la. Foy em Hm retirado dos companhei-
ros com lastima , e enve a , deixando
já nos inimigos seu sangue bem vin-
gado. Todos em fim obrarão tão va-
lerosaraente , que este só dia bastava
para os fazer soldados. Depois de duas
horas de pelei ja , parecia que come-
çaváo o assalto , obrando Rumecáo,
como quem queria acabar a guerra
eni
SOÍ»
Livro IÍ. 165-
em hum só dia \ rr.anccu peleijar as
nações dividíd;is; ou para que a emula-
çso as incitasse , ou por conservar me-
lhor a obediência , c e le ir.andanio ,
e pelei jando , com a voz , e com o
ex-emplo os obrigava ^ e náo sa farran-
do do sangue , que via derramado ,
louvava os ouzados , 'afrontava os re-
missos , mostrando entre o hsrror^dcis
armas , cólera com acordo. O. jo5o
Wascarenhss se m.Oitrou náo só Capi-
tão , mas ainda companheiro de to-
dos nos mayores perigos , peleijando ,
e governando táo sj.biamente , que
náo ficou devendo nada ao valer , me-
nos á disciplina.
Vendo Rum^ecáo os muito? mor Rclra--
tos, que csíavlo em torno dos bailar- -«'/^^ ""'
tes j e que os seus acodiáo ja com obe- "''^^'
diencia rnsis remissa , mandou iccar a ^^^''^ •'^'"
recolher j retirando com pressa os mor- ^""
tos , e feridos , comO pc^ra cobrir ;:os seus
o dano , aos nossos a victciia j rorcíri
d'"elles mesmos scubemios , que perde-
rão quinhentos soldados neste assrho ,
muitos mais os feridos ; dos nossos mcr-
reo hum só soldado , os ftndos fo-
ráo m*enos de vince. Nesta díspro-
pofy-áo se vé , que náo se rdc<inçou a
vice orla só com fcrçjs hum? nai , e
Deos defendia a c usa como sua ,
M 11 Swn-
i66 ViDA D» DJoXo DE Câjtro.
sendo de seu poder nossas armas fe-
lices ii-iítruiTentos ; de que ainda ncs
mostrará a Histeria argumentos màyo-
res.
Recolhido o inimigo , chamou o
Capitão niór os nossos a segundo tra-
balho; o qnal lhes fez mais íacil , ou
a necessidade 5 ou a victoria. Era pre-
ciso reparar as rain^s da fortaleza ;
sendo as pedras , e o barro os leites
moies 5 em que os nossos haviáo de
resraufír as forçíis já táo quebradas i
acodiráo todos fáceis , e alegres ao
serviço . a que o Capitão mòr os obri-
gava com seu próprio exemplo , ven-
cendo , depois dos inimigos , a mes-
ma nraureza. Amanheceo a fortaleza
em parte reparada , respirando ;os nossos
no trabalho , como em novo descan-
so , não lhes fazendo o peso dí*s ar-
mas dííK-rença da noite ao dia. Fi-
cou o inimigo táo cortado deste as-
salto , que se não atrcveo em muitos
dias vir com os nossos a braços ; fa-
zendo-o a experiência mais cauro j cu
temeroso Tentava a fortaleza por m.o-
mentos com algumas arremetidas le-
ves para quebraniar os nossos com
rebates coniinuos , e notar a dispo-
sição dos ânimos no occupar êos pos-
tos ; não cessava porem a bataria ,
in-
Livro IL i6j
intentincío enfraquecemos com hum len-
to assedio ; mas como cada dia engros-
sava o caTjpo com diversos soccorros ,
c o Solráo si^^niticava o empenho em
que estava nesta guerra . resolveo Ru-
mecáo d ir segundo assalto a forta-
leza.
Considerando porem ò dano , ^ue Kecorre
havia recebido , peleijanjo com táo /-/-^.t-
superiores forças , entendeo (ixít o es- ^^^o ^
trago dos seus devia ter c^íusss mayo- ■^"/•'^'*^»''
r^s 5 para o que convinha F.pL-íc.r o Pro- ^^'^^*
I -eta. Ordenou logo , que se tirasse ^
^.imâ bandeira com a figura de JMa-
ÍMTia , e com ella desse o exercito di-
versas voltas em torno da Mesquita ,
e com outras expiaçocns barbaras , e
ridicuias , tivessem â Mafamede apla-
cado , e propicio , cii-a ira r€r:irdava
:.03 seus a victoria. Fernão Carvalho
Ccipitáo do baluarte do rrr.r , vio dis-
correr aquelía noire o exercito com gr:.o
copia de luzes , ouvindo a tempo as
vezes , e cianiores , que logo p.T:iváo
em súbito silencio , e torn^vão a re-
benrar em huns gemidos de muhidáo
ccnfuss , siiccedendo aos ais , e a!^-
i"idos insrrumentos de guerr.i ; e nesta
supersticio.^a vaida.ie occuparáo muitas
heras da noite. Deu a Fernáo Car-
valho cuidado a novidade , de que
nao
i68 Vida DE D.JoÂo DE Castro.
náo pode fazer juizo. Avisou com tu-
do a D. Joáo iMascarenhas do que
vira ; que entendeo senão disposiçoens-
para o asfalto , a^udaJas dtí algum bár-
baro culto, ou supersticioso rito , com
qne entendiáo conciliar a indignação
de seu f^.lso PropHsta.
Apsrccbeo-se o Capitáo mór para
esperar esta segunda invasão co inimi-
go , achando a rodos es soldados espi-
riros sáos em forças táo quebr^dns ; os
feridos , e eníermos deseaipsraváo os
leitos , e os remédios ; mais promp-
tos a buscar o perigo , que a sauie.
Outro ^* ^^'^^ jMascsrenhas obrava , e dis-
ossaho. pu^^-^ ^3 cousas necessarias á defen-
sa com valor , e juizo. Amanheceo
o inimigo sobre a fortaJeza ( ainda
n"'al declarada a luz do dia ) com vo-
zes , e alaridos medonhos , enire cel-
licos instrumentos , que fazia mais te-
merosos o silencio da noite. \''inha o
exerciro dividido em três esquadras ;
traziáo diante , entre ourras , hum»a
bandeira , em que estava figurado o .
seu Propheta , para que 03 incitasse
»»j"5tamenre a Religião , e a Regalia..
Ao meímo tempo asScilraráo os baluar-,
tes S joáo , e S. Thomé, e a guarita,
de António Peçanha , com tanta íu-
riâ , cuc ihes náo deiícava vei , netii
le-
Livro II. 169
temer o perigo , porém fcrao recebi-
dos dos nossos de maneira , que volta-
rão mais depressa do que haviáo svibi-
do , caindo muitos morres , os mais
feridos ^ e outros abrazados do fogo.
Ouviáo-se as vozes de Juzarcáo , e Ru-
mecáo , que incitaváo a curros a escahr
os baluartes. Estes subirão de refresco ,
favorecidos da escopetaria do exerci-
to 5 innumeraveis settas , e ouiros ti-
ros missivas. Aqui se areou cem gráo
calor o assalto , instprdo es Turcos
pí^r restííurar a opinião perdida , pe-
Icii^-^váo estimulados da íuria , ou da
vergonha , pornando a sobir por en-
tre o ferro , e fogo , como homens qua
cstimaváo a vida menos que a vicco-
ria ; s^^si chegarão a igualar-se com os
nos. 05 , peleijando corpo a corpo sobre
o baluarte.
Luiz de Souza , D= Fernando de
Castro 5 com os Fidaigos , e soldados
de sua companhia , derão este dia no-
vo credito à nossas armas , obrando
de maneira , que Kumecâo 03 nomea-
va aos seus , humas vezes para exem-
plo 5 e outras para in r.ria. Os Tur-
co«; rinháo por momjcníos soccorros
successivos -, os nossos sempre os mes-
mos , tão valentes se mosiraváo aos
últimos 3 como aos primeiros. Fcrviji
a
Enfrõo
Tnrc.^s
te S,
170 Vida DE D JoXo DE Castro.
fl guerra em todos os lugares. Dos
inimiííos erio ja muitos mortos , ou
estropeado9 ; porém o furor , e a ira ,
ou encobriáo , ou desprezaváo o dano ;
porque sobre o ccrpo ci'ãqueííe cue
cihia , estribava outro o pé para arro-
jar a i^nçâ , 011 peleijar mais firme ,
inventando o ardor , e â impaciência
(id víctorii , novas finezas , ou cruel-
dades novAs.
Entrarão em fim o baluirte S^
Thomc , que sustentarão por iium es-
p;iço lari^o , caindo huns , e succe-
deiido-lhes outros. Aqui íoy grande a
TJicíué, ^^f Ji <^^ inimigo , e também o estrago.
Os três irm-TrOS , D. J020 , D. Francis-
co , e D. Pedro de Almeyda , se mos-
trarão t30 irmãos no valor , como no
s;»ngue , sustentando o peso de tan-
tos iaimi^os o tempo (^ue durou o as-
salto.
0> Turcos do terço de Rumecáo
p^leijav^o com o; nossos corpo a cor-
po , iguaes ifo sírio , no número mayo-
res , o p-ri^.;o accresceníou o cúotro. Dos
one entriráo o brtluarre , poucos bai-
xr.ráo vivos , mas como tmhJio já esta
porca paM a victoria aberta , a rodo ri>-
co qiieri^.o suste^^.tala. Rumecáo, como
Cite era o primeiro favcr que lhe derío
as armr^s nesra gue'.ra , com Icuvore^ ,
c
\
L I V n o II. 171
ç promessas acendia o orgulho dos Tur-
cos Entre 03 nossos se derramou huma
voz , que o baluarre era ganhado j e
e:ta fama , ou íosse ardil, ou caso 9
padera perder a fort^tlezi , porque os
que nas outras estancias peleijaváo ,
cLiasi tinháo desemparado os postos
por soccorrer o baluarte , ane íiavião
perd'do ; principalmente os que guar-
daváo as casas da banJa à\ rocha,
acodiráo com tanto iirípeto ao soccor-
ro , que se aliviarão cm \^'^.n^ os com-
p?.nhei=-os , que do trabalho , e feri-
das . lirJiáo já as forças iassas , e que-
bradas.
D. João Mascarenhas andou pe-
las estancias certificando a todos , que
est.^.va por nós o baluarre , e do valor
ccin que nclie se pelei ;ava ; que l\u-
niecáo estava vendo no destroço dos
se'Já , que banhados em sangue 3e
p-ecipitavâo do muro , acabando de
perecer na queda. Durava o assalto ; c r^,,,^^,,
com as morres , e feridas , p?rece , ç-^ ^,,^
que cresciáo em hnn5 , e outros mi- ^,^s!e ,i
migos as força? , e a braveza : o que cpamça.
ccni^icjerando jnznrcáo , crendo que
os poucos defensores , que tinha a
fortciieza , estariáo nos baluartes esca-
lados , s?.indo do conBicto , se fcy cera
aij^uns soldados torneando o muro , e
che-
f
172 VíDA DE D.JoXo DE CaSTBO,
checando áquelia parre da fortaleza ,
qne chamáo a Couraça , a qual a na-
tureza ^]2era defensnvel , sem arte ,
pela altura , e asperez?. do rochedo ,
em cjue o mar bana , e vendo que
esrava deserta , sem presidio ; cu vi-
gia , entendeo , que a qualidade do
sitio nos tinha assegurados ; e man-
dando chamar hum Sangiaco de cem
Turcos , e prevenir escadas , come-
çarão .a sobir por a^uella p?.rre sem
(]ue fossem vistos , nem resistidos . por-
que os soldados que cstaváo alli de
guarda , com a nova do baluarte S.
Thomc ser perdido desamparando o
posto , que guardaváo com mais va-
lor , qus disciplina , se furão a soccor-
relo.
Subirão os Tu'Cos ousadamente a
rocha 5 e foráo demandar humas cas.i; ,
que eõtaváo encostad;ís á Igreja de
Sanctiago , e da vão pa.íSO a huma
varanda baixa , em que logo arvora-
rio escadas p<ra subirem outros i e
Juzarcáo de fora os animava , crendo
que havia roubado a Runiecáo a hon-
ra , e a victoria. Ganharão os Tur-
pelas quaes foráo des-
cendo a fortaleza , e hum mais arre-
Poitu- ^^^0 5 ou diligente entrou em casa de
guiza. huTiia Diuliíer casada , pedindc-lhe di-
nhei-
Vnl
Livro IT. 17?
nheiro com seguro c!a vida ', a pobre
iia mulHer cercada do temor mostrou
c-iesahia a buscalo , e cnrrando na
cV.a de outra vezinha , lhe contou
drsmaynda o perigo em que esraváo ;
e er.a com o sobresalto da nova deu
£vi'0 a outta ; a qual com acordo ,
e forças de varão , tomou huma chuça
e indo -a demandar a ca^a em que os
Turcos estaváo , vio Ivum d'eiles a por-
ta , como vigi^^ndo o que passava fo-
ra , e remetendo a elle , tjrando-lhe al-
guns botes de chnça , o fez recolher
denrro, licando-Ihe o ju/zo táo livre no
perÍ50 , que teve acordo para cerrar a
porca , e ;.nimo para esperar os i ur-
C03 , e impedir-lhes a sabida ; di;^na
per certo , que entre os varoens mais
claros ficasse sua memoria,
A s mulheres, que vivião para aquel-
la parte , assombrad2s de hu'n temor
tam justo foráo em demanda do Capi-
tão mor gritando : Turcos na tcrtaleza ;
o qual acharão com três soldados cor-
rendo os baluarres , e ouvindo as vo-
Z'=s das mul>ieres , nam menos açor- Jcocíe o
dado . que animoso , mandou , que se Capitãa
cailassem , ievando-as ccmsi^^o por guia '"«r.
à casa onr^e esraváo os Turcos i e des-
pedindo hum soldavio dos que o acom-
ranhaváo , lhe mandou que tirasse al-
i gu-
174 VíDADEajoXoDECASWo,
g-unia gente dos bMuarres , oue menos
aperrasse o inimigo , cdl^So o peri-o
d^i .or^leza aos que peleiíaváoj e lo?o
despeufo omro soldado , para que Jíie
trouxesse a gence que achasse derrama-
cia por fou d,s estmchs. No caminfio
se l.ie ajuntou André- Bayfo com cu-
tro C3mpanhejro j e chegando á ca -a
onde esraváo o. Turcos , vio ,cpelU
nu her cue os rinh, encerrados, de-
fendendo-ihes a sahf^a com esfcrço
mai. que varonil; falt.ndo-lhe na vida
premio, nesra Historia nome.
D. Jg.3;, A^ascrenhas , havendo
por pre.a.>m da vicroria , achar em
hun^a mulher valor rào novo , saben-
ào d ella , qne estaváo os Turcus en-
cerrados na casa, mandou a hum Ahe-
^^m , que .caso alli appareccra , que
ihe trouxesse huma panda de polvor^
_e porque se despachava lentamente '
ihe travou de hum br.ço a tempo
S^e aoe;rado da igreja, onde já es^
t3v.o -aignns Turco. , .ahio hum pe-
oo .0^ cap/rao de escudo. Chegou Jo-
go^ num soldado com huma paneJa de
pólvora , e tar..ando-Iha das máos
i^. Jo:o Mascarenhas , lançando de
^^'^ va.vs^ii as poua. dentro , a que-
t.ou eatr;: os Turcos , onde o fogo
abra-
Litro II. 1-^5'
íbrazou os majs de lies , sem lhe to-
c?.rem . muitcs pelouros , que de den-
tro tinráo com pcnti^ria ceita ; o que
a muitos pareceo fortuna , a outros
mysrerio ; e mostíando-se este dia igu»
íí'menre Ca^;iráo , que soldado , cu-
berro de huma rodeia com a espada
ra máo j envestio os Turcos cem ."^.íiis
quatro que o acompanhariío , e á ior-
çà de cutiiad-^iS os levou cté á varan-
da , onde os aperrou tanto , que os
íez precipitar da rccha cem igual pe-
rigo ao de que fuc,iáo , porque os
irais d'elles mortes , ou estropeados ,
perecerão na queda.
Aqui foy D. Jc?.o MsiSCàx^nh:,s Sobem
r^isado , que sobre o eirado da ígrejci Turcos
te viáo muitcs Turcos com deus guio- c J^íí>,
ei«s arvorados , os quaes do sIlo ccme-
ç:;váo a escopeiear os nossos , que já
vinháo chegando. Foy aqui grande o
perigo , porque como tudo" erso frmas
c'j fogo , obrava menos o valor , cue
a contingência. Cs nossos eráo menos
de sessenta , os Turcos mais de ceni.
E vendo D. Joóo Mascarenhas "5 que K.^y 0
em qu.into aque!!es sustenraváo o lu CSpi::iô
gar , crescLáo outros , mr.ndou qvie lhe '-^'' a
trouxessem escadas , ordenando o ca- ^^•*''^«
so , e a necessidade , que na sua mes-
ma íoitaleza desse elle o assalte» Kn-
cos-
176 VíDA DE D.JoSo Díi Castro.
cosraráo os nossos ao muro huir.3 pc-
í^uena escada , e o prirí:-eiro soldado ,
que se lançou a ella , voltou logo dtr-
ribado de muitas lançadas que o-^ Tur-
cos lhe der?.©. Checarão logo esc d s
mais capazes , e arrim.idc.s ao rriurn ;
querendo o Capitio mor sub r pri-
meiro , lhe fizeráo os soldados jr..-ta
força para que nâm passasse. Accom-
metteráo os nossos a subida pelas pa-
re.ks do /*po';toio Sanaiago , cuja a
Igreja era , assegurando-lhes o lugar
a victorja. O sitio fazia des^gud a
peleiia ; huns firnries , outros depen-
durados quebrarão duás escadas , por-
que encre os nossos a competência , e
o ardor de qual havia de subir p i-
m.eiro , era outra nova guerra. O
Capitão mor com as palavras , e com
o exemplo animava os soldados , mais
por oíFiCio , que por necessidade, i^n-
dava a briga muy travada ; dos nos-
sos alguns cahiráo mortos , nenhum
se rerirou fendo. Nos que esraváo de-
baixo^ a impaciência de não ter iu^ar
para subir, causava mayor dor , que
as feridas que viáo receber aos com.-
panheiros , porque ainda «n táo pro-
lixo 3 e perigoso cerco os náo farta-
va a guerra. Cortaváo-se huns aos ou-
tros com estranha crueZvi.
Livro IÍ. 177
Juzarcáo animava , e soccorria os £ rett'
seus com nova gente 9 assi encheo bre rão-sc,
vcmenre de soldados o lugar donde
pelííijava , (]ue era o eirado , 011 ibo-
beda da Igreja. Em fim os nossos a
preço de seu sangue cavalgarão o mu-
ro , depois de portiada conrenda , mos-
trando a diiferença do v^Ior i>a desi-
gualdade do lugar , e do número. Três
horas largas durou a briga , na qual os
poucos cjue nelia se acharão , obrarão
de maneira , cic merecia só esta fac-
ção parricuíar Historia , porem nem ain-
da os nomes lhes achamos escritos , ha-
vendo merecido com seu sangue mais
distincra memoria. Foráo mortos c]uasi
todos os Turcos , huns na (]ueda , ou-
tros na resistência ; e sempre seriáo
os mielhores os que merecerão ser es-
colhidos para facção tam grande.
O Capicáo mór entendendo , que
nos baluartes inda durava o assalto ,
levou os conipanheiros a descansar em
segundo perigo ; e visitando as estan-
cias achou 03 nossos tam em»penha-
dos na resistência , que parecia , de-
pois de quatro horas , começar o as-
salto. Ao pé dos baluartes estaváo t.-n-
ío^ mcrtos , que lhes fá-tava a terra ,
cujos corpos facilitaváo a subida do
muio. Rumecáo de íóra animava , ou
ÍC-
173 VíDA deDJoXo DF: Castro.
rep;en:iia aos seus, segundo o brio,
Gu íraqueza com que se combarrâo , in-
cirsndo-os com prémios , ou castigos,
nlostfando em rodas as ílcçoens d 'este
cerco vaior , e disciplina. Dom jo::0
Mascarenhas náo descançava , orde-
nando , e provendo o necessário em*
todas as esr.incias , de sorte , que em
nenhum perigo o achavão os compa»
nlifiiros menos. Neste dia , Qiie foy
do Aposrolo Sancrip.go , parece que
nos quiz mostrar o Santo , que era a
vicroria sua , náo menos poderoso con«r
tra Mouros agora na Ásia , que antes
na Hespanha.
Morte Durava a briga de huma e outra*
de Ju' P^rte cruel , e teTierosa , e juzarcâo
zarcão» com a dor viva de náo effeituat a e*
Câlâ da fortaleza , que lhe foy tão cus-
tosa , vinha com os soidados de si:a
obediência dar calor ao asfalto , porém
de hum pelouro da fortaleza , que lhe
deu pelos peitos , cahio atravessado , e
morto. & como era pessoa de tanta con-
ta pelo valor , e po>to que occupava ,
foy logo a nova derramada pelo exer-
cito , e checando nos ouvidos de Ru-
mecáo , a rccebeo com grande se^-ti-
mento , cu toose temor , on piedade :
mandou loí^o tocar a recolher . e re-
tirar o corpo ue Juzarcáo ', perda qu»
se
Livro IL if^
se não pode encobrir aos seus , oue
como fo^se sobre outras muitas , aiui-'
z?.váo , que já a vicroriá náo valia o
Gue tinha custado j e quando, l^em a
alcançassem , quem havia de ficar que'
lograsse o triumpho ? Que bem se mos-"-
trava o Prophcta estar contra elies rnV
dignado , pois sofria ver sua bandei-
ra ignominiosamente roca ; e a estas
consideraçoens juntaváo outras , accu-
sar.do a fortuna do General , e as cau-
s:^.s da guerra , avaliando como culpas
25 desgraças presences. Rumecáo cura-
va estas deiconíianças com vários arti-
fícios , cubrindo a perda dos seus , e
encarecendo a nossa ; pondo-Ihes dian-
te dos olhos as mercês do Solráo , e
afama, como parte melhor do premio
que esperaváo. Em este assalto perde* £ ^^
liios sete soldados , e feridos trinta ; „iuitos í
áos Mouros passou de mil o número Tufcjs^
dos mortos , e foráo perto de douâ mil
0S feridos.
■ D. ]oáo Mascarenhas , depois àt'~o Copl^
dfden?.r o enterro dos morío^ , e cu túo nu,^
h dos feridos , em que não faUou cjm avisa o
o cuidado , e menos com a fazenJa , Gov,
<jue despendeo sem conca , avisou por '^**^-'
bum Catur ao Governador do estado
das ccuíias , significando-lhe a faltá:
que tinha de gente , munir:ocns , c
X min-
iSo- Vi DA DE DJoXo detCastroí
mantimentos. Nesta fusta , ou Caíur
$e embarcou Sebsstiáo de Sá a rogo
do Capitão móc , e amigos , dizendo
elle,(]ue só no baluarte onde fora feri-
do , podia ter saúde , a qual lhe âeic-
javáo poupar todos , porque naquelle
cerco merecerão suas obras fama , e
vida muito mais dilatada. Chegou a
Baçaim com a fusta quasi soçobrada ,
accdindo ao receber , e hospedar D.
Jeronymo de Menezes Capitão da for-
taleza 5 enviando logo ao Governador
as cartas com cj avisos de D. ]oáo
Mascarenhas.
Cuida- Andava nesre tempo D. João de
des do Castro muy cuidadoso dos suecessor
Gõver- de Dk) , porque os tcmporaes do in-
7i/íí/í>rjé»- verno lhe impediáo rcr novas, e des-,
bre soe pachar soccorros j porém sem perdoar
€orrcr a dôspeza , ou perigo , qu-asi por de-
^'<'' baixo dos mares , lhe acodjo com mu-
niçoens , e gente , nos mayores aper-
tos , como logo mostrará a Historia,
. Tinha aballado todo o poder da In»
dia com animo de ir em pessoa a des*
cercar Dio , e parece cjue os successos
lhe respcndiáo ao intento , porque os
Reys da índia lhe faziáo muy honra-
das offertas ; e os Fidalgos , e solda-
dos j sem soldo , cu mercê , se lhe of-
íereciáo.
Ne$- •
Livro II. i8i
Neste tempo , que era já na entea-
da do mez de julho , chegou á barra
de Goa a náo Espirito Santo , Capitão
Diogo Rebello , a qual era da con-
serva do Governador , e por roim
riavegaçáo havia ixivemado em Me-
Jinde ; e ainda que chegou com al-
guma gente enfernía , os ares da terra ,
o cuidado do Governador , e o alvo-
roço da jornada de Dio , lhes fez em
breve reparar a saúde. Alegrou-se D.
Joáo de Castro com táo opporcuno
soccorro para engrossar a armada ; po- Cfiega-
rcm tarda váo novas -da fortaleza j cue lhe "o
o povo interpretava como indicio de «vZ/o í/o
algum mso succes«:o_,; quando cHet',.'»- ^''g^^r/é»,
ráo as cartas enviadas peio Vigano ,
das quaes o Govern^or entendeo o
aperto do ^irio , a? forças do inimigo ,
a falta em que os nossos escaváo de
gente, e bastimentos • e como o tem-
po pedia mais conclusão , que conse-
lho , assentou consigo enviar a sen fi-
lho D. Álvaro de Castro com hum
troço da armada contra o p::recer dos
mareantes , que haviáo por temfrario
este accommeitin^ento no principio do ,,
inverno. Porém D. João de Castro sem ^^'"^f
deÍKar-se vencer do amor do fdho/jH-j^'
nem dos medos do tempo , resolveo ^41-,-,'^
enviar o soccorro^; o que enten JiJo J^,,,"i^,.
^' ii pe- corro.
iíl ViuA'DEf)JoXo DE Castro.
tóbs sòláiáo? í'^ie ;Fid3lgoá , se lhe
ííerâo ofí^rarèt s í^'^^a -aquelles-, 4iie
belos annòs' , e aurhòriJatie ja estavao
p ,^: f-cu^os. tnire esies foy D. Francisco
,ncL . aé iVieneze.í , que depois de occupat
P.Fran- grandes posios , se oífercc^o' ao soe-
.ii..^. corro com praça de soldado; o Cio*
Menezes yQinàdoí O leveis nos braços , pedm-
com í^rcao-lne se guardasse para passar na ar-
navios, mâda ein sua companhia ; mas vendo
que estava resoluto a ir neste soccor-
ro , lhe dcvi oCte navios , para que com
elies tentasí.e o |olíáo , com os quaes
pircio D. Francftco com muitos sol-
" ::daddrde brio,, é al-ans parentes seus,
'' ** ^' ' amigos de ganhar honra , -^,ue o acom-
panharão, j^' . r-» Al
p rt T> D'-^^' ^ "^^ ^^^^ P^""^'^ ^' ^^*
^/vL * TO, reconciliado lá cem o pay da que,.
...,„ de^ xa de enviar seu irmao D. Fernando
primeiro , como se ihe toca.sem por
herança os primeiros peri^o:^. Neste
soccorro se emb.rcou jrao parte da
nobreza , a quem o P.osto da empre-
za , e O d.í conipanha áo General,
fazia desprezar o^ Turcos , e as tor-
mcniAs. O Gov-rv-dor lhe iançou a
benção , e o enb.ircou com -grande
saudade do povo , entregando os h-
lhos oola pátria , de quem se mostrou
íT.ais 'amoroso pay , , que de ^cu mes>
xno
80
->?ít?aL'L I V r o II. i7 ^§i
mo sáíígúe. Depoii de. o Govarnador ^^^ ^^
(lar ao íilho algumas insimccoens .secre- ■ viv^Al
las. , lhe Oídeno.u , .ç]ue, estivesse íi obe- ?■,}
drene ia Je D. João MascarerJi^^s y,,sem
erabargo ■dQ,,,o eximir o pasia,;e, a^
si lho escrsveo 3 porque foy sempre
D. Joáo de . Çaácro . justo estimador de Capita-
viitudes aiheas. . EráOj dezanove os nsi- ens çue
vios da arruada., cujos C^piíc.ens ío- com ellc
íáo D. Jorge ck, Mer.e«íe^ , IX Du- hiãc,
arte de Meriezes '.f^iiip.. dQ,;CQP,dc da
Feira j'ijnjz de A-Jeilq; d^. Mendoça ,
e Jorge tie Mendpça seu iimáo , D.
Anronio de, Attayde , Garcia Rodrir
gnez de Távora , Lo',10 de Sousa ,
Nwno Pereira de Lacerda , Athanasio
Freire , Fero de Actayde Inferno, D.
joáo de A trayde , Baltiiasar da Sylva ,
,0, Duarte Deça , António de Sá ,
Belchior Monis , Lopo Vaz Couti-
íího , Francisco Tavajre-i , e; Francisco
Guilherme. ^ ._ . -^,.1^,,^ \
^,'; Logo que o Governador ^dfspachçu ^pre^fes
esta armada, jicou aprestando ^,.^a em '"' <^"-
.<|Me derermin:.vp. passar , [>usc:;nd9 br|s- '^•''^'^^'
:iimentos , e dinheiro , pedido sobre '^<"*'
•sua verdade , que çra rSÓ p thesouro ,
rf^iàQ conservou na L^din , com que se
|ez senhor dos corpçucns , e fazendas
de rodos ; o ouc cenihcpr^mos cem
OS exemplos y como argumentos vivoo.
:. As
184 VioadeDJoXodsCastbo.
Js ma- As donas, e donzellas de Chaul ^
Iheres de movidas de hum mesmo espirito , jua-
Chactlof- taráo todas as joyas com que se ador<í
fcrecem naváo , de ouro , e pedraria , e com
f"^^ liberalidade ^ mayor <]ue de muiheres ,
joyas, 25 enviarão aó Governador, sem pre-
ceder obrigação , ou rogo , significan*
do-lhe que de seus próprios filhos , e
mnridos tinhão menos saudades , que
inveja , pois o acompanhaváo ; náo le-
mos nos Annaes dos Césares acção mais
generosa das matronas de Roma. -': ''
Oferta Acaso se achava em Goa huraa
e cjvta dona de Chaul , chamada Carharina de
de hfí!t3í7 Sousa , quando chegou o presente , e
Dona. juntando em huma boceta todas as joyas
que tinha , as enviou ao Governador
com esta carta : „ Senhor , eu soube
5, como as mulheres de Chaul tinhão
35 offereci do a V. Senhoria as suas
,, joyas para a guerra. Ainda que eu
5, me achasse em Goa , náo quiz per-
,5 der a parte da honra , que me d'âhi
3, cabe. Por Catharina minha filha man.
3, do. as minhas joyas a V. S. Náo jul-
,, gue , em quam poucas são, as que
„ pode haver em Chiiui , porque lhe
3, certifico , que eu sou a que menos
,, tenho , porque as tenho repartido
5, por minhas filhas, E crèa V. S, que
j, só das joyas de Chaul, pode fazer
5> a
^rsAJL I V R o ih ' i8^
jjá^^gtiWrá dez anncs rém" sé acab.v
5, rem de gastar. E a mtrcè <]ue peço
.3 a V. S. fie, gastar logo c; ta j minhas
3.^- na Má do Senhor D. Alvarp ; por-
'jV^gue eu espero em Nossa Senhora'',
^y (]ue haja élle' tananhas victorias ,
j, aué se escuse' a ida , e trabalhos á
3, V. S. Isto peço em minhas ora-
3, çoens , e assi que 'acrescente a vid>
^i, a V: S. e o deixe ir a Portugal dian-
J, te áos olhos da senhora sua mulher 3
3V é* filhas^. Escrita em Gca tias casas
'j> de' Dona Pvlaria minha filha , hoje
3, onze de junho. Minha filha Cat!ia-
y, fina empenhátey , se fcr necessário,
^3, para o serviço de V. "S. ,,'Náò sey
se do amor da pátria , se da benevo-
volencia db' CiOvemador , nasciáo estes
■Jésrremos. Vimos igur.es necessidades na
índia , m;is nâo -jgunes finezas , como
nos dias de D. joáo de Castro. Mui-
tos Fidalgos que "ncí: barão ce ser Ge-
beraes", e os velhos arrimados nos bor-
dqens se 'vmháo orfí^recer para solda-
3os ; porque náo havia corpo, que po-
la auihoridade , ou poios annos pareces.-
se pesado.
Despedido hum , e outro soccor-
ro , ficou o Governador juntando cres-
to do poder , dispondo o governo da
Cidade em sua ausência , e sem.pre com
huni
j86 Vida osPJaXa DE Castro.
hum bra.ço na paz , e. outro na~ S"^'';
ra , 't^cf^s.as occurrencias do 'Estagio o
iacíiavÁo prese^nte. E porque de niuni-
çoenx\ ,e mantimentos havia na forta;
leza falta , al,em dos j^ue ja tinha en-
viado , carregou , Kura ;círaveiáo gran-
de , (|ue por ser embarcação pesada,
'podia mal sçTrer' os mare^. Alguns
|oldaJo.> lha j^rijíihâo. engeitado , parè-
cc^do-lhes risca, serâ; gloíia 5 lutar com
o% elementos,, mas pola impcrtancia
do negocio ^ese.i^va ;:enrregar a çara-
reia a pessoa^ decpnt^a , a quem a Hon-
j-a fizesse o rperigo .R)ais facil. Com-
municou .est^ negocio . com Manoel
de Sousa de.^Sepui veda , Fidalgo, que
pelo valer , e juizo lhe era muito
<jíieiio ji^estc lhe disse , que António
'Moniz Barreto tinha brio j^ c indus-
rria .paça^-cv)l>sps maiores ; que ainda
que tiiahâ d-elle Governador alguma le-
ve. queixa , seria para náo pedir , ma?
náo p.ra. engeitar o serviço Real em
oçcasiáo tão árdua •, que elle p tenta-
ria e da respluçáo traria reposta. As-
si foy ^ q?3e . eíTitendido por AntoniO
Moniz o gosto do Governador , e
que Xhe dava- hi^nia viai^em engeltad^
Jnionlc de aí^iins só p..r d.íRculrosa , a acer
M^iiz tou pron.ptamente. Do successo -, e pe*
flceiía ,v. figos que teve, diremos a seu tempo»
fl Dio. , Com
L ry R o Ilè' • 1^7
; Com a vigilância do Gcvernador v
.Jiaviáo entrado na fortaleza alguns
SQCCorros , com <]ue o perigo , e tra- ^
balho carregaváo sobre forças mayo- . lV
ires , bem ^ue não tinháo proporçáo
jcqm as do inimigo , porcjue o ultimo
fsoccorro, que chegou ao exejeito , er^
.^è treze mil infantes, conduzidos por
outro jLizarcáo , não menor no vâlor , Vem ou*
ptm melhor na fortuna , que o primeiro, troju-,^
l*"ste trouxe apertadis ordens do Soltáo tarcáo^a^^
para estreitar o cerco , escrevendo a Ru- covti-
.mecáo , que náo era possível., que vi- ""'^'* * .
essem quatro miseráveis do fim do mun- '^'^'"^^'
cio fazer aos Principes Je Cambaya in-
jiirias^m sua mesma casai que mor-
j:e>sem todos na empresa, porque an-
xcs queria hum Império deserto , que
jBOJeitQ j que pois nas ruinas da forra-
Jezâ -.estavâo p os Pcrtuguezes m.eyos
enterrados , quando qs náq pudessem
lender como a homens, os matassem
<òmo a leoens em suas mesmas covas.
Ruftiecáo nam responde© com mais ,
çjne ^apontar para r.s muralhas , e bs-
lusrtes , todos posíps por icrra , já pa-
rn £,]oria , jár para desculpa j furioso de
ihe parecer, que. o íioitào çsiaya mal
5âtisfeiio do que tinha obrado ; mai»
irritado da dcíconfiança , que do pre-
mio , ^pmeteo saiisfazer-]he com a
mor-
1 83 Vida de OJoXò de Castri^.
Levanta morre , OU com a victoria , e como a
c ininii' crueldade o fazia mais obedecido , que
go hinn o cargc 5 mandou leví^.ntar hum bastião
bastião, defronte do baluarte Sahc^Í2go , que se
obrou com incrivet presteza ; o qual
guarneceo de arteíharia , e gente , que
íicando ^a ^valleiró dos nossos , náo
podiáo assomar-se , que os nâo pescas-
'^'^ sem as bàliàs do inimigo.
Os^os" Deu este negocio ao Capitão mor
fús"^.ò' :^ «'Tn pequeno cuidado , porque se Ru-
é^sfpy mecáo dera por aqueila parte o assal-
zcm/ ' lo , corno era seu desenho , não po-
diáo resistir-lhc os nossos defensores,
Sèh7 que ficassem descubertos ás bailas
do inimigo ; e- resoluto a derribar ei»-
tí maquina , encomendou a facção aos
dous frmáos D. Pedro , e D. ]oáó
de Almeyda ', os quaes saindo com
cem soldados no quarto da modorra j
acharão os Mouros huns dormirtdo ,
e outròr 'desc^uidados na confiança
do lugar , e da hora , e dando
subitamente nelles , fizeráo em pequei
no espaço estrago ç;ran<ie ; potquè
desacordados se meíiáo nas lanças ," c
espadas dos nossos , sem conhecer a
morte , ou ò inimigo. Os que pude-
ráo escapar fogindo , despertarão o
arrayai com gemidos , ,e vozes , sem
saber affirmar cousa certa. Gom a. mes.
ma
.õn: ■ L I V R o IL 189
raa confusão chegou a Rume cão a no-
va i e como os perigos cia noite se
fazem parecer mayores , eniendeo ei-
Ic , que o atrevimento dos nossos es-
tribava em forças grandes trazidas em
algum soccorro', que havia chegado. a
furto de suas sentineilas. Chamou os
Gabos a conselhft , em quanto se pu-
nha o exercito em arma , e resoluto
fem soccorrer o bastião com o . poder
iodo, entre ordens, e aprestos gastou
o tempo de obrar, e quando ja che-
gou 5 achou a fabrica de- feita . dego-
lado o presidio ^ os nossos recolhidos ;
facção náo menos ditosa , que impor-
tante ; mcrrêráo ^co inimigos , ne-
nhum dos nossos.
Rumecáo mandou logo levantar
'humas grossas paredes defronte do ba-
luarte S, joáo , asseguradas com hu-
ma tropa de IVl ouros , que por quar-
tos faziáo senti ne! la , e sobre o terra-
pleno hia plantando alguma aitelhnria,
para d'aQuelle sitio, em miis propor-
cionada distancia , bater o baluarte.
Porem D. ]oáo Mascarenhas , ccmo
'andava vigi^antç em impedir os dese-
nhos do inimigo ; em huma noite jr^/^^
tormentosa , e esciira , b.nçou q-ator- f/^ , ,,rt-
7e Sv^ldados por hnma bombardeira , tc-re
que dando de súbito nos Mcuros , os wlttudos.
lan-
ipo ViD AÍ dkD JoXo DÉ Castro*
^Ançaráo do posto ,. eiíi quanto es
Servidores coiii-j>3coens , er outros ina-
trumenres -de^izeráo ,a .ohra. i do .qu$
scTijo' iRximfisâo oJWLstdo -,- resolveu ^S"
saltai -.a forra^tózaíiiíionn força descuber-
ti , oí^jeaa tido irara assalto geral par»i
o- segnince;dia.-;Loo quívl fez huma pra^
tica aos-jsoldados;^ incitai^<^ijs CQ.aia^
injuriais que útijiáo 'fecgbido de ,JÇ'|^
paucps o inimigo* , j^nq.si dcsbanua^Qj
dos^ trabalhos , .da torriç , ^c <^'^s /erii.is j
<píè: rr.jiis honrados esc^v^o 05 que ai-
"J-í acabauáo , que os qi)erfica/âo vivo,i ^
se"Jo no,; .Mundo teâterauhhas infames
de huma afrontosa :^íí§&íí ; ^ue .era
seus . braços estava- s<'ii»yaÊ-:#. honra <1ô
seu Rey , vingar seu$>, opiaipanheiros^
■fe deix::r 4> si no Qrieate ,huma clara
roemoria i. que da.s. merí>ê^ do Soltáo
estivessem -jseguíps ^ pof^ue havia de
premiar -> e.çont^.huftra íí hun-ia,í;$
feridas de' -todos ^; que;...TSÇ aí^um se
atrevia -a goveraar ,o bastão de Gene-
rú , prometria como soldado ser o prL
meiro que subisse no rnuro, -^ ,
Assi o* despedio igualmente irrita-
dos da gloria , jÇ da Lojuriâ., Logo ao
outrj dia ao çomper. Ja^ 3Íva se abal-
loií o exercito ao som. de muitos instru-
m^-nros beíi,i.çpSr com as. bandeiras de-
searoiadas,^^; c^ se viáo^ tremoiar dos
: " ' nos-
L IV RO II. s 191 •
nossos , e chegando ;aos muros ^ co- Jssdt^i
meçaráo em torne da fotcalezaja ^í-^^iuI.^
vorar escadas ; favorecidas- do ccrpo
do exercito cem innumeraveis , e cií-
ferenres tiros de sectas , pelouros , e
cjtras armas , ijjuJando o horror d'es-
t2 conflicio confusas , e duplicadas vo-
zes , quj incitando iuriosaménte os âni-
mos , e turbando os* juizos , impediáo
mandar , e obedecer. Subirão os Mou-
ros ousadamente os muros ,: c os Tur»
cos por outra parte , como envejandc^
cada hum o- perigo alheyo . trabalha-,
vão louos por ser primeiros no risco,
e nas feridas. Os nossos , ainda cue
poucos , sendo cada hum Capicáo , e
despertador de si mesmo , obraváo de
maneira , como se esíivesse por conta
de cada hum a honra de. todcs. Os -
primeiros (]ue snbiráo com o spno;ue ,
e as vidas pat;aráo a ousadia-; mas lo-
^o com o inesiTiO ardor lhes succediáo
oarros , incitado-o r»uns do vaU r , ou-
tros do Generai , cjue debaixo louvava ^
ou reprendia aos que subiáo , sej^iindò
o animo , ou tunueza ^ tjuc nciies >áes-
cobria.
Lançav^.o os Mouros nos balur.ítes
granadas- , panelas , e alcanzjas de fo-
^o em íania quantidade: , c]uj os no>50i
peleijaváo erine as chaniâSi.vjue prcm-
deii-
• tçí Vida de DJoXo de Castro.
Repara dendo nos vestidos os abrazaváo vi-
dos 710S- vos, Occorreo o Capiráo mór neste
SOS con- perigo com algumas tinas de r.^ua ,
tta o que em parte extingiiiáo , ou refrii;e-
f*'o^* raváo o ardor do fogo ; porém como
o inimigo entendia o dano , continuou
o ardil em todos os assaltos , a que
os nossos inventarão hum remecio mais
fácil 5 que elíicaz , vesnndo-se muiioi
de couro , em que o fogo náo podia
prender tão levemente ; e D. Joáo Mas»
carenhas da colgadura de guadamecins ,
que tinha , fez reparar a muitos , íi-
cando-lhe as paredes nuas , e os solda-
dos venidos.
Fervia a guerra ; apenas se divi-
sava a fortaleza , escondida entre nu-
vens de fumo , e só a descobria com
breve luz o continuo fuzilar dos ti-
ros ; fazia horror o que se via , e o
que se ouvia. Estaváo ao pé do muro
innumeraveis corpos , huns mortos 9
outros agonizando j e tudo o que se
represenirva á vista , e ao juizo , er^
hum feyo especraculo de morres , hor-
rores , e feridas. Em todos os baluar-
tes se pelciiava em ambas as partes
com grande valor, ainda que desigual
pola desporporçáo do número entre
cercadores , e cercados. Mas o baluarte
de Luiz de Sousa , onde estava Dom
Fer-
L I V B o lí. 19^
Fernando de Castro , quasi esteve per-
dido , porque o tomou o assalto com
mayores ruínas , e foy accommettido
pela geme mais eicolhida do campo.
Porém fizeráo os defensores i Ilustres
provas de valor, pelei jando entre cha-
mas de fogo com láo nova constância,
<jue nenhum desamparou o lugar ,
mostrando-se sobre valentes insensí-
veis. Aqui se singularisou Dom Fer-
nando de Castro com esforço de mayo-
les annob j parece que o valor náo es-
perou a idade. Obrarão este dia os
Portuguezes cousas dignas de melhor
penna , e m?.Í3 larga escritur;?. E es
mesmos Turcos forão testemunhas fieis
de suas proezas , dizendo , cjue só os
Frangues mereciáo trazer barbas no
rosto.
Em quanto d;irou o assalto , deu Recolhe-
o baluarte do mar muitas cargâ> ao ^'' *^ """
inimigo , que como peleijava em irc)- '■''è'*-
pas descuborto , recebeo grande dano.
O que advertido ror Rumecáo , veiado
suas bandeiras roíp.s , perdidos Os me-
líiOres soldados , e que os Pcrtugue-
ze3 haviáo defendido as ruínas de sua
fortaleza , sem perder huma pedra ,
m.-^.ndou roçar a recolher , sentindo
o dano menos que a injuria. Fcy es-
te dia á nossas armas muitas vezc^ fe-
ii.
tos^
194 VíDA DE D JoXo DE CajTÍ^O.
Com lice 5 porque morrendo dos inimigos
morte de rrezentos , e levando doas mil feri-'
írezen^ dos , nam faltou nenhum dos nossos ,
ainda que alguns ficarão bem sangra-
dos. Provco Jogo o Gapitáo rrjòr na
cura dos íeridos , sendo a benevolên-
cia com que lhes assistia , o piímeiro
remédio acodindo aos enfermos com
as despesas , e também com a dor ,
e sencimen os , parecendo pay na paz ,
na guerra companheiro. Logo ao pe-
rigo succedeo o trabalho , reparando
todos de noice o que as batarias der-
ribaváo de dia , porém acodiáo todos
tão alegres ao serviço , que parecia
'vinháo a descansar , accarretando as pe-
dras , a terra , e a faxina.
Vendo Rumecáo o risco, e a dif-
fículdade que tinha loniar a fortaleza
por escala , mandou correr com o en-
tulho da cava do baluarte S. Joáo até
fava, o de Sanctiago , obra que encomen-
dou aos Janizaros , os quaes por opi-
nião , ou por valor soberbos , busca-
váo com ambição os mayores perigos
d-este cerco. Eráo já mortos quairo-
cencos , deixando entre es seus fama ,
e sentimento ; os que resraváo assis-
tiáo a esta obra , que para elíes foy
de nenhum fruto , e de grande pe-
Trata
^ão en-
tulhar a
11)^.0
porque
a noása
artelnaria os
pcs-
Livro IT. 195:
jpescavâ , e a muitos servidores ^ cu-
jos corpos Jançaváo no entulho coni
disciplina barbara , e cruel. Crescia a
obra , como era de faxina , e terra ,
quasi amassada com sangue dos mise-
laveis que neila trabalhaváo ; chega-
rão a encavalgar algumas peças , coni
<]ue faziêo dano aos baluartes , prin-
cipalmente ao de S. Thomé , onde nos
cegarão hum Camelo , e mo? trava já
a bataria disposição para cousas ma-
yores.
Nestje tempo chegou á fort?.Ieza o Toma^ a
Vigário João Coelho com npve sol- Visdri»
dados em huma embarcação pequena j ** ^^*'*
e ainda que achou os mares grossos ,
e os ventos ponteiros , o trabalho , ô
a necessidade fez vencer o perigo. Re-
ferio , que o Governador se aprestava
com vivas diligencias pnra acodir ao
cerco , e os grossos soccorros , que
já tinha enviado. Que em Baçaim íi-
caváo quinh-incos homens , que com o
primeiro tempo esperaváo atravessar
o goUáo ; e que muitos impacientes
na tardança tinháo tentado os mares.
Pela fortalezi se derramou logo e^ta
nova , que foy festejada dos soldados
com folias , e musicas ; c pondo todos
os olhos no màr , as nuvens lhes pare-
çiãó navios; táo crédulos são os homens
O «m
ipá Vida de D JoSo de Castro.
cm cjuálquer esperança. Foráo os Mou-
ros sabedores das novas do soccorro ,
e antes quç os nossos se engrossassem
com as forças que cspííraváo , dispu-
zeráo hum assako geral , reso!ucos a
entrar a fortaleza , ou dar ao Mundo ,
e ao Soliáo desculpa com as mortes ,
com o sangue , e com as ruínas.
Nova Começou a bataria aqueile dia com
asiaitQ. vinte e três canhcens , e alguns basi-
liscos , e a continliaráo até o por do
Sol , e no seguinte dia até ás rrcs da
Tarde. Arruinarão a mór parte dos mu-
ros , sem cjue os nossos se podessen^
cobrir com alguns reparos , ca travezes ,
pelas contK.uas c.r^as, que dava a es-
pingardaria do inimigo. Chegarão lo-
go os Turcos a cavalgar o baluarte
5>. Thomé pelas ruinas da bataria j po-
rém o Capitão Luiz de Sousa , Dom
Fernando de Castro , e D. Francis-
co de Almeyda com outros vUero-
sos soldados , que o guarneciáo , os
receberão nas lanças com tal funa ,
íjue os fizeráo voltar , huns mortos ,
outros estropeidos. Succederao logo
Curros d« rtovo , oae corcados do nos*
so ferro , tizerâo aos primeiros com-
panhia. Nos outros batuarre.s se pe*
íeijava com a mesma fortuna , sendo
O dano i^usl nos Mouí05 ^ e o valor
QOg
L I V n o II. 197
nos nossos. Estava tão raza a bataria,
que os Mouros peleijaváo com os nos-
sos iguaes no sitio , como em c«mpo
partido 5 servindo-lhes as ruinas de es-
cada , mas com grande vcmagera do
número , e inscmmentos de fogo. Po-
rem os nossos merecerão este dia hu-
«la immonal memoria , sustencando
muitas horas o peso de táo desigual
batalha ; porque dos inimigos aos can-
sados , ou feridos , lhes succedláo ou-
tros ', os Portuguezes sempre os mes-
mos , náo mostraváo no valor , ou no
tempo diíFerençâ.
Ds João Mascarenhas andava por R*?^'/-
todas as estancias mandando , e pe- '^''*'<»
leijando , humas vezes Capitão , e '^^^ ''**'
outras companheiro de todos ; e ven- "'*
do que o baluarte S. Thomé tinha o
mayor perigo , por ser mais carrega-
do do inimigo , mandou trazer mui-
tas panelas de pólvora por aquellas
honradas matronas , que desprezando
o risco , e o trabalho , acodiáo op-
portunas a servir entre as lanças , e
os pelouros , cem nur.ca visto exem-
plo , e algumas exhortaçoens aos sol-
dados com juizo, c valor grande; ou-
tras com regalos, e mimos os esforça-
vam , parecendo que buscaváo , ou
mcreciâO fama i::^ual com elles. Ti-
Q li nha*
198 Vida DE D. JoXo DE Castro.
nhamos o vento contrario , e Icvart-
tando nuvens de pò da terra movedi-
ça 5 que os Mouros pisaváo , quasi ce-
gava os nossos , que estiveráo a risco
de pcrder-se só por este acci<iente j
porém elles peJeijando com os olhos
cerrados , accomraertíáo os Mouros ,
mais atrentos a offender , que a repa-
ra r-se. Os inimigos peleijaváo desespe-
Tadamente ; acordando-!hes Rumecáo por
momentos a rionra de seu Rey , e a
sua,
j Juzarcáo com os soldados de stía
''- obediência accommetteo o baluarte S.
vaitc <y J^^^ ^^^ tanto vaior , que estjverao os
^^/^^.^^ nossos em grande perigo > porque depois
S.Jo^o. ^^ derribar os primeiros que haviáo
subido , tornarão ourros a cavalgar as
paredes com tanra fiiria , que susten-
tarão a pelei ja igual por muitas horas,
até que dcsangraòtis do nosso ferro ,
huns mortos , outros desalentados ,
perderão o lugar , e as vidras. Aqui
íoy mayor o esforç'0 , e também o pe-
rigo , porque estando os nossos com as
forças já Ias*as , e quebrr^Jas , sobrevte-
ráo ourros Mouros de ncvo j porém el-
les 5 como se tiveráo poupadas as for-
ças , e o espirito para o mayor traba-
lha, assi rechaçarão os ultmios , como
os primeiros.
Na
L I V R o II. 199
Nâ guarita de António Peçanha se Perr/d
j^eleijou com náo menor v?.lor , nem grande
desigual fortuna ;■ e sem prirticularizar ^^"^ '"^'''
accidentes , podemos ajuizar peio sue- '"'a*^^*
cesso , os casos deste dia ; porque dei-
xou o injmigo mil e seiscentos mor-
tos , fora inaumeravel copia de feridos j
cousa incrível de pouco mais de duzen-
tos soldados , que seriáa os nossos ;
assi o achamos escrito nas Relaçoens ,
e Hisrorias deste CeiA) , í]ue rendo nos-
sas , costumáo escrever louvores pró-
prios com penna muy escaca. Nós fi-
cámos com três soldados menos , e com
trinta feridos.
Da bataria , que precedeo a este
assalto, ficou a fortaleza quasi em ro-
da arruinada , e aberta , faltando-no$
para reparala tempo , matcriaes , e gen-
te i porém furtaváo os nossos as horas
ao descanso , trabalhando de noite , e
derribando as casas da fortaleza , se
serviáo das pedrns , e madeiramento ,
fazendo huma forma de defensa sú-
bita , e furtiva , mais conforme ao
tempo , que á necessidade.
Faltâváo as muniçoens , c os man- ^'í,-íj/t
timentos , porque nam havia mais pol- J/icíes ar.
vora . que a que se podia fazer dia.^r/ú/j-
por dia , pouca , e mal enxuta ; falra -«.
que ja começaváo a conhecer os Mou-
ros ,'
200 Vida de DJoXo de Casttro-
ros , concebendo esperanças > e ouzzdia
pára aturar o cerco , avisados , <]ue a
esta necessidade rcspondiáo as outras ,
porque já valia a três cruzados Hum al-
iqueire de trigo , e ainda a falta delle
era mayor , que o preço. Os doentes ,
na falta de gallinhas , comiáo gralhas ,
que acodiáo â cevar-se nos corpos mor-
tos , as qup.es os soldados mataváo 9 «
vendiáo por excessivo preço. Chegou
em fim á tanto extremo a fome , que
pam perdoaváo a caens , e gatos , ô
outr« viandas semelhantes , nocivas ,
c immundas ; e com tam miserável
alimento repara váo as forças , despre-
zando perigos , é trabalhos ; vencen-
do com a grandeza dos ânimos as
paixoens , ou aíFectos da mesma natu-
reza.
Entre dutros instrumentos ofFensi*
Cômose ^^^ ^ ^^^g faltaváo , eráo panelas para
'"'""'l!' a pólvora , de que se serve a mihcia
ta de ^^ ^"^'^ ^^'^ ^^^ ' ^ ^^"^ ' '
rnnch^i ^'^''^^ ^*^^^^ ^^ ^^^ pcqueno effeito^
depjlva^'^''^ fa!ra se reparou ^ juntando duas
^.^ '' telhns com os vr^zios para dentro , e
breadas por fora , de que p:ndiáo mur-
roens com as pontas rcesas , e arro-
jando-;íS entre os inimi^^os , ?.brazaváo
' "a muitoi , e com esre fácil engenho ;
aiudaráo os nossos a victoria, '
De-
L I V K o II. lor
Desejava o Capitpo mór tomar Jin-
p}^ para saber os passos do inimigo ,
<]ue sa^nz , e ardiloso nos encubriá
seus desenhos com entranho recrto ;
aJém de que do fone do mar havia ti-
do aviso , *.]ue as mais das noites che-
gaváo alguns Mouros até á pente da
fortaleza , onde par.Jvr.o , como gente
(]ue vinha a medir , ou reconhecer o
sitio [vara algum eucito ; o silencio ,
a hora , e a continuação mosiraváo
não ser a diligencia a caso i polo que
D. ]oáo Mascarenhas encomendou a
Martim Botelho , soí.iado de confiança ,
que com dez companheiros se fosse hu-
ma noite lançar na ponte, e^que por
força , ou manha trabalhasse por lhe tra-
zer hum destes Mouros. Foy lançado
Martim Boreiho com os mais compa-
nheiros ptlas bombardeiras da Coura-
ça no quarto da modorra , levando só
espadas , e rodelas , e chegando ao
lugar determinado , se bpqueArao em
terra p^ra náo ser vi.tos dos Mouros ,
c a pouco espaço appiicando o ouvi-
do sentirão gente , que vinha a de-
mandar a ponte , e levantados <iccom-
metteráo subitamente os Mouros , que
cráo dezoito . que como se virão de
improviso ass.iltados , voit.^ráo as cos-
tas aos primeiros golpes , ficando só
hum
202 Vida de D. JoXq-de Castuo*
Tonião hum Nobi no campo , que se defen-
ús nossos dia com huma lança muy valerosa-
h:;ma mente j porém Marti m Botelho , ven-
liii^ua. c]q que era mais ur;porrante prende-lo ,
que mata-lo , lhe desviou hum bote
de lança com a espada , e arcando com
elle , o trouxe apertado nos braços ?.ré
á fortaleza , onde foy recebido com a
honra , que merecia o felio.
Deste prisioneiro soube o Cr.pítáo
<lue no- mor o^ intentos do inimigo , servin-
^'^'. *í^ do-se do aviso para se vigiar de alguns
ardis - que maqumavao os 1 urcos,
^ Mais Ine djsse , que taitav^o do exer-^
cito cinco mil homens mortos ao nos-
so ferro , sem outros Cabos de nome ,
c que os soldados de melhor voto ,
desconfiavío da empresa , entenden-
do seriamoi soccorndos com a pri-
meira vaga , que o m.ár fizesse ; po-
rem que Rumecáo cõm as perdas re-
cebidas estava mais obstinado em pro-
seguir o cerco : como homem empe-
nhado na honra , e na palavra , que
luvia dado ao Soltáo, E assi aconse-
lhado de hum engenheiro Turco de
^:i"fí'S€ Dalmácia , ordenou que se minasse o
ri(7/.'..j;'- baluarte S. Thomc , onde estava D,
teS. Fernando com Diogo, de Reynoso j «
Ihúiné, outros Capiraens , e Cavalleiros ; o q^e
se fez com estranho silencio , sem qi^e
os
Livro II. 20^
CS nossos pudessem rastrear o intento ,
quiçá por lhes parecer , que os ins-
tiumenros de fogo não eráo táo pra-
ticados na Ásia , como na nossa Euro-
pa ; mas como os principaes Cabos do
exercito eráo os Turcos , parece c]ue
assi rrouxeráo o valor , como a disci-
plina.
Em quanto se trabalhava na mina ,
mandava Rumecáo picar o muro por
oifFerentes partes , para que os nossos
atteníos ao perigo público , não des-
.sem no secreto ; e por no^ divertir
a atrençáo com outra industria , m,an-
dou fabricar algun? cavalics de madei-
ra , e postos naqueJla parte, cue olha-
va o baluarte ^\ Thomé , dava huns
longes de o tomar por esca^t , e de-
terminando dar o assalto aos dez de
Agosro , aos nove msndou recolher a
artelharia , que tinha nas estr.ncias ; e
porque desta novidade lhe podiamos
rastrear o intento , tratou de nos asse- Tr^/a
gurar com outro novo engenho. Man- Ruim*
dou na mesma noite hum Abexim á ^^"^'^ ^i'
fortaleza , industriado de hum sotil v^'*^'?'-
engano ; o qual chegado ao muro , "'^^*
fingindo hum temeroso recato , hra»
dou pela vi^ia , dizendo , que o re-
co:'!e3sem dentro , porque queria tra-
tar com o Capitão cousas de grande
pe-
204 ^^^^ DB DJoXo DE Casyrò-
pe^o. Recolhido , e escutacío por D.
Joáo Mí^scarenhqs , começou a are:>
gnr discretaiT5ente , execrando a per-
dição do estndo em que se achava,
pois nacido de pays Chrisiáos , per-
jurara a fé pateína , em (]ue fora
cre.ido , como fruto aborrivo de Ca-
tholicas plantas , e que agora já com
os olhos abertos vinha bater ás por-
tas da Igreja , para que os Sacerdotes
Latinos encaminhassem ao curral de.
Christo táo p*rdidá ovelha ; que esta-
era a miserável relaçam de ráo des-
concertada vida i que nos particulares
de Cambaya lhe aftirmava ♦ que o Sol-
táo tivera aviso , como o iVíogor com
podero-io exercito entrava pelos con-
fins do F.eyno ; pondo-ihe iiido a fer-
ro ; e que Juzarcáo , que pouco antes
viera ao exercito com treze mil in-
fantes , trazia ordem para se unir com
Rumecáo , e juntos fazerem cpposi-
çáo ao inimigo ; que com esta resolu-
ção mandara recolher a aitelbaria ;
porem que estivesse avisado para es-
perar hum assalto geral ao seguinte
dia , porque queriam os Turcos que
aqaella guerra acabasse com algum es-
tampido. Dom Joáo iVascarcnhas lhe
louvou , e coníirm.ou a resolução Ca-
thoin^ , que havia tomado , e no
mais
L I V n o II. lof
ronis lhe agradcceo o aviso , tornan-
do-o a lançar pelo muro, para que o
fizesse sabedor de qualquer novidade que
houvesse no campo.
Derramou-se pela fortaleza a r.o\'a
de levantar-sc o cerco com a certeza
do future assalto , e os soldados ale-
gres vestirão aquelle dia galas , huns
festejando a vinda do inimigo , outros
o fim da guerra. O Capitão mqr achou
a gente muy disposta a esperar o as-
salto , que como na opinião de todos
era o ultimo de tão prolixo cerco , ca^
da hum queria deixar de suas obras a
memoria mais fresca.
D. Fernando de Castro estava de jd. Ttri
cama , curando-se de febres , e saben- nnndm
óo do assalto que se esperava , se le- doente
vantou , fazendo força o brio á natu- acode tr»
teza^ o que D. João Mascarenhas tr:\' l^nhiar-
tòu de lhe impedir , humas vezes co- '^«
mo Capitão , e outras ccmo amigo ;
mas como nesta parte a desobediên-
cia parecia virtude , quiz antes errar
contra a saúde , que contra a opinião ,
vestindo arm.as , e acodindo ao ba-
luarte.
Amanheceo o dia do glorioso S,
Lourenço , dedicado com sua felice
batalha a martyrios de fogo. Acudi-
rão a suas estancias Fidalgos , e sol-
da-
2o6 Vida de DJoXo de Castro;
dados , com r?.nto alvoroço , como se
já tiveráo pos'Q èo premio , c da vic-
F/n^f o ^^fia- Logo viria de longe abalar-se
inimiga O ex'erv'ito inimigo com ordenada mar-
novo as- cha , derramando-se em torno da for-
4aIto^ taleza. Laborava a nossa artelharia com
nam pequeno effeiro , porque o ini-
migo , como soldado , sofrco a carga
sem descompor a ordem com que vi-
nha marchando , até ganhar o posto ^
e arvorar escadas para dar o assalto.
Chegarão a accommetter os baluartes
com resolução grande , querendo cevar
os nossos na peleija , para .que a coníu^
são do con flicto servisse de cuberti ao
engano do fogo , que rinháo maqui-
nado. Faziáo os nossos grandes genti*
lezas nas armas , como quem se apres-
sava a descansar na vicioria- prometida
no termo doeste dia.
No baluarte S. João se resistia i
violência do ferro , sem remer í\ do
fogo. Peleijaváp os inimigos tibia-
mente até que lhes chegou o sinal
de se dar fogo á mina , retirando-se a
hum mesmo tempo todos ; porém o te-
mor igual , e súbito nos descobrio o
engano. Bradou logo o Capitão mòr
dizendo , que. deixassem o baluarte,
para que sem dano rebentasse a mina ,
já conhecida na improvisa retirada do
ini
Livro IÍ. 207
inimigo. Obedecerão todos ás vozes
do Capiráo mór , deixando o posio ;
porém Diogo de Reynoso , com de-
sordenado valor sustentou o lu^ar ,
tratando de covardes aos que o de-
samparaváo. A estas vozes toriiaráo
lodos a occupar o posto , nam queren-
do seguir 2 razáo senão o exemplo.
Rebentou Jogo a mina com espan- P"^ Z""^*
toso estrondo , e aquelles valerosos " ^'"*'*
defensores sustentarão mortos o lugar,
que defenderão viv05. Aqui acabou Pessoas
Dom Fernando^ de Castro em idade ^"^ p^-
de dezanove annos , levantado de hu- rccerãa
ma doença, que, a natureza pudera fa- "^*^''*
tQT leve , e o valor fez mcrrai. Mor-
leo D. Francisco de Almeyda , conti-
nuando-ge nelle o valor , e as desgra-
ças dos de seu apellido. Aqui licaráo
também sepultados Gil Coutinho . Ruy
de Sousa , e Diogo àe Reynoso , que
pagou com huma vida tantas mor-
tes , de que havia sido generoso , mas
fatal iniírumento. D= Diogo de Sor-
tomayor , voando com huma lança
nas mãos , cahio em pé na fortale-
za , sem receber lesão do fogo , nem
da queda. Alguns cahiráo no arrayal
dos inimigos ; quasi sessenta homens
perecerão nesta desaventura , e treze
que escaparia cem a vida , ou fica-
rás
2o8 Vida de D JoXo de Castro.
ráo feridos , ou disformes do fogo. Es-
crevem outros com dilatada penna o8
casos d'este incêndio. Nós por náo las-
timar a attençáo de cjuem ler esta His-
toria , quizeramos nos successos de ráo
ilustre cerco deixar antes em siJencio
este infelice dia. Admiraráo-se os nos-
sos de ver , que foy táo grande o ef-
feito da pólvora opprimida , que as
pedras da fortaleza , arrebatadas do vio-
lento impulso , matarão muitos no c^m-
po do inimigo, obrando o fogo mais
á vontade da natureza , que ao regula-?
do limite do inventor da mina.
Passado algum espaço , logo que
p fumo desassombrou a fortaleza , man-
oou Rumecáo entrar quinhentos Tur-
cos pelas ruinas do baluarte abrazado,
Vahr scguindo-os de tropel o restante do
notas)el campo ; porém acharão cinco valero-
de cinco SOS soldados , que lhes fizcráo rosto ,
soldados sustentando largo espaço o peso de
-iíêfios, tão nova batalha. Verdade táo estra-'
nha , que necessita de tanto vslor pa-
ra SC escrever , como para se obrar;
porém cal i ficada então na confissão dos
próprios inimigos , e agora nas cans
de tantos annos. Acodio logo áquei-
la parte D. João Mascarenhas com
quinze companheiros , e vio dous
espectáculos i hum que meiecia las-
ti-
Livro II. 209
tima , outro espanto ; c soccorrendo
aos cinco soldados , fizeráo todos lào
dura resistência ao inimigo , que bas-
tarão a retardar a fúria de hum exerci-
to já quasi victorioso ; caso que reteri-
do só com a verdade nua , excede tu-
do o que escreverão , ou fabularão os
Gregos, e Romanos.
Correo voz pela fortaleza , que os
Turcos estaváo ja senhores do baluar-
te abraZAdo , com o que alguns sal-
dados 5 que nas outras estancias pclei-
javáo , correram áquella parle , como
de mór perigo , e quiçá que este fal-
so rumor salvasse a fortaleza , porque
formr.ráo hum grosso , que bcísiou a
fazer rosto a treze mil infantes , que
tantos contáo nossas Historias , que
commetieráo o baluarte da mina. As Erf^rçã
mulheres, como ensinadas a despresat (•<; íjá/lí/
as vidas , acodir.ío a ministrar lanças , Femeri^
pelouros , e panelas de pólvora; e aquel- dcs , c
la valerosa Isabel FernanJcs com hu- "^^t^
ma chuça nas máos , ajudava aos sol- niulhc-
dadoj com as obras , muito mais com '''^^'
o exemplo , e com as palavras , di-
zendo em altas vozes ^ Peleijay por
vosso Deos , peleijay por vo^so Key ,
Cavalleiros de Christo , porque elle
esiá comvosco. Os inimigos , como o
successo da mina Ihc^ havu abórío pa-
IA
210 Vida DE DJoSo DE Castro;
ra a victoria huma táo larga porra , da*
terminarão este dia concluir a empre-
za , incitados do General, e da occa-
siáo , peleijando já como favorecidos ^
os que combatiáo no baluarte > poía
ambição de ser primeiros em facção
táo illustre , se portaváo com mais ar-
dor 5 que os outros ; e como eráo Ja-
nizaros , e Turcos queriáo só para si
a gloria d'cste dia. Rumecáo mandou
nas outras estancias reforçar o assalto,
para com a diversão , em poder táo
pequeno , facilitar a entrada.
Esteve por muitas vezes perdida a
fortaleza. Os inimigos muitos , e des-
cansados ; os nossos , sobre táo pou-
cos y vencidos do trabalho de resisten-
C Fi^<»- cia táo desproporcionada. Aqui acodio
rio a/li' o Vigário joáo Coelho com hum Ghris-
ma os to arvorado , dizendo , que aqueile
soldados, Deos 5 cuja causa defendiáo , era o
Autor das victorias ; com cuja vi ta
íilenrados aqueíies fieis, e foites com-
panheiros , parecia que obraváo com
forças mais que humanas ; porque ne-
nhum mostrava das feridas ira^uezi ,
ou sentimento , durando na bat.ii/ia com
o mesmo ardor , e espirito com que a
começarão.
Jâ declinava o dia , e os Turcos
, com os nossos mcnalmente abrazados ,
por
Livro IL m
por humas mesmas feridas vertiáo san-^
gue próprio , e alheyo ; e como hum
exercito inteiro carregava sobre táo
poucos defensores , chegarão os nossog
jold.dos a receber muitas lançadas cm
huma só ferida. Parecerá exageraçam
o que como verdade referirrjos. Os
grandes feitos , que os Portoguezes
obrarão neste dia , o Oriente es diga ,
cu cuido , que da i ilustre Dio , lhes
será cada pedra hum epitatio mudo*
Porém dos cinco Cavíilleiros , que ha-
vemos referido , náo deixaremos com
ingrata penna os nomes em silencio.
Estes foráo Sebastião de Sá , António Nomes
Peçanha , Benio Barbosa , Berthola Ví^j <^i'»-
rtieu Corrêa 4. Mestre Joáo Cirurgião ^<^ solda'
àè nome. Com a peleija se acabou o ^^^^^
áia -y mandou. Rumecáo tocar a reco-
lher • depois de . haver perdido ncsie Refira-
assalto setecentos soldados , e sem se Rn-
conta os feridos , de que morrerão mccão.
muitos mal assistidos na cura , porque
pola multidão cansaváo os mestres ,
c faltaváo os remédios. Dos cinco Ca-
valleiros , que defenderão o baluar-
te , morreo só Mestre Joáo despeda-
çado de muitas feridas 3 que deixou
bem vingadas , sem querer deixar a
briga , nem obedecer aos amigos , que
o retiraram como pessoa táo impor-
P tan-
212 ViDá deD.JoSoi^eCastio,
tente pola arte , polo v^lor não me-.
Partlcu- nos. Isabel Madeira sua miilhcr aco-
lar va- So a atar-ihe as^ feridas morraes , e de-
Itír He pois de o enterrar por suas màos com
Isabel poucas lagrimas , e grande sentimen-
Mc.dci' to, acodio ao trabalho das tranqueiras
»•«. com as outras matronas ; valor estra-
nho , on raras vezes visto amda no va-
láo mais constante.
Logo que se retirou o inimigo ,
mandou D. Joáo xM?.scarcnhas enter-
rar os morros , que estaváo nas ruí-
nas do baluarte , sendo levados- de
hum sepulchro a outro. Foráo enter-
rados juntos pela estreiteza do lugar ,
e do tempo ; talrando- fúnebres hon-
ras , e piedosas lagrimas a táo hon-
radas cinzas > porém dormem com
saudade mayor da pátria cm humilde
jazigo , que aquelles , que em urnas
de alabastro deixarão de huma vida
sem nome ociosa memoria. A D. Fer-
nando de Castro depositarão em se-
parado emerro , por se o Governa-
dor seu pay qiiizesse trasladar-lhe os
ossos a lugar diíFerenre ; lavtar-lhe-Kia
tumulo mais soberbo , porém náo mais
illustre. Depois que o Capitão mor
cobrio aos companheiros d& piedosa
terra , acodio a rep:^rar o estrago , que
deixara o assalto nas paredes, a que
aju-
Livro II, 2J3
aiudmo as mulheres companheiras do
trabalho, e perigo., sem reservar tem-
po , e lu^ar para a dor , e lagrimas
dos filhos , e maridos , què viráo es-
pirar com seus olhos , e cilas mes-
mas haviáo sepultado , encobrindo o
sentimento natural com nunca visto
exemplo.
Reparados os baluartes com as pe- ^eter-^
dras ainda quentes do sangue , e do "J^"^Ç'^<'
.incêndio , chamou o Capitáo mór a ! '^/"
conselho os poucos companheiros , que ^'^^ '"*''*
sobreviverão ao estrago , representan»
do-lhe o miserável estado em que se
achaváo ; a mayor parre dos defenso-
res mortos -, os que ficavão eicfermos ,
e feridos ; destroçadas as armas ; cof-^
«rupto o mantimento, as muniçv^ens gas-
tadas j a fortaleza posta por terra ; os
mares com os temporaes do inverno
cada vez mais cerrados , o inimigo
vigilante , e soccorrido por horas ,
com a noticia de todas estas faltas i e
que considera Jo pedia a todos , que
náo se lembrando das vidas , o acon-
selhassem , como melhor pcderiáo sal-
var a honra de seu Rey , e as suis ;
que entendessem , que esravao como
espectáculo áo mundo , e tinháo so-
bre si os olhos do Orienre todo , expos-
tos z merecer a mayor fama, ou a mayof
V ii in-
^4 VióA DE^D; jdliô DÉ Castko.
infâmia j 4^6 se nlo podiád alcançar a
yiçíona 5"'pociiáo' privar" áella aos ini-
migos , pois estava nas mios de rodos
p poder ?.cabar gloriosamente , ganhan-
do mayor honra destroçado^ , que os
Mouros victoriosos j qiie os havia cha-
naado para lhes communicar a resolu-
ção cm que eslava , esperando , que
todos a approV':Hí>sern , a qual erá que
em se gastando ' esse pouco mantimen-
to , e muniçoens , que havia , quçj»
mar a roupa , cravar a arrelharia , e
sair com as espadas nas mãos a buscar
o inimigo , parx que náo pudesse cha-
mar vict0'ia aqaeíla , em que não
acharia cativos , nem despo;os. Ou-
vido D. joáo Mascarenhas , não hou-
ve soldado a quem náo parecesse que
tardava o eííeito de resolução tão vâ-
lerosâ. Diga Roma , se acha nos
sens Annaes escrita huma acçáo tão
illustre dos seus Fabios , Seipioens ,
'OU Marcellos.
Em quanto estas cousas passavao,
^ '^^^'^^ andava D. Aivaro de Csitro com as
^'^ ' j' tormentas do inverno a braços ; poí-
voro de , ^ i l
CiJtro. S^^ sendo vinte , e quatro de Junho ,
tempo em que se náo deixa navegar
aquelles mares , eile , temendo o pe-
rigo da fortaleza , e d.?sprezando o
4a armada , lorçava o rerao navegan-
do
.-^^x^A-^í^ l."^-.?! O II. 215'
òo por debaixo das onda?. Era o ven-
to travessão , e es nitres andaváo táo
cruz.tdus , c soberbos , que cçmiáo o^
navios , huns abertos 'com a força do
venço , outros sem mastos , e desen-
xarcea dos anJaváo sem governo á von-
tade d:is ondas , e se hiáo alagando
por hum , e outro bordo , sem ne-
nhum obedecer ao leme. D. Álvaro
obstinado em soccorrer a Dio , anda-
va a huma , e outra parte errando ,
vendo-se por momentos soçobrado ;
até que com o trabalhar do navio , Arvlha
lhe sal [OU o leme fqra , com o cjue Ba^êin
impaciente arribou a Baçaim destroça-
do com alguns navios de sua conser-
va y outros tomarão difFerentes por-
ros , e ensead.ts. Aqui achou D. Ál-
varo a D. Francisco de Menezes ar-
ribado com j mesma fortuna , de-
pois de haver huma , e outra vez ten-
tado o golfáo , que achou com ral bra-
veza , que alijou ao mar as muniço-
ens , e mantimentos qwe levava , por
salvar o casco.
Neste tempo chegou Anronio Mo- ^^^5**
riz Barreto com o caraveláo d.^s mu- ^■^"•^ -"^
niçoens ; e cor.^.o era táo geral a tor- '^^^"'' ^
menta , esteve muitas vezes perdido , ^^f»^*"'-
C surgindo o entregou a D. Ai varo
com animo de pa?saV a Dio , a despei-
to
ii6 Vida de DJóXo de Castro.
to dos mnres , em qua!(^uer embarca-
ção que achasse , como saboreado dç
hum perigo par^. entrar em curro. Es-
te dia , crescendo o tempo, começou
a çnssear o caraveláo , e trincou duas
«marras i e como era baixel táo im-
portante 5 por trazer as muniçoens do
soccorro , remou D. Álvaro acodir-
lhe i e por mais que trabalharão os
marinheiros , náo puderáo çhegsr-lhe
Snlvíi o c°"^ ^ ^"^'^v''^ ^^ tempo. Porém Anto-
caravç' "»c) Moniz Barreto , metendo-sc em
-jâa M huma G ai veta , que acaso achou na
manti- prava , os de terra o viráo mil vezes
msntos. soçobrado ; mas com.o era embarca-
rão táo leve , e nio fazia resisten-»
cia aos m.ares , sobre elles vagamen-
te se festinha. Em íim chegou » deu
cabo ao caraveUo , o qu'*! contra o juizo
de todos , com mais forcuna qnç ra-
zío , trouxe ateado. . E f.zendo discur-
so qje só aquella embarçíjçáo , por le-
v5 , c pec3uena , poderia penetr.ir ma-
res t£0 i^rossos , na qual faria menos
impressão^ o choque e embale das on-
e-á5 , a comprou a hum mercador ce-
creramenre , e com alguns marinhei-
ra . ros p:5s;g^ á sua vontade , se veyo em-
J/;;T barcar nel!a. Estna ac:^so ng prayi
2ii^:'i <^-''CÍa Rodriguez de Távora , e ven-
pnra do a lesoluçáo de Antomo A:oniz ,
L I V R o IL 217
IfíC pedio o levasse ccnsigo ; escuscu-se
o Moniz dizendo , cjiie iKe não con-
vinha acoinpanhar-se de homem láo
grande , que lhe fizesse sombra , por-
que «queria só pira si este peric;o , sem
que na sua embarcr.çáo parecesse se-
gundo. Garcia Rodrigues lhe affirmou-,
que em toda ?. parte confessaria , que
clle era o que o iQvava , e que disto
lhe passaria e?criro;i. Com tanto escrú-
pulo se trataváo naquelle tempo os
pontos da opinião. Satisfeito António
Moniz d'esie comedimento , deu lu-
^ar a Garcia Rodriguez ; e vendo-os Aí/*tfír/
hizer-se ao mar Miguel de Arnide ,.hum ile Jrni-
soldado de corpo ai;igantado , c mayor «^ ('s
ainda no brio , que na estatura , bra- ^cempa-
dando lhes de terra , lhes disse : Como , "^^*
senhores , sem mim passais a Dio ? Náo
cabeis cd (" lhe respondeo hum delles. )
Mas o valeroao soldado , lançando-se
ao már vestido , com huma espingar-
da na boca , hia nadando demandar a
Galveta. E vendo António Moniz ráo
grande gentileza , pairou para o reco-
lher dentro , dizendo , que levava hum
bom soccorro a Dio , em táo bom
companheiro.
Foráo aquelles Fidalgos navegan- Perlrot
do com tempos tão rijos , que an- «^a vm-
daráo todo aqyeUe dia , c noiíe à g^^'
mi-
2t8 Vid/^ de DJoXodé Castro.
misericórdia dos ventos , obedecen»
do a Galvera aos mares sem carreira ,
ou govemo. Huír.as vezes a faziáo sur-
•^ir as ondas , outras perder o <]'ie ti-
mháo canjado. Foráo correndo com
huma monera ao pé do masto á dis-
xriçam' dos mares , a^ue a alagaváo por
hum , e outro bord-^ , os quacs ape-
arias podiáo vencer com baldes. Nesta
íadií^a , e risco passarão a noite toda
fendidos do continuo trabalho , sem
•que com a escuridão d^ella , e cerra-
ção do tempo , pudessem conhecer a
paragem em que estaváo. Amanheceo
o dia com pouca differença da noite,
e elles continuando com a luta das
ondas , aic que sobre a t:rde houveráo
vista da fortaleza ; porém táq arrasa-
C/jcoão da , que apenas se dava a conhecer
a Dio, polas ruinas. Chegarão cm íim a dar
fundo , sem que fossem sentidos das
vigias i argumento de ser a fortaleza
perdida. Bradou António Moniz alto ,
e sendo ouvido dos de dentro , fo-
ráo correndo dar aviso ao Capitão
-Dtsc^n- rnbt. Aqui se conta , que perguntan-
fianci do as vigias , quem erâo ? Responde-
bvlo\r. ra hum soldado , que Garcia Rodn-
</<".*fj guez de Távora ; o que António Mo-
tfotis /1%-niz sofrendo mal , disse j que eile era
dal^os. o que aUi vinha i e pudera a descon-
Livro II. 219
fiança chegar a mayor rotura , se Gar-
cia Rodrigues cortez , e comedido »
não temperara o animo de António
Moniz justamente sentido ; se^ bem o
tempo , e o motivo puderáo fszer
desprezar queixa táo leve. Chegoa
D, João Mascarenhas , e levando-o$
nos braços , lhes disse , quanto esti-
mava táo opportuno soccorro. Per-
guntou a António Moniz , onde se
achava D. Álvaro de Castro , o qual
lhe respondeo em voz alta , que os
soldados ouvirão : Aqui senhor , em
Madrefabat o tendes com sessenta na-
vios , e com a primeira vaga do tem-
po lhes vereis as bandeiras. E em se-
creto lhe disse , que ainda ficava cm Dco no-
Baçâim arribado , depois de rentp.r o vas de
golfo muitas vezes, mas táo impacien ^. --í»*
te na t^,rdança , que náo esperaria tem- ^aro^
po para. vir soccorrelo. Esta nova foy
festejada de maneira , que os soldados
com danças , e folias , esqueciáo os
trabalhos , passados , na esperança do
soccorro vezinho ; e os que haviáo
miJitndo com D. Álvaro , com a ex-
periência de seu brio , certific2váo a
vinda a despeito dos mares e dos ven-
tos.
D. João Mascarenhas agasalhou
05 hofpedes no baluarte S, ]oáo , e
S.
líio VídadeDJoSo ds Castro.
S; Thomé (^ue eráo os mais arruina^
dos, dando-ihes estes mimos da guer*
ra , como a beneméritos dos mayo-
res perigos. Náo era neste tempo me-
nor o risco , mas já menos te?niJoi
Mandou António Moniz a embarcação
cm cjue viera , a seu primo Luiz de
Mello de Mendoça , que li^a havia pedi-
Uvlsa o do. Passarão nella alciuns soldados es»
cnpittio tropeados com cartas do Capiráo mor
tnór a a D. Alvaro de Castro , cm que lhe
V. Al* (j;iya conra de todo o succedido , re-
Vúr9, ferindj-lhe em summa as necessidades
que temos relatado. Chegou a Galve-
ti a Bíçiim com grande alvoroço dos
que n viráo , polas novas de estar ain-
da por ElRey a fortaleza , se bem
miítur.^das com as fezes de tantas mor«
te> 5 entre as qnaes foy muy sentida
íj de D. Feinando de Castro , que em
táo verdes annos deixou de si táo hoix-
rada memoria. D. Alvaro a recebeo
com a constância de soldado , tomando
por alivio achar-se com a espada na
O (juaJ mio para vingaia. E logo aquella mes-
sahc de ma tarde mandou sahir a armada com
haçainu ordem , que todos puzessem a proa
em Dia , e qns nenhum navio aguar*
Conú' ^^'^^^ F^*^ outro.
v.^n R«- E-ãret?,nto Rumecão vendo , que
k;í^í,íV) ííj obravão mai3 as minas, que os assaU
minas, ^OS >
Livro H* ^^i
tos , sabendo de alguns escravos , qn«
da ío.-talcza haviáo fogido da fome , e
Ao perigo 5 o «emimemo com que os
nossos estaváo pela fcAlta de tantas pes-
soas illusires 5 ^ue acabarão na mina ,
e a estreiteza com que se repartiáo as
n)uniçoens , e mantimentos , resolveò
conuinuar as minas , que se obrâváo
<;om menos risco , e com maycr et-
feito i para cujo intento mandou pi-
car o baluarte 5'anctiago , e o lanço de
muro que para elle corria , tudo por
estradas torcidas, e encubertas , para
fios esconder o desenho , e assegurar
os seus trabalhadores. D. ]oâO Mas-
carenhas cauto , e prevenido , argu-
indo d'aquella breve pausa que fa-
ziáo as armas do inimigo , que traba-
lhava em outra nova mina , temendo-
se do baluarte de Amónio Peçanha , ^^^^
!nandou-Ihe fazer alguns rep.-^iros , ^ J^lHl
íibrir escutas , por onde conheceo , que ^^^^^ ^^
por aquella parte se picava o muro : o ^.^^^^^^
qual o inimigo achou táo forte, que o j^iias.
ráo podia romper o picão ; difficuldade
que venceo com vinagre , e fogo. Dori-
de se vc que a estes inimigos da Ásia
náo falrava valor , nem disciplina , como
erradamente escrevem , os que cm aba-
timento de nossas victorias , imagirín-
ráo os Mouros Orientaes bárbaros , e
bi-
212 VíDA DE DJoXo DE Castro.
bisonhos. Com este artificio começou
a arruinar o muro ; e logo entre o
baluarte S. Thomé , e o Gubello , or-
denou Rumecáo , que se lavrasse a mi?«
na ; a qual sendo conhecida dos nos-
sos 5 lhe fizeráo contramina , e alevan-
taráo por dentro huma parede forte ; c
como esraváo faltos de materiacs , e
gente , acodirão aquellas honradas ma-
tronas ao serviço de táo pesada obríi
em beneficio dos feridos, e enfermos ,
que náo podiáo suprir este trabalho 9
nem táo pouco escusalo.
Logo que Rumecáo teve posta em
perfeição a mina , determinou á som-
ÍDta delia dar hum geral assalto , c
chamando a si 03 Cabos do exercito,
e os que estaváo escolhidos para es-
calar o muro , escrevem que lhes fez
Jnlma ^^ta falia ; „ Aquellas ruínas , que
Rume- 9> estais vendo , tintas no sangue de
caã os )) nossos companheiros , háo de ser
seuspa- „ hoje nosso sepulchro, ou nosso alo-
rã outro „ jamento. Cem soldados sáo os que
assalio, „ guardáo aquellas estragadas mura-
5, lhas , aos quaes a fome , e as feri-
„ das tem tirado as forças de sorte,
5, que só peleijamos com as sombras ,
^ dos que já foráo homens , ofFerecendo
„ os miseráveis aos nossos alfanges
„ vidas sem sangue. A honra , que
,, nes-
Li V r o II; ' iij
^3 neste cerco tem ganhaáo com v.ilor
5, infelice , ha de ser toda nossa , por-
55 que do fim da guerra tomáo nome
5, as empresas ; que o mundo julga
„ sempre o yalor da parte da ultima
,, fortuna. Acabemos de f,anriar aquel-
j, lá fortaleza , subamos a este m.onre ..
^j, de triumphos , vingaremos infini-
'jy tas injurias com hum a só victoria.
"^f Livremos esta escrava da Ásia das
Vj prisoens do tributo ; livremos nossos
f^ mares , qcie debaixo de suas armadas"
^, violentados gemem. Com este uiti-
-,,'Tno assalto porem.os fim à táo illus-
*^3r, tre empresa , e se acordará o Orien-
•„ te idades largas com alegre memo-
'i,- ria de tâo fermoso dia.
' ^■" Acabada a "pratica , frjliou , e ani- ^j'''''^^-
fnou aos particulares com razoens ac- ''^'" '^
commodadas ao tempo, e ás pessoa j , ^f^"^']'^
sinalando premjos aos primeiros que '^^''''*^^'*'
subissem ao muro , como poderá ' o '^^'
mais sábio , e pratico capitáo da Eu-
ropa. No mesmo dia , que foy o de
áezaseis de Agosto, sahio o inimigo
com todo o poder, de seus aíojamen-
tos , e repartmdo-se ordenadamente
pelos baíuart-s , deixou o mayor gros-
so do exercito , para accommetter o de
Sanctiago , por onde esperaváo abrir
a poru á victoru , -ao qual se àrfo»»-
ráo
22-4 VíoaoeD.JoXo DE Castro,
fáo tumukuariamente , dando cspar.»
tosas voses , e tirando sobre elles
grande copia de armas .de arremesso-
para chamarem á defensa a mayor for-
-, . ça dos nossos. Ateou-se por e^ ia parte
com mayor calor a bri>a , ate que na
n mina r j -^ n- r • i ^. ■ :
com da- ^^^Ç^ "^ conHicro , hngmdo o mimi-
iw das S^ ' ^"^ ^^^'^ ^ nossa resistência , se
inimi' xetirou subitamente, como à sinal cer-
gci, to. Os nossos , que esta vão sobre ayi*
so , conhecendo o engano no- temor
simulado , com <]ue se feirahiáo , se
àparraráo também do baluarte , espe-
rando c]ue rebentasse a mina. Deráo-ííie
os Mouros fogo , o qual achando re-
sistência T)os repjxos , e escarpas da
muro , que lhe contrapuzeráo , reben-
tou pela face de fora retrocedendo ;.
e voando, a cortina do mtiro , a lan-
çou sobre os Mouros cora tão grandp^^
vidência , que matou mais de trezen-
tos , e. muitos mais ficarão estropea-
dos.
Ficou a fortaleza espaço grande es-
condida em niivens de pó , e famo^
sem que de huma , e outra parte se
conhecesse o d.\no y mas logo que se
começarão à adelgaçar os ares , aco-
dio o inimiga em tropas z subir pelos
estragos , e rtxíiias do fogo , com tanta
certeza de vicroria- , qju^- hims. aos ou-
tsoa
L í V B o II. 21?
tros fsziío impeuimento , espmulacios
da cobiça do premio , ou da imbiçáo
da honra. Porem os nossos os rece-
berão nas lanças , fazendo-os voltar em
pedaços sobre os opprimidos da mina.
Trás estes accon^mei terão outros , oue
depois de peleiiarcrm gra;ide e paço ,
foráo também derribados dos nossos ;
aos qudcs des.'itinaváp muitas seitas ,
chuços , e alcanzi.-.s de fogo , que ti-
raváo do campo , com que nos encra •
vaváo alguma gente , e impediáo a de-
fensa aos soldados attenrps a hum c
outro perigo ; porém assi abrazados ,.^^
feridos , náo Houve algum ^ue largasr
se. o iugar que sosiinha , onde fizeráo
táo heróicos' feitos , como se deixáo
Ter no succe^so , e na desigualdade da
peleija. O fo^o , que. os Mouros lan-
ç£váo no baluarte , era tanto , que os
BOssGSívpeleijaváo em, hum incêndio vi-
vo i a f;ue o Capitão mór occorreo man-
dando trazer rin«s de agua onde mi-
tigaváo , ou exringuiáo os vestidos , e
corpos ahrazadcí. Como a esta parte ^c'
inclinou mais o poder do inimigo,, i:\^^
bem aqui lhe fez opposiçáo mayor "a
Éttrça dos no>sOi , com que se í.cendeo
í peieija mais viva , soccoriida dos
Mouros por momento; com ger.ce de
refresco j,e assistida com a pKSírnça ,
ç
■.v.:^
ii6 Vida de D JoÂo de CastrOit
e voz do General , que os esforçava.
António Moniz Barreto , e Garcia
Rodriguíz ^de Távora , deráo aqui de
seu valor huma illustre prova , soscen-
do o peso dos inimigos com constan-.-
cia não vulgar , mostrando os mesmos
brios nos perigos da terra, <]ue nos do
mar. Muita parte da honra d''estQ dia
coube áquellas nunca assaz louvadas
matronas, não só companheiras no tra-
Contlnu' balho , mas também no perigo. A boa
mo as velha Isabel Fernandes com huma chu-
mullieres ça nas máos , animava aos soldados
icu Vil- com palavras , e melhor com o exem-
ior, pio ; e as demais entre as secras , as
lanças , e pelouros, ou mostraváo seu
esforço , ou serviáo ao alheyo.
Nos outros baluartes náo estaváo
as armas ócio jas , porque em todos se
f eleijava , para com a diversão facili-
tar a entrada pelo de Sanctiago onde
havia febent.ido a mina. Ordenou tam-
bém Rumecáo , que se batesse a Igreja
da fortaleza , qiie podia ser arrazíida poc
estar emineme , crendo naqueile lugar,
seria mais sensitiva a oíFensa. Poiém
os nossos deráo tão grande pressa aos
inimigos 5 que chegaváo já troxos , e
tíbios a escalar o muro , detidos na
horror de seu mesmo estrago.
iVhndou Rumecáo tocâr a recolher
im-
L I V 11 o II. 127
impaciente , deixando sobre quinhen* Rstirão-
tos mortos , sem eonto os feridos. Qual- i^ osini-
<]uer dos nossos se podia contenrar com ^n^os
a honra , que ganhou este dia. Miguel ^^'^ P^'"
de Arnide , aquelle valercso soldado , *
se assinalou tanto , que mostrou ser
ainda aquelle corpo pequeno para ta-
manho espirito ; e como a táo creci-
da creatura acompanhaváo forças pro-
porcionadas , o que alcançava com o
primeiro golpe , escusava o segundo. MojatC'
Moiatecáo , que tinha vindo ao exer- cão low
cito Com hum soccorro grosso , e io ^^ ^ '"<*'
valor dos Portuguezes faliava com des- ^^'* ^*^
prezo , formando differenre juizo com ^'^^^''''
as experiências d'esce dia , dizia , que
eráo dignos de que os servissem as
gentês ; e que a fortuna do mundo
estava cm serem elles tam poucos ,
porque a natureza , como a leoens ,
os tmha feito raros^, encerrando-os nas
covas do ultimo Occidente.
Este dia perdemos sete soldados , e
fcarâo vinte e dous abrazados ; e já
os sáos eráo táo poucos , que náo
bastaváo a curar os feridos , e menos
â repairar as ruínas da fortaleza , pa-
ra que faltava tempo , materiaes , e
genre ; mas como Rumecáo achava
nos assaltos táo dura resistência 5 fazia
de nossas forças differenie concei-
Q to.
228 Vida DE. D JoÂo D£ Castro.
AvUado to. Neste tempo fugirão para o ini-
"Rume- migo três escravos nossos , os quaes
cao de Jevaccs a Rumecáo , lhe afnrmaráo ,
^'^\^^~ (]ue na fortaleza náo havia sessenta
í"'^''/ soiJados , que pudessem tomar armeis,
iíi^ idos, ^ ? 1 i ■ ' • 1 ■ r
e estes muito debiiitados com a rome ,
e continuo trabalho das obras , e vi-
gias 1 nos cjuaes náo acharia mais que
obstinação sem forças. Com a certeza
c'-e^iQ aviso , resoiveo Rumecáo assal-
tar-nos com rodo o poder para o se-
guinte dia , dechrando aos seus o es-
tado em que nos achávamos , e ma^^
dando , que todos o ouvissem da boca
dos escravos ; os quaes discorrendo pe-
lo exerciío , espt^.lhaváo alegres a rela-
ção de nossas misérias.
Dâoiiíro Logo que amanheceo , se ordenou
assaho, o exercito para dar o assalto , no qual
como o ultimo da guerra , se qu ze-
ráo achar todos, e alguns vestirão ga-
las 5 crendo . que hiáo mai« à uium-
pho , Gue a peleija. Snhiráo de seuá
alojamenros , com todas as insi/.nias
arvoradas, tocando d!ve?-;cs instrumen-
tos . q'J;? alternados cem a' vozeria
do campo , articulavão eccos barba
fos , e medonhos j e como frãzião
vencido o medo com as noiicras , que
lemos referido , de longe se avança-
íáo ao baluarte ;b\ Thgmé , c^ue por
CS-
Livro II. 229
estar quasi todo arrasado , as ruinas
lhes serviáo de escadas. Era de Tur-
cos esta primeira tropa , que arreme-
leráo confiados , como a dar a victo-
ria ; porém os nossos qnebr?.ndo enire
elles algumas panelas de pólvora , os n-
zeráo retirar abrazados. Com a mes-
ma fúria chegarão outros , que depois V^lerosa
de peleijarem slgum espaço , voltarão rcsisten-
tambem como os primeiros , sar.gra- '^^^ °^^
dos do nosso ferro. Mas Rumecâo , "'^^*^*''
crendo , que táo continua resistência
nos teria consumidos , como o ferro ,
que cortando se gasta , ajuizando nos-
sa fraqueza do seu mesmo estrago »
bradou aos seus , que subissem à tomar
posse da fortjJeza , qne já náo havia
(]uem se lhes opuze^se. Aqui arreme-
teo lumultuariamente hum ^iráo troço
de Mouros esforçado; , ou crédulos ás
vozes do General. Estes com o pri-
meiro alento cavâlgnráo o muro , e
começarão a pe!ei;ar com os nossos
braço à braço , muitos , e descansa-
<3o3 contra poucos já lassos , e feri-
dos 5 porém tirando torças do brio ,
e necessidade , se mostraráo táo va-
lentes aos últimos , ccmo aos primei-
ros. Alguns dos inimigos cahião , e
succediáo outros , com que esievc :;
forralezi a>ulias vezes perdida. Aqui
Q ii acg-
130 VíDA deDJoXo deCastro.
accdio D. João Mascarenhas animan-
do os seus , como gráo Capkáo , pe-
leiiando como o melhor soldado , e
próvido a todas as occurrencias da
guerra . tinha prompto todo o género
de armas , de que se ajudavão os nos-
sos , niinisrradas por aquellas valero-
sas mulheres. Luiz de Sousa , Capi-
tão d'aquelie baluarte , fez grandes
gentilez-ís nas armas este dia. Antó-
nio Moniz Barreto , Garcia Rodriguez
de Távora , D. Pedro , e D. Francis-
co de Almeyda , íizeráo obras dignas
de mjâvor escruuva ; e todos os mais
Cavaíieiros , e soldados , que aqui se
acharão , ajcançaráo bem merecida
fama=
j. Mandou Rumecáo accommetter o
baluarte S. João , crendo pela informa-
^ çao dos escravos , que acha^^se a entra-
cão o ha- ^^ rranca , mas obrarão tanto os pou-
Itujvte S. ^^^ defensores que tinha , que obriga^-
loãu y e ^^^ ^ retirar o inimigo com perda , e
rdira- com vergonh?. Rumecáo assombrado do
^s^ que via , afíirmavà , que eram.os instriir
mentos da indignação do Ceo cunrra
Cambaya , e se;>unda vez tratou de
applacar JVlafoma com algumas ex-
piaçoens barbaras , e ridicuias i e por-
que nos assaltos perdia muita gente
seiíi frutQ , e os soldados já tímidos
L I V n o II. 231
tíespreznvão 2 obediência com o hcr-
Tcr de tão ouondiano estrago , lor-
fiCU a tentar as minas , corno arri-
fiCio , ou mais eíHcaz . on mais se-
guro E prir^.^iro mandou abrir moi-
tas sérteirns na parede , que dividia o
exercito da nessa torraloza , por onde
r€cebiáo os nossos inuko dano , por-
que peleijavão como em campo raso ;
sem abrigo da muralha , que estava
arruinada. Começarão a laborar os
seus arcabuzes , dando continuas car-
gas.
Ordenou que com hum Qucrráo se ^ntenía
batesse .-i cisterna , a qual , se chegara orrorr.laf
z arrombar-se , nos perderíamos com ^ ' -'^íí^''-
SQÒQ j covcto mal sem remédio. Esta "^•
cisterna *isrá á enrrada de huma rua ,
que chamamos a Cova , que foy a ca-
va antiga dos Mou^ros , onde se re-
colhia a gente inuiií. Aqui cahiáo mui-
tos pelouros com dano dos m.iseraveis ,
que alli se abrigaváo , e perigo da abo-
teda que cobria a c sterna. A e te pe-
rigo occorreo o Cr^itáo mór , ordenan-
do huma tranqueira atra de vigas , e
entulho , com qne remediou hum . e
entro dano , furando as ca^as pela par-
te de dentro , -com- que de hum as a
outras se d. mi serventia «;egura.
Enuetaiuo traball:iav<iO os Mouros
2^52 Vida de DJoXo dh Castro.
na r??ina , que h ia demandar o baluar-
te Sanctia^o , o que entendido dos
nossos , ordenarão por dentro repuxos
forres , e abrirão algun*; vaons por on-
de se vâzasse o fogo. Chígado o termo
de rebentar a mina , achou tal resis-
tência nas escarpas, que deu com par-
Reuenta te do batuar:e para a banda de fora,
outra n^.arando quantidade de soldados , e
mha mineiros , que assistiáo na obra , sem
com cííT' (jue dos nossos perigasse algum , íi-
110 dos cando inteira a cortina do muro ; se-
iniml' fia caso , mas tão raro , que parece
S"^^' milagre. Em rebentando a mina , su-
_ . biiáo de tropel os Mouros pelas rui-
'ff^ nas do baluarte , donde se lhe oppu-
^''^'^ ^_ zeráo os nossos , desvelados das con-
^^^^ tinras vigias , debilitados das fomes ,
e feridas , sustentados mais. na gran*
deza do espirito , que em forças naru-
raes j mas ainda assi os í^nimou a hon-
ra-, e o perigo , de sorte , que pare-
cido peieiíar com forças descansadas ,
c inteiras , detendo a furiosa corren-
te do inimigo á custa d'eile mesmo.
Era o lugar capiz de peleijarera mui-
tos , e a desigualdade do número fa-
zia o perigo mayor. O ruido das ar-
ma? , a confusão das vozes , impediáo
T^ andar , e obedecer. Cairão muuos
IVIouros ^ luíxs pela diligencia dos Ca-
bos ,
L I V n o II. 233
bos 5 lhes sr.cccc:i5o outros , com o que
náo deixavso respirar es nossos , accom-
mettidos de longe com Armns de arre-
messo , e de perro p3'ciÍP.r.do biiço
a hrp.ço. Assi aturarão muitas horas^
nebta dura contenda. Tlveráo os ini- ^'''''"''f
m.igos íiií^ar de --arvorar ire-, bandeiras ** '"*'"*'
no baiuarre , defendidas- de boa- copia f ^'/*
j . , . r^, 1 r - bondei'
■de espiniíarJejros. u este íui:ar torço
cecendo r.o rnr.ro ate a lgre|a do .'^pos- '._,/, .^,.^^
rolo Sanctir.go , que ficava encostada ^^^nctla-
^.o mesmo B-iJiiarte , m.etenco-se ncs ai- ^^^
tos da casa ] com o que írcou o ba-
luarte , e a- rareia ^5 amerácfé susten-
tado dos Mouros , e a ourrà dos nos-
sos.
Sob reveyo a noite- , foriào termo tui^nd*.
i discórdia , não a paz , sénáo a na- do Cani"
rúreza ; ainda assi com gõlres vagos , '^^ "•'•'''
e ir^ceríos continuarão hurra" cega ba- "^-^ '-T^'
raih^. 'Ordenou logo o C? pirá o mór ''^^*
hiima fraca trincheira , qne mais nos
dividia , que amparava do inimigo ;
a qual <■-& obrou com as armas nns
mãos , quasi furtiva , ficando por alo-
j.imeniG dos moldados o lu5:riT da b:i-
talha ; onde, nem sobre as í^rmas , po-
diáo ter se.>uri>s hum pequeno repou-
so , pcroue nem para curar as feri-
das rín.h:.o tempo , cn luf:»?r cpporru*'
no. \áo descansava o Capuáo mor com
as
234 Vida de DJoXo de Castro;
as armas , e menos com o espirito.
Mandou aquella noite assestar hum Ca-
melo á porta da Igreja , que íicava a
cavalíeiro do baluarte , e com elle va*
rejava os Mouros , que recebiáo mui-
to dano , em quanto conservaváo a
posse do que tinháo ganhado , até que
se cubriráo com huma trincheira gros*
sa , que os assegurava.
- . , Náo se passava menos perigo no
íMe aí mar, do que na terra , porque logo
Li^h'de ^^^ chegou a Baçaim a Galveta de
Melld, António Moniz , ao outro dia , que
se contaváo quarorze de Agosto , se
embarcou nella Luiz de Mello de Men-
doça com quinze companheiros , e
*. apôs elle em hum Catur D. Jorge 9
e D. Duarte de Menezes com deza-
sere soldados ; e D, António de Ac-
tayde , e Francisco Guilherme cada
hum em seu navio com quinze sol-
dados. Luiz de Mello se foy logo en-
golfando, sordindo pouco, porque le-
vava o vento pelo olho , e quanto
Perigos mais se afastava da terra , via os mares
(jue lem j^^jg g^ossos ; 6 como a Galveta era
"^ '-'^ pequena , e estroncada, e as ondas
^'^"^' tão soberbas , que rebcntavão em flor ,
qnebrando-se cruzadas com a força do
temporal , começou a entrar-íhe a agua
por hum , e outro bordo , que os mari-
nhei-
L I V R o IL 235*
nheiros despejavam cem baldes , ven-
do-se por momencos soçobrados ; com
que já areados , e timidcs , grume-
tes , e soldados requeri áo a Luiz de
Mello , que arribasse , dizendo , que sa-
biáo peleijar com homens , e náo com
os elementos ; que )a náo era valor ,
senão porfia , perderem-se sem fruto j
que contra a indignação de Deos náo
valia esforço. Porem Luiz de Mello
os applacou , dizendo , que naquella
Galveta , e com a mesma tormenta
passara António Moniz , que náo le-
vava melhores comp-inheiros que elle ,
liem lhe tinháo m?Às cortesia os mares j
que ninguém acabara cousas grandes
sem perigo ; e que quindo seus com-
panheiros 5 e amigos estaváo ás lança-
das com os Turcos , náo haviáo de
esperar os mares leite , e os ventos ga-
lernos p?,ra ir a soccorrellos ; que quan-
do as ondas lhe comessem o navio, so-
bre a espada havia de chegar a Dio;
que trabalhassem , que Deos os havia
de ajudar.
O temor , ou o peio d*estas pala-
vras, fez por enráo aquierar a todos ^
a^si foráo aquella tarde , e noite lutan-
do com a tormenta , e-peranJo que
Cada onda os soçobrasse ; e nso po-
dendo já as forças com o trabalho ^
ven-
2^6 Vida de D.Joí^o de Castt^o.
vendo crfcer o tempord por instan-
tes , se conjurarão os marinheiros , e
soldados a obrigar a L-uiz de Meilo
por força , que arribasse; dó que sen-
Resiste úo avisiido por hum Gomez de Qua-
cos ijue dros , so]d;ído de sua obrigaçam , ro-
o^u-^reni ^Qyy gg atmas todas , e recolhidas no
arribar, payd , se poz em si ma com a espnda
na máo , dizendo , que aueni lhe fal*
lasse em arribar , ás estocadas lhe ha-
via de d.ir a reposta ; que a vida de
nenhum d"'ellc3 era de mayor preço
que a sui , para se não quererem
perder , onde elle se perdia ; que pu-
zessem os olhos em Dio , porque nem,
a honra , nem a silvaçáo tinháo já
outro porro. Vendo os soldados esta
resoluçáj , e os marinheiros mais te-
merosos ào Capitão , que da tormen-
ta , seguirão sua viagem sempre ala-,
gados , e com a morre bebida , pa-
recendo , que cada ra)ada de vento
£ke^<-t n ^^ sepultava. Assi forão em contin-jo
Vlo^y >i naufrágio navep;ando , até que sobre
JAnjvc:^ a tarde houveráo vista da fcrraleza ,
í/c D.Al- donde forpo olhados com cpanto , c
&aro. alegria. O" Mouros lhes ciraráo rr.ui-
tas bomba rdadas 20 entrar da barra ;
surgirão sem dano na Couraça , onds
o Capitão os vcyo a receber com gran-
de ^ivorcço , a quem I-uiz de Mel-
lo
Livro II. 2^7
Io âffirmou , one náo pcderia tardar
dous dias D. Aivnro de Castro ; nova
que foy festejada de toJos com demons-
traçoens que os Mouros entenderão ,
de que fizeráo juizo > que p.ndaria já
no mar o scccorro , á cuja C2usa deter-
minou Rumecáo apertar mais o cerco,
Luiz de Mello com os seus foy apo-
sentado no baluarte 5anctiago , de que
o inimigo tinha a mayor parte , que
Kâvia guarnecido com os solciados mais
escolhidos do campo , apostados a mor-
rer na defensa do que tinháo ganha-
do. Ao seguinte dia che;^nráo D. jor- Chegai
ge , e D. Duaite de Alenezes , ha- «/'''-^'J
vendo passado 03 mesmos riscos, com-^^^^S^'*
a mesma constância , que Luiz de
Mello. Com estes scccorros , mayores
na qualidade , que no número , pare-
cia que tinha já outro semblante a
guerra.
Imporrunavro os novos hospedes
a D. joáo Mascarenhas , que os dei-
xasse ver o rosto ao inimͣ;o , tentan-
do deitaio lora do baluarte "5anctiago ,
o que ç\Iq concedeo levemente , que-
rendo tombem acompanha-los. A prés- p,/,./;;^,
taráo-se para o outro dia, e em ^^^-senolnt-
nhecendo sobiráo pelos m»uros , cem luarte
que o inin-iigo se ccbna , lançando-^e .v^-u-Z/d-
aos Mouros táo impetucsamence , q^*e ^0.
os
2,38 VíDA DEDJoXoDECAsTKa.
os deitarão fora , sem lhes valer o es-
forço , e resistência com que se de-
fenderão, O estrondo das armas che-
gou aos ouvidos de Rumecáo primei-
ro , que o aviso , e acodir^do com to-
do o poder áquelia parte , tornou a
travar com os nossos com igualdade no
lu^nr , e venragem, no número. Aqui
se peleijou de ambas as partes , braço
a braço , e corpo a corpo , ferindo-se
com ns armas curtas , sustentando ca-
da hum com o sangue , e com a vi-
íia o lugar , que occupavn. Os nossos
com táo inferior partido, fizeráo tan-
tas gentilezas nas armas , que os Mou-
ros os olhaváo de fora com temor ,
e espanto ; porém como eiáo táo de-
siguaes as forças do inimigo , tornou
a recobrar aqueJia parte do baluarte ,
que já tinha ganhado , e reforçando-a
com guarnição dobrada , mandou dar
hum assalto geral á fortaleza. Pelei-
java-se por todas as partes com ])uma
mesma fúria , cahiáo m.uitos Mouros ,
huns cortados do ferro , e outros abra-
zados do fogo ; mas no mais vivo d 'es-
te conflicto se começou a escurecer o
dia com huma cruel borrasca de ven-
tos , agua 5 trovoens , e relâmpagos ,
parecendo , que no ar se âccendia ca-
íra nova batalha.
Os
Livro II. 159
Os Mouros Vendo que a agua nos Perigo
apagava as cordas , e que náo podiâo dajjrta^
ser oíFendidos com as panelas de pol- leza , e
vora , nem outros insrrumentos de fo- '"^^^'' ^'*'
go , interpretando a favor divino o '•^-■f^**'
curso , ou variedade dos tempos , per
entre espessos chaveiros se cliegaváo
aos nossos sem medo , com vozes , e
algazarras , como de quem tinha o Ceo
propicio, Foy este o dia , em que mayor
valor mosiraráo os nossos , e em que
a fortaleza revê mayor perigo , porque
GS Mouros se meriáo pelas lanças , e
espadas , ca brutos , ou valentes. Du-
rou seis horas tão porriado assalto , sté
que tornou a abrir o dia , e os nossos
se começarão a aproveitar das pane-
las de pólvora , ccrn que abrazavão
muiros , cuja vista aos outros resíricu ,
o orgulho , peleijando mais cautos , '"i'^*'
ate que se Lhes acabou o dia , e Ku- .
mecao tocou a recolher , deixando qua- ,^^^,;^^
íTOcentos mortos , e mais de mil fe- ^ '_^^
ridos i dos nossos faltarão sete, foráo
mais os feridos. "Neste assalto re acharão
rodos os Fidalgos do soccorro , mostran-
do no valor 2S mesmas qualidades que
no sangue. D. Joáo Mascarenhas fez
as vezes ds Capitão , e de soldado,
sabia, e valero=!amente ; assistindo sem-
pre ao perigo , sem f:^it^L- «o s:ov-t.-
joc corro
ao in-
240 Vida de D. JoXo de Castro.
no. Fsta noiíe passarão os ncssos muy
vigiados pola vezinhança do inimigo ,
que havia recebido do Solráo novas
honras , poios apertos , em que tinha
03 cercados ; e Jne havia entr.ido hum
soccorro de cinco mil infantes com
muitos Cabos Turcos , cjue Rumecáo
mi^o. ^'^-^ ^^cP ^visur com os nossos , para
lhes mostrar os contendores que ti-
nha , como em prova do que havia
cbriído.
Che^rto ^° seguinte dia depois do assalto ,
c Dio entrarão pela barra D. António de
mais ji' Attayde , e Francisco Guilherme, que
doidos, náo acharão menos bravos os mares ,
que os outros , que temos referido. Dis-
seráo , que não podia tardar hum dia
D. Álvaro de Castro , porque se tinha
já levado a armada com ordem , que
nenhum navio esperasse por outro» Os
soldados festejarão a nova , e o soc-
corro com musicas , e folias conti-
nuas , com que já pareciao passatem-
pos os perigos do cerco.
r)íf'ã-- Entendendo Rumecáo, que vinhão
chegando á fortaleza alguns scccor-
ros , e que em abrindo o tempo náo
senão os Portuguezes tardos em dar-
^;v.a. se huns aos outros a máo nos mayo-
res perigos , começou a desconiiar da
empreza , vendo que os trabalhos náo
Que-
f.a
Ru-
-ms.
\'io
~da
cnj'
Livro II. 241
quebraváo os ânimos dos nossos , e aue
os seus soldados nas conversaçoens
náo rinháo par jusii ficada a causa does-
ta guerra , accusando aos quebraniado-
jes da paz por nós íielmenre s;iiarda-
da. Temeo a disposição que via pa-
ra alí;r.m mciim 5 a que atalhava enca-
recendo o miserável estado dos nossos ,
e a infailibilidads que tinha da victo-
lia. Fez pagas aos soldados , e man-
dou pié;;ar pelos CaCizes a certeza da
gloria para todos os que morressem
nesta guerra ^ e as mercês com que o
Sokío havia de remunerar aos liber-
tadores da r. rria ■ náo se esquecendo
do temporal á volta do divino. E por-
que as minas eráo de rnenos rioco que
os assaltos j e obraváo com rr.avvreá
eíiciros 5 de-.e;miroa de as ir prose- Mreotf-
guindo. Com esie desenho mindou tra nurr^
abrir huma grande mina no lanço do '/"" '*
muro , que hia do baluarte S. joáo ^^"^^t^-
Á íechar na guarita de Antomo Pe-
çânha y porém como os nossos anda-
vao sobre aviso , ainda que Riimecáa
cauto , e ardiloso fazia aos cuíros ba-
luartes pontaria , mandando trabalhar
nelíes de noite com estrondo , para:
com esta diversão cobrir o intento j
com tudo D. ]oáo Mascarenhas teve
noticias òà mina , cc-n:ra a qual se
^s«
24^ Vida de D João de Castro.
assegurou como das outras vezes , tra-
balhando os Fidalgos nos reparos . cu-
jo exemplo fazia aos soldados o traba-
lho mais leve.
^^.^^^ Chegado o termo de se dar fogo
ihe fc^o ^ "^^"^ ' ^^ abalou o exercito , e co-
t os nos'' m-çou a tornear a fortaleza. Vinháo
áos d<i- <iiante dous Sanjacos capitaneando hu-
fendcm ma tropa de Turcos , (juc eráo os que
íis roíw haviáo de entrar pelas roturas , que
Tas, se abrissem ao rebentar da mina , a
qual com tremendo estampido levou pe-
los ares ioda a face do muro. Corre-
rão logo os Turcos , ainda cegos do
fumo , e da terra levantada nos ares
com o impulso do fogo , porem acha-
rão ourro muro contraposto , a que o
fogo , ou náo chegou , ou achou resis-
tência j viráo com tudo , que a guarita
de António Peçanha ficara por três
partas aberta , e voltando áquella par-
te as armas , inrentaráo ganhala ; mas
os nossos acodiráo a defende-la , corno
lugar mais fraco , retardando a corren-
te do inimigo.
Aqui andou por lium espaço a bri-
ga muy travada , peleijando cercado-
res , e cercados como em campo ra-
so. E crendo Rumecáo , que estava
naquelie lugar todo o poder do? nos-
soi , mandou accon;rr»e:ter qs outros ba-
lu-
- t I V R O II. 24 J
luartes , onde também os Portuguezes
lhe mostrarão o ferro. Meterão este
dia os inimigos infinitos pelouros na
fortaleza , dos quaes náo recebemos
dano , estando ella quasi arr'jin?,da ; ca-
so , que por ser raro , pareceo miiagro-í
so. Durou em fim o combate algumas Rctlrn"
horas , retirando-se o inimigo com o se o ini-
iiíesmo dano que outras vezes , 03 nos- mi^o,
SOS com a mesma fortuna.
Kumecáo , que ja tinha por injuria
a dilação do cerco , como homem
que buscava os perigos , e o dano por
desculpa , accommetteo o outro dia o
baluarte S. Thomé cm pessoa , fazendo Accorrt'
com seu risco exemplo , c mandou rnette
por diíFerentes Capitaens escalar os ou- Rw/^i^-
iros baluartes , parecendo a invasão '^^° ^
d'estes dias hum successivo assalto. A- ^ Jíf!"'*
qui peleijaráo os Mouros , mais co- ^\^'^*''
mo desesperados , que valentes cor- '"^*
rendo atravessados pelas lanças , e es-
padas dos nossos a morrer , e a matar
juntamente j mais promptos a offen-
der , que a reparar-se > buscando a
morte , como porta para a imaginada
gloria , que lhe prometiam os Caci-
zes , maquinando este diaboliso in-
centivo em beneficio da empresa , e
despreso da vida. Com esce ardor so-
frerão o peso da batalha muitas horas ,
R per-
144 VidX de DíJoXô ok Castro,
perdendo óitenra cios seus , sobre cu-
jos corpos peleijaváo , incitados di
doT , e da injuria dos companheiros
Hiortosi ■Bc;éijaráo cm Em com ral por-
fia y que- iusiemaráo aquelia parte do
baluarte-, onde se combatia , e nelie
arvorrtráo bandeiras , cobrindo-se com
vallos , e estacadas.
Succes- ^^^ andaváo menos quentes as ar-
sos na rn2s HO baluarte Sanctiago. Duas vc-
haluarte zes o tivcráo ganhado os inimigos ,
Sanctlã' mas foráo táo valerosamente resistidos
go, <|ue o tornarão a perder depois de
bem sangrados. Aqui foy tanto o fo-
-:;•' go , que os inimigos lançarão , que
os nossos pelei javáo abrnzados , soe-
correndo-se , por único remédio, das
tinas de agua para refrigera r-se. An-
tónio Moniz Barreto com dous solda-
dos se achaváo sós no baluarte , de-
* tendo a furia do inimigo ; e queren-
do o Moniz sahir-se a mitigar nas ti-
Vabr "^^ ^ ardor do fogo , travou d*elle
vartlcu' ^""^ soldado , dizendo : Moniz , dei-
lar de xais perder o. baluarte d'ElKey í Vou-
Aími j^/- rne banhar n'aquellas tinas (lhe tor-
dado, nou elle ) que estou ardendo em fogo.
Se os braços estáo sáos para "peleijar ,
tudo o ai he nada ( lhe rs.spondeo o
soldado, ) Cuja advertência aceitou o
J/joniz , táo pagado do valor que o
sol-
Livro II. 245:
sold.ido mostrava , que o trouxe com-
sigo para o Reyno ; e lhe alcançou
despacho , confessando generosamen-
ce o seu desar para credito alhcyo j
chamando-lhe seFnpre com honrado ap-
pellido , o soldado de fo£;o ; nem as
reíaçoens d*este successo no lo dão a
conhecer por outro nome.
Nesres , e nos outros baluartes Kitlra-
se pelejjou este dia com valor , e pe- ^c en-
rigo Igual , que não podemos relatar '''^ ^^'
por extenso , por serem os casos táo ^ '"''"'"
semelhantes , que parecendo huma S'''*
mesma couza repetida , se escrevem ,
e se lem com fajcio ; porém ainda que
a rélaçáo deste cerco náo deleite com
a variedade , quem negará , que foy
esta facção huma das mais illustres
que se acháo nas hisiorias humanas ,
da qual fizôráo estimação justa as m:íis
beilicosas nações da Ásia , e da Eu-
ropa ? Retirado do assalto o inimigo ,
se fortificou nas ruinas da fortaleza ,
donde continuamente se mosíraváo as
armas.
Ao seguinte dia despedio D. João Stic An-
Mascarenhas cm hum Catur a Antq- tonh
"'O Corrêa , com vinte companheiros , Coma ã
soldado de grande valor , a quem níofazeml-
sabemos o nascimento , se bem suas §1^"^'^
obras o mereciáo , ou suppunhão il-/""^=^<^*
R ii lus-
f4^ VíDA DE £?.j[oSoDH Castro,
Justre. Sanio d^ barra , ç torneando
a ilha , como lhe foy ordenado , sc
xecoiheo sem presa , e como os sol-
dados de valor se náo contentáo com
obrar bem , scnáp diiosamenre ; tor-
nou o Corrêa ao mesmo negocio cin-
co vezes ( mais desconííado , que obe-
dienre ) a tentar a fortuna j ai^s como
o que parecia caso , era mysterio , or-
denou , ou pe mittio o Ceo , que o
vaíeroso soldado fizesse da empreza
poríia 5 o qual , como se a desgraça
fora culpa , se accusava a si mesmo.
Tornou em fim com mais importuna
experiência a rogar , ou conhecer sua
sorte , e dando volta á Ilha , divisou
ao longe hum fogo , que a dist^mcia.
fazia mais pequeno , e remando con-
tra aquella parte , deixando os con>-
panheiros no Gatur , saltou em terra ,
caminhou algum espaço só, até que a
mesma luz do fogo lhe descobrio do-
ze Mouros , que cm tomo d*elle re-
• paravão o frio. Voltou logo aos com-
panheiros alegre , dizendo , que sahis-
sem , porque tinháo. cqmo nas máos
a preza que busca vão ^; porém os sol-
dados , ou esquecidos de si mesmos ,
ou servindo a Providencia mais alta ,
o náo acompanharão , como dando lu-
gar á fortuna do Capitáo y o qual ven-
do
àó^ a fea resdítçâo dos soldados , se
foy só a denVandar tís Mouros , bas-
tando-Ihe o animo para^^^ccommetter o
periso , que não podia vencer. De re- ^'^'^^^^/^
^ ^ ' . * -K -f ' com do'
pente envescio os Mouros, os quaes
amedront;^dos com o súbito accommet- ^^^ .
limento , huns fugirão , outros $'e de- '^ "^^!^,^.
fendíáo tímidos, e sobresaltidos : rhas ^/,.'^^
tornados em si , e vendo-se acucilados
díj^ ha^n sò homem , começarão à fa-
zer-me rosto )á com mais ousadia, vol-
tando os que fugirão , a defender-se
Unidos : e em quando Antónia Corrêa
se acutilkvâ com hunff , outros o so-
jugarso pelos lados , e^ ainda depois
de preso, como a fera ,^ o temiáo ata-
do; "assi o levarão a Rumecáo , mos
tr.^ndo as feridas , que receberão , em
Giediío do preso* '
c ' Mandou Rumecáo que o solra sem , iie pre-
perguntando-lhe' , <^ue gente haveria sentado
nâ fortaleza : se viria o Gevemadof " Kiimc-
a Dio , com que poder . e em que <^'^^-
lerino! se esperava o filho. Elle lhe
respondeo com grande segurança , que
na fortaleza havia seiscentos homens ,
que cada dia impòrtunavão o" Capitão
que" os' levasse ao campo ; que espe*
KíiVa ■ brevemente ' a vinda de D. Al-
ta ro- com oitenta baxeis , o qual cm
f^-fsembarcando • ^hiria á campanha ,
por-
14^% Vida DE DJoXo lÍB Castro.
porque algumas galés que trazia , ha-
viáo mister jçhusma de Turcos: que q
Governador aprestava mayor ^ poder ,
= porque queria-r acabar de huma vez
Ctter "com as cousas de Cambaya. Rumecâo,
persua- 9"^ sabiar a verdade de nossas forças,
dito a envejou hum coração tão livre emráo
deixar a balxa fortuna , fazendo esiimaçáo (co-
fé, mo soldado ) de quem entre prisoens
o desprezava. Rogou4he , que ^ Ji>
zesse Mouro, porque com múhSrCíy_
teria melhor fortuna , e conheceria %
diiTerença de , servir a hum Monarca
rico , ou a Piratas pobres. Porém a
valeroso Cav.:^Ileiro , escandalizado na
injuria de favores táp feyos , lhe res-,
pondeo , que os Portuguezes , pola Ley ,
e polo Rey estaváo sempre promptos
a derramar o sangue ; que Mafamede
fora hum enganador, infame por obras ,
e doutrina ; que se em Cambaya ha^
via renegados. , seriáo de optras na-
çoens 5 qual a fora seu pay Coge Ço-
far , que como monstro da terra em
que nascera , os pays , e a pátria o ne-?
gaváo de filho.
Rumecáo não podendo sofrer de
hum escravo as injurias da Ley, e as
da pessoa, inrtammado do zelo, e áo
^espresQ , o mandou ante si afromaf
no .íQstQ,) jprimeixo. que Ihç tirabsem
a viia^ , .cr<»f!dp 3 í^e lhe $eri^. mais
JeyeV pena, , que' a injuria ,• eilo^ó
encre balccens/a;, C/mofas , a ^m^ndou
passear ííú í»s- ruas. .da /Cidade j-^inveri'
tor bárbaro de/ táo novo sup'j/iicio ,
já contra o horaem , J9 contra a hu-
manidade. Porém o, Cavalieiro dt
Christo , como soldado iá dé ontra
milícia, com mais castigado Vijlor ven-
cia .sofrendo. Rumecáo df^pois d 'estas
injurias , dizendo que pedia satisfação
fie. sangue a honra do Propheta-, man- j^ínncta-o
Qvii cue fosse de?,oIado , e a palma , de^oUr»
que começou a merecer soldado , zh
cançou rnartyr. F«5y levantada a cabe-
ça em numa pica . e posta em lugar
onde os nossos da fortaleza a vjs^em ;
os quaes com: sem imenro B3tturíilv( mias
inju^ro ) como ;Sold idos- Ihq yin^«ráô
o sangue , como Cviihòlicos lhe tove-^
jaráo a moice. ■ Emn-ráo ao outro dia
os soldados de sua companhia , os
quaes o Capiíáo mor náo quiz v*r ,
nem castigar , tQi^do respeito ac tem-
po i porem elles remirão a culpa , com
searriícar em todas as occasioens , co-
mo homens , que aborreciam liuma vi-
^ia serp honra. Muitos d'elles morre-
jáo quasi voluntariamente , accusadcs
de seu mesmo delicto. Os Mouros
nos faziam rr-ofas', e al^azarilas de lon-
tyo ViDÁ t)E D. JoXo DÉ Castro.
fie , apontando para â cabeça de Att^
lonio Gorrca , havendo por satisfação
de tantos danos aqueila fecompensa ,
c já ■mais atrevidos faziam a respeito
dos nossos aigumas -gentilezas..
Entre o baluarte S. Thomé , e o
de Sanctiago estava huma b^indeira
íirvorada , a qual desejou arrancar hum
Mouro , crendo o poderia fazer sem
risco, por ser o muro baixo ^e pou-
co vigiado ; áo qual chegou fanado
sem ser visto dos nossos , e subinio
pelas fuinas , travou da haste , e ainda
<jue ar abalou forcejando , nunca pode
levala ; e soltando-a temeroso , a dei-
xou encostada ; e vendo o pouco cfit
lhe custara a primeira ousadia , tór*
nou com. o mesmo recato a buscar a
bandeira ? -porém ao tempo, que para
pegar aella , hia soltando o braço j
hum soldado nosso lhe encarou a es-
pingarda ,.e o derribou morto. Acon-
teceo isto á vista do arrayal , que lhe
linha festejado o primeiro accommetti-
mento com gritas , e louvores ; agotci
o olhaváo cabido com hum profundo
silencio ; correrão os nossos com grão
velocidade a cortar-lhe a cabeça , que
arvorarão , avistando-a com a de Antó-
nio Corrêa.
O 5 Mouros 3 que esta vão fortifica-
dos
Livro Ifv ^^i
^os no entulho do baluarte S. Tho-
ifi-é , foráo 'j,?.nh2nào terra , palmo e
palmo , á custa de seu sangue ,' levan-
do sempre di.-nte mentes de terra ^ e
lamn , qi?e os '^cobria , e íbfrificava;
Porém - D. • -jbâo M aiCârén hásr " "iiiandóu
íevar hum ~B'aíii!^xo 'ás ftortaf da Igre-
ja, qtíe como IiT^hr eminente lhe fica-
váõ ern t)ar:'.Fí-â" ò's Mouré^ ,'' donde os
varejou com tánr.i fiiriã , -cae lhes rom-
peo as defensas i e coal hrèiríe dé mui-
tos fotáo desalojados, • ^3'^^"'"- «' ^'.^^
Já nesre fernpo esrava arrasâ'<3a a for- Extre-
taleza , e os Poffuguezes , em lug-r de '"^^ ^"^ ^
tnuros , defendiáo suas mesmas ruinas i 7"-' '''^'^
o inimigo dentro dos baluartes ás por- '^ f^rta-
tas da victoria ,- os mantimentos , huns '■'"'^*
eráo polo fempo corruptos ,' -outros ,
pola t]ualida\iè • nocivos , de que re-
sukaváo doenças de táo ma qualidade ,
que os sáos recebiáo m.nyor dano do
contagio , Que da hostilidade.
Tinha partido de Baçaim D. Al- Toma
varo de Castro com cincoenta navios ^ d Al-
( assi chamáo quaesquer baxeÍ5 na In- vura a
dia ; inda que sejam caravelas latirnís , arribar,
ou embarcciçoens de remo ) ; e con-;o
-vinham empachados com muniroens ,
e bastimenros , náo podendo sotrer
ííiares táo grosso? , tornarão a arribar
em popa destroçados , e abertos ^ to-
■-'■• man- .' ,
z^z Vida de D JcXo de Castro.
mando diversas angras , e enseadas,
onde o temporal os iançava. Entre os
mais navios , cjue foráo correnio com
a lornnenta , foy o de (]ue era Ç^^picáò
Athanasio Freire , o qual indo ti<:ríian-
dar a terra , se foy metendo na ,€nsea-
da de Cambtya cjuasi ak^^?.clo , e táp
perdido , que de commuin acordo se
assentou varar na primeira terra que
avísfassem . , havendo que precedia-. íi
vtàà i liberdade ; assi fufio encr.Ihar
jonio a Surra te , onde foráo cativo.^^,
e levados a Soltáo Mahaniud , que es
mandou aprisionar, e meter na • masr
morra , onde tinháo Simão Fcyo com
outros Porruguezes.
Ch^o'^ Ruy Freire , que vinha na con^civ
Bí/f/ va de D. Álvaro em hun> navio seu,
FrifiVe fí com soldados pagos á sua custa j SO'
X>f0. freo melhor os mares , e navegando
aquelíe dia , e curro corn fortuna , avisr
roti a costa de Dio , para onde se foy
chefiando até ir demandar a fortaleza; e
enrr.Ando . pela barra foy surgir na coura-
ça , onde foy bem recebido de rodos , e
deu ao Capitão mór as novas da vinda
de D. Álvaro , tão esperada , como im-
Trcs" pc^^fa^f^ » porque itida náo s^bia da
"j) arribada , de que daremos conta.
^Alvará D. Álvaro de Castro , e D. Fran-
cisco de Menezes airibaráo com tor-
men-
rara
0 via
Livro II. i^^
jTienta gejaí a A^^çúm perdidos ,
aonde se. reformarão brevemente , e
tornarão à commetrer o goifáo com a
niayor parrt dos navios de sra conser-
va ; e vencendo a hiria do remporal ,
houveráo vi ra da outra costa por jun-
to de ^\^òl€I^whL Ne?ta paragem ap-
pareceo de Jon^e huma náo 2,rossa , cjue
se vinha furtando á nossa . arrrada.
Mandou D. Álvaro ao Mestre , oue
arribasse sobre eKa , o (]i^e ôzeram
naais dous navios , que vinháo na sua Toma
esteira. Amainou logo a náo , que era /i-''"^
d'EIRey de Cambava , e vJnba de Gr- '''•'•' '/^
muz , lançou dous mercadores fora , C.-mi^u-
que ^.ieráo apresentar a O. Alvitro hum y^'
Çfirtaz passado antes da guerra ; o qual
fez reprefaiia na nao , e a mandou
levar a i^oa , para que visse o Gover-
liador se era de presa. Ás drogas que
trazia , eráo coral , chamelctcs , la-
rins ,, e aJcatifc-ís , que rudo foy jul-
gado por perdido. E logo D. Álva-
ro de Castro , seguiido sua denota ,
íomou a: barra de Dio com quarenta
navios empavezados ^ -traziáo todos Chc^^ A
flâmulas , e gal'i/'detes , d.^rdo de s\fcr'alc-
huma mostra bcilicosa . e ales^re. Sau- ia cem
dou a fortaleza comi toda a artelhatia , (jíiorinta
que também lhe respondeo com a navios»
mesma , tocando todos os-instrupienr
tos
25*4 Vida deDJoSo i>g Castro,
Como he los. de guerra. Mandou o - Câpkáo
recehldo mór abrir as portas da forcaleza para
doCapi- receber D. Álvaro ^ baixando todos
tãomsr.Q^ Fidalgos, e soldados a receber , e
fesrejar a armada , em que de mais
da pessoa dg/ D. Álvaro , vinliáo' Fi-
dalgas , e Cavalleiros de muita-con-
ta» Traziam muniçoenâ , e bastimen-
los para rauy lar2,o tempo , porque
náo quiz o Governador deixar á cor-
tesia dos mares , negar , ou abrir pas-
s?.gem a segundo soccorro. Aposen-
lou-se D. Álvaro no baluarte , en?
que acabou seu irmio D, Fernando ;
passaráo-se a elle os soldados de sua
milicia , e os mais dos Fidalgos , huris
como companheiros de sua dor , outroá
de suis victorias ; e como a Gene-
fal do mar lhe híáo pedir ô no"mé'í
sem querer separa r-se de sua obediên-
cia ; opinião encontrada com o tem-
po , e mais com a disciplina. Porérrt
D. Álvaro disse ao Gapitáo mór , que
elie vinha sojeito ás suas ordens ; o
que parecendo lanço de urbanidade íí
D. ]oáo mascarenhas ,.,lhe respondea
corn a mesma cortesia '; mas D. Al-
v.iro lhe mostrou a instrucçáo ' que
tr?.2Í3 , que entre as:- excellencia? do
Governador. , ná© foy ' a mais peque-
pa , níi qual diiia , que a jurisdição
do
Livro IÍ. 25:5'
do cargo , e as provisoens Reaes o
eximiáo de qualquer suboriáinação ,
que nso fosse a do Governrdor da ín-
dia i que clle mandava a seu filho D.
y\ivaro , que estivesse ás ordens de
D. Joáo Mascarenhas , porque assi o
pedia a muita honra , que n'í:quclÍ€
cerco tinha ganhsdo : teniperança de
varão verdadeiramente grande , porque
onde havia perdido hum filho , e
aventurava outro , da fama , qu«
aiudara a ganhar com seu sangue ,
râo quiz para si nada ; sem duvida
mayor neste desprezo , que depois na
vicroria.
Rumecáo sabendo da vinda de D.
Álvaro , disse , que já tinha na íorca-
jeza prisioneiros para honrar seu trium-
pho , mandando traballiar com mais
calor nas minas, Despcdio logo D. Avlsão
Álvaro o seu navio cem cartas tiO Go- ambos ao
vernador , do estado em que achara a Go-cer-
fortaleza , e D. joáo Mascarenhas o riaàcr do
avisou de todos os successos passados, ^íW*»
Haveria já na fortaleza seiscentos ho-^'^^*''**
mens , todos soldados de opini/io, com **'^^^^«
os quaes lhe pareceo a D. Joáo Mas-
carenhas que podia intentar cousas
mayores que a defensa. Mandou logo
assestar três Camelos contra as estan-
cias do inimigo , que ns br.iiráo láo
fii-
Sf
2^6 VíDA DE DJoSo DE CaSTRO.
furio?amenre , que Rumícáo reforçou
as íoniHcaçoens c]ue r.nha , táo a tiri-
to a oííender, como a defender.
Enveste Dos assakos p,is^.-?,G03 Íícgj na 5 rui-
o tiúml' nas do baiuarre S'. T.Momé hum Bâsi-
go ouu-a lisco soterrado de estranha grandeza ,
v^s , c o qual Q Capitão mór dese ou subir á
''^*'''^' fortaleza , e ordenando cabresrantes ,
e engenhos , nunca lhe foy possível;
e 'Querendo ao menos se^^urslo , para
que os inin)i;;os se não servissem òJqV
le , o mandou liar com viradores gros-
sos : porem os Mouros foráo cavando
por baixo das paredes do baluarte , e
picando ss pedras do alicesse ; até que
faltando -íhe os fundamenTos , vieráo
as paredes a terra , íicando o Basilisco
atado , e suspenso nos ares. Acodi-
rao logo os Mouros a entrar o baluar-
re , aos quaes fez rosto D. Francisco
4a Menezes com os de sua companhia ,
que ahi se achavão, travando com os
Mouros huma pendência assaz de bem
renhida ; e como este era o primeiro
dia , c]ue viráo a cara do inimigo , o
carregarão com as mãos táo pesadas ,
<jue houve a seu pesar de retirar-se
deixando muiros dos companheiros
no campo : mas no tempo que mais
fervia a briga , liarão outros o Basilis-
co com hum caíabrote forte, e o le-
va-
L r V K o li. 25-7
varão arrasuincio , quasi a furtO- dos
nossos ,• que atrentos á pelei ia , náo
d/^ráo fé da obra que os Mcu;os fa-
zião.
Andava D. Joáo Mascarenhas com Deter-
grande vigilância ^obre os desenhos rumíia
áo inimigo , remendo mais as minas , ^^ ''^^'
que ser acconimertido com força descu- '^^ ^^'
berta ; o que entendido pelos solda- '^^'
dos de D. Álvaro , temerosos com o
exemplo fresco de D. Fernando de
Cistro , e curros Fidalgos , e solda-
dos j que morrerão abrazados , se con-
juraram era sair a peleiíar com o ini-
migo , rimidos no perigo duvidoso ,
lemerarios ao certo.
Diziào , que náo queriáo com obe- q Capi~
disncia inuiil perecer abrazados , quan- ^-^ j,]^^.
do podiáo morrer na campanha vi- iruta
ctoriosos , ou vincados ; que pois sa- àtsuM-
biáo peleijar como homens . náo que* diios,
riáo acabar como feras , atados ao pe-
■Kgo ; que de dous escolhiáo anrei o
<^UQ podiáo vencer , que o de que náo
jjodiáo fcgir. D, João IVÍascarenhas
òs dissuadio , quanto lhe foi possível,
primeiro com razcens , depois com a
authorídsde do cargo , e da pessoa ;
mas tudo foy sem fruto , porque esta-
váo táo váos j e altivos com sua mes-
ma culpa ( como tinha semblíinte de
vir-
jy. Ál-
varo , e
jy.Fran-
cis CO fa-
zem o
wesnio.
Prose-
íTitem os
o
soldados
seu in-
tento.
IjS VlDADED.JoXoDSrCASfRO;
virtude ) que esperaváo da desobediên-
cia prémios , e Icuvore^s. D. Álvaro
de Castro acodio a derelos , estranhan-
do-lhes resoluçáo tão fêa , dizendo ,
que ElRey sentia mais a desobediên-
cia de hum soldado , que a perda de
huma fortaleza ; que ao Capitão mór
só tocava o governar , a elles obe-
decer , e peleijar. D. Francisco de
Menezes lhes disse, que fossem embo-
ra a infamar o nome Portuguez , que
a honra levavam já perdida , a vida
^grandemente arriscada j que quando
escapassem das armas de seu inimigo ,
náo poderião livrar-se da indignação
justa de seu Pvey, ao qual desprezaváo
na pessoa de seu Capitão mór com se-
dição tão fèa. Porém elles fatalmen-
te obstinados , se ordenarão para dar
a batalha , dizendo , que de nenhum
delicto se engeitava a victoria por dis-
culpa ; e quando se perdessem , fica-
v2o fora do premio , e do castigo i
que elles acodiáo pola honra do Esta-
do , que estava mais costumado a to-
mar praças aos Mouros , que perder
as suas.
O 'Tiais que se pode acabar com
os amotinados , foy , que ficasse a in-
vasam p-ra o seguinte dia , deixando-
ihes por conselheiro aquelle breve tem-
po,
Li V b o II. 25'9
teir.po j em ^ue. ^podiáo" considerar o
(jue convinha á honra , e saúde de
todos. Porém cUes fatalmente confor-
mes, amanheceram resolutos , e promp-
tps. á baralha , dizendo ao Capitão
mór-, c^ne se os náo (juizes se gover-
nar , entre si rnesnios escoiheriáo ca-
beça, -Vendo pojs . D. ]oáo. Ajascare- (7 r^;,,*.
ahas , <]ue já acompanhar aos desati- ião mór,
nados , erá hum lanço forçoso , e que ^ fidal-
os de tora sernpre julgáo melhor a cau- g'<'^ os •
sa dos temerários , que a dos prudenr ^<^ompa-
tesj elle , D. AIv?.rp , e ps mais -^i^^hõopoi^
dal^os resolverão seguilos , .onde com ^^"^^'^^
nova disciplina , obedeciáo os Capita- ^ "^^'jor
j ' 111' r verivff^
e.ns , man.-avao es soldados. ^ *
Haveria na fortaleza ícomo temos r^t.
ito) seiscentos homens , dos cju.^.es n- „^jj^,
ç.aráo nas estancias çemo j dos outros c cm que
fez. D. Joáo Mascarenhas três bata- ^rí/?,,;.
líias.j as duas deu. à D. Álvaro de
Castro 3 e D. Francisco de Menezes ,
e ourrà tomou para si ; - jogo sahiráo
da fortaleza , ,e com o primeiro mi-
pero ganharão as estancias , (]ue os
Mouros tinháo feito na cava , deixan^ _
do-lhas com facií resistência. Per esta ■'■■> '-■
sombra de viccoria começou a luina ,
porque os nossos altivos , e desorde- ^^.^
nados remeceráo ao muro, O pruneiro "' ."-^
^us sobio foy D. Álvaro , ajud.-ido :a
..y S dos :^t
2 6o V;da de DJòXo de Castíio.
dos deus irmãos Luiz de Mello , e
Jorge dè Mendoça , que tris el!e so*
biráo. D, Francisco de Menezes en-
trou por ourra paue ; sendo 'dos pri-
meiros António Moniz Barrero , Gar-'
cia RocrÍ9;uez de Távora , D. Jorge ,-
.e Dom Duarte de Meneze» , Dom
Francisco , e. Dem Pedro dé Alrney-
j, ^. ^ : Rumecão , Jiízárclo' , è Mdate-
^ ". cão, vieráo com í;to^"sas companhias
iene ia . ' -- '
dos ini' ^ encontrar-5e com o^ nossos , entre os
vii^us, ^"^2s se começou a batalha , susten-
tada de nossa parte com mais valor ,
què disciplina. D. Francisco' de Mef-'
nezes foy levando do campo os Meu-'
los , que náo podendo sofrer o- p:sQ
doeste encontro , perderão muita ter-
ra , até Que soccorridcs de outros rnuv*"^
tos , detiveráo a corrente dOs no sos,;
^eprci- E)' Joáo Mascarenhas sobinJo o : mii"^
í/c o Ca- ro , quasi ao mesmo tempo , que os
^iião outros Cabos , vio muitos' iodados"
mór CS do motim , que estaváo ao pé d'elle
íjrnoii- sem ouzar cavalga Io , e em voz alta.
iiíiíhs. ]|ies accuson com palavras fèas a
desoledienci.s , e a fraqueza ; os quses
callados , como qiierendo responder
cam as obras , o sej^uiráo. E logo ac-
ct^mmettendo es inimigos, que andaVáo '
briraih^s cem D. iVlvaro , lhes fi*
ze-
Livro II. 261
zerão perder pârte do campo ; mas
como o partido era táo desigual , os
Mouros se foráo melhorando , e car-
regando os nossos de sorte , que se
desordenarão,
D. i^lvaro fez obras que respon- V^/í^r e
aerão bem ao sangue , i opiniam , e disclpU-
âo valor j não fnkou á disciplina, dií' "^ (''^ Ty.
ficil de conservar nas desgraças ; por- -^^'■jartf,
c[ue foy ordenando , e recoihendo os
seus , quanto lhe foy possível , reti-
lando-se muy acordado com o rosto
sempre no inimigo , o qual lhe havia
degolado alguma genre , e outra se
desmandava , nlo podendo sofrer o
Ímpeto dos Mouros : o que vendo
Jorge de Mendoça , inda que estava
já ferido , tomou a D. Álvaro nos
braços para o sobir ao muro ^ mas
podendo-o mal f-izer , por estsr desan-
grado , foy aíudado de seu Irmão Luiz ^ohc o
de Mello i e estando D, iilJaro já so- '"^^í'
bre a parede , lhe derão huma pedra dond<: ca-
da , que o fez cahir da outra pane ^'^ ^'^
sem sentido. ,y''
Depois de Luiz de Mello acoJir 2,'^''''^^'
D. Álvaro , salvou também o irmão ,
ficando clle com Gdrcia Rodriguez p^j^^
<le Távora , António Moniz , e ou- ^^,^ ^_
tros Fidcilgos , derendo o impei o dos l^^^J.^ ^
Mouro^ , em quanto os mais subiáo , até Luiz de
S li que Mdh,
262 Vida DE DJoXoDS Castro»
cjue foy pâssac^o de hum pelouo , de
c]ue cahio mortal. Oi comp nhetros o
levantarão , e puzeiáo em ;imi da
parede , donde foy levaJo á fortaleza ,
e d'ahi á Chaiil , onde acabou da fe-
rida , merecendo seu singular esforço ,
senão mais gloriosa morte, mais dila*
tada vida.
-, D. Franclíco de Menezes , pelei-
^^ ^ jando muy valerossmenre , c:íhio atrsi-
Francis- ^'^^sado de hum pelouro , com ci:ja
^^ ^^ morte os de sUa companhia se come-
Mtntix.es Çaráo a retirai desordena -amente. A^ui
foy o estriígo mayor , prcjue o in mi-
go , conhecendo o desarranjo dos n.s-
SOS , carregou sobre cíies com mayor
ousadia.
Acordo ^* ^^^^ Mascarenhas se portou
do C'j^H' ^^^^^ desgraça com vaor , e acordo ,
ião mòr. ^"^^^^s vezts reíir?-ndo os seus , outras
fazendo voltas ao inimigo em qu .nco
se recolhido os de^^mandados , com ^ue
evi*ou grande parte do dano ; e ten-
do já sa.vado as paredes , se derramou
huma voz , que era a fortaleza perdi-
da j em que os soldados se começarão
a espalhar per diifèrcntes partes , co-
rno gente de baratada. Nests táo aper-
tado conRicro brauoiT D joáo ?vlas-v
carinhas aos icus , afcando-Ihes a reii-
lada , e peieJjando táo valerosamen-
L I V R o II. 263
te \ que só com alguns pouco? que o Fid^l-
seguiac) deteve o inimigo. Os Fid3l- gos que
gos , que aqui se ach.iráo , alcançaTáo s- ossi-
cm d-a úo infelice , illusire nome. Lopo ^Tolr.rCio
de Sousa ao pé do muro se defendep '";'^^«
de hum gráo tropel de Mouros , faz-^n- '^''*'
do-os afasuir muitas vezcò- , coir* tal va-
lor 5 (]ue o acrommettiáo de longe com
armas de ^rreme-so j aié que atravessa-
do pelos peitos de hum dardo cahlo
morro deixando bem vingado seu san-
gue. António Moniz Barreio , Garcia
Rodrigues de Távora , D. Duarte , e
D. jorge de Menezes , que trazia de-
zasete feridas , fizeráo ao inimigo muy
cusro?a a victoria.
Rumecáo , querendo tirar mayor Enveste
friuo de ntsso desatino , m.^ndou a Mo- NojãU-
jatecáo , que íossc demardar a fortaleza cão n
com cinco mil soldaCos , cor; ando ofortah-
p?sso aos que se lecolhiáo dcstioçados , -«^ > c
e accommetcendo o baíu^irrc S. Thomé, ''^- '■"'«•
achou nel e a Luiz de Sousa , que cem ■^*'**
a arreiharia , e e^pingardr.ria lhe ma-
tou muita gente ; porem o Mouro atre-
vido com o calor da victoria , insistio
na escalada i mn^ foy tno valerosarrcn-
te resisndo , que se tornou a rei irar
Com dano conhecido. í). ]oáo Masca-
renhas rrabsl^ou tanto 9 que rornou
a (írd:nar os soldados , c^ue andaváo
der-
264 Vida deDJoXo ds Castro:
Crdena derramados , dos quaes fazendo hum
o Ca pi- batalhão cerrado , guiou à fortaleza ,
tão mói' e encontrando muytos Mouros , des-
os solda- rnancados na segurança da victoria ,
dos, jçQ nelles tão vaicrosamente que mui-
tos deixarão as viJas , c os demais o
campo. Perderáo-se nesta desgraça trin-
ta , e cinco pássoas , cm (^ue enraráo
Tcrda OS Fid/.lgos , que havemos referido ,
í/^-: nos- e fòráo mais (ie cem os feridos ; mas
SOS ncs- em tão dcsorden<ída empreza , ainda
íadcsor-st. teve a desgraça por menor que o
dtíin, erro. O Capitão mór foy logo deman-
dar a D. Álvaro , que ainda achou
sem falia , c a juizo dos Cirurgioens ,
muy contingente a vida , cujo perigo
durou aquelles dias , que a Philoso-
phia chama dícreiorios , ou crinces ;
porém lez a doença termo , cobrando
D. Alvciro saúde , cem alegria de to-
dos , que o amaváo poias qualidades
do sangue , e da pessoa. Nuno Perei-
ra se achou neste conflicto, o qual de-
pois^ de peieijar com valor conhecido 9
se recolheo com quatorze feridas. Pe-
dio licença para se ir curar a Goa ,
onde tinha sua casa , e era casado ò.z
.pouco , com fazenda abundante , da
qual no serviço d'ElRey gastou gráo
parte , até p-rder a vida , como dire-
mos. »
Ven,
L I V ?. o II. 265'
Vendo-se Rumecáo com tão inopi- Jnlma'
nada víctoria , havida per hum vaior se Ra-
desorden.^do dos nossos, concebeo ma- '"t<:<T:>
yores esperanças do succesí>o , resoluto com este
a ver o nai da empresa , para a qual ^'í^c^:csi^J,
começou a schar nos seus mais prom^
pta obediência , perdendo na expe-
riência daquelie diâ muita parte áo
remor , que rinháo a nossas armes.
Deu logo conca ao Soiráo da vicroria ,
que na Corte se festejou com alegrias
públicas , e Rumecáo recebeo d El-
Rey honras de -homem vicrorioso , sen-
do daqueile dia em diante mais assis-
tido de genre , muniçoen? , e dinheiro,
acodindo muita parre da nobreza a mi-
litar com elie , esperando go^ar de sua
fortuna. Mandou lo2;o continuar a obra Conil^
do baluarte , furtando-lhe por baixo a '-«'^ as
terra , para que descarn.^do o arruinas '"í^^í , «r
se o peso , faltando o íund.-mento so- ^^ ''■'^■'-^
bre que assentava. Este de-enhj diver-'^-*" '''^r^'
rio D. Joáo Mascarenhas , mandando '^^'^"
fazer outro forte por dep.iro , que
fechava em circuito menor , que por
abraçar menos terra , era mais defen-
sável. Nâo se pode esconder à Rumer
cáo a obra , e carregando para a Quei-
la parte muitos Mouros , liraváo ds
continuo aos trabdihadores pedras «
dardos j alcanzias de fo^o , hun^ cora
pon«
266 Vida DE D JoSo DE Castro.
pcnuriâ cert.í nas partes que descobria
o muro , e outros por elevação , com
que feriáo a nossa j^ente , mais atten-
la ao Trabalho , que á defensa ; polo
que o Capitão ordenou se trabalhasse de
noite com luzes escondidas , pondo as
pedrâs pela eitimaçáo , e tino do que
tinháo desenhado de dia.
. . Rumecão a'tivo , e confiado com
!' 7 o bom rosto, que lhe mostrou a fuer-
ra na ultima peleiía , como em des-
772(7 IWVa ,' , ^ ^ .
Cidiidc, pf^^'^ 'J^ vmda do Governador , que
se esperava , começou* a edificar hu-
ma nova cidade , como quem já lo-
grava os ócios do rriumpho na im.a-
ginada victoria j ou fosse por dar aos
seus eonfiançi , cu que obr.iva como
homem crédulo na prosperidade dos
S'Jcce3so5 , que ja se promettia
fez
palácios para sua pessoa com a poli-
cia , e grandeza , que pudera em hu-
ma paz ociosi. Para os Cabos mayo-
res ordenou aposentos , empefihnndo-
cs a defender suas próprias moradas ,
rr.ostrando nesta fabrica náo menor
rrrtificio , que soberba. Mandou atra-
vessar com barcas a passagem do rio
naquella parte , que se serve da Al-
fandega pari a viUa dos Rumes , as
qua^s depois de firmes com muy gros-
sas amarrí^s , terraplenou igualmente,
jor
L I V K o II. iGj
por onde (corno em ponte , ainda qae
tremula 5 segura) tinh^o fácil passagem
os carros , que basteciáo a Cidade. Ua
confiança com cjue Rumecáo se dava
á táo custosa fabrica , se derrâmuu
huma voz por muitos Reyr.os vezi*
nhoã , e distantes de Cambaya , que
era perd da a nossa fortaleza ; e esta
fama como grata aos ouvidos dos Mou-
ros , e Gentios , se espalhou por tcdo
o Oriente , até chegar a receber o ^-ol-
íáo congratulaçoens de muitos Frinci-
pes , que lhe d-váo emboras da vi-
ctorJa. Em Goa se ouviráo os ecccs does-
ta nova, com temor, e silencio, e lin-
da que vaga , e sem author , chegou
aos ouvidos do Governador , fazendo-se
mais certa poo secreto , e recato com
que huns a referiáo a outros.
Esta desgraça que se temia , pare- Cuidai
cia que tomava certeza da tardança que í'í'j do
havia nos avisos de Dio j porque nem Govcr^
da armada de D. Álvaro se sabia cou- ^odor»
sa certa , e os que queriáo divertir
o Governador , mais podiáo de>pre-
zar , que negar a fama que corria ',
e eUe , sendo o mais interessado ,
vendo quam necessário era animar o
povo , mostrava hum coração inteiro ,
desmentindo com o semblante as no-
Vds ^ue temia.
Com
.265 Vida DE DJoXo DE Castro.
Chí^a Com esre cuidado pis?av^ o Go-
tíoR,y- vernador , diverrindo-se com os nego-
#M í7 Goa c'os . e aprestos da armada , qu'^ '^oli-
D Ma- citava com viva d;íii;encia , qu^njo lhe
/iocl de (jeráo avi.'ío , que n.í barra surdira hur
^''''^'•* ma não do Keyno, de que era Capi^
táo D. Manoel de Lima ; e se aparta-
ra de cinco mais , que vinhão ra mes-
ma conserva , á ordem de Lourenço Pi*
rez de Távora. Das outras vinháo por
Capiraens D. Joáo Lobo , joáo Ro^
drigues Peçanha , Fernáa d" Alvares
da Cunha , Álvaro Barradas, Esrimoa
o Governador a vinda de D. Manoel
de Lima , pola pessoa , e pola ce-
câsiáo. Vinha provido na fonsleza. de
^Ormuz , que EiRey lhe deu por des-
viar alguns encontros entre eile , e
o Governador Aiartim Arfonso de Sou-
sa , com quem andava atravessado , es-
perando que vie>se da Índia , para
lhe pedir satisfação de algumas qudxas.
Estes de:;abrmientos curou ElRey, co-
mo pay , interes^^ado na p?:z de hum ,
e outro vassallo. Quizera D. Manoel
partir-se logo a Dio com trezentos
soldados á sua custa , porém o Go-
vernador o divertiO , querendo acomr
panhar-se d^eUe na armadi , servindo-i,e
de seu valor , e experiência na íac-
çáo presente.
O
Livro IT. 269
O Governador andava sobre ma- Tcn 0
reira cuidadoso dos negócios de Dio , Gover^
interpretando mal a faica aos avisos , uaJur
quando aportou na barra de Goa , a Ca- povas de
pitania em que íora D. Álvaro. \\ ^'^*
nha o navio rodo embandeiraHo , e
dando alegres salvas , querendo indi-
ciar de longe as novas que trazia. Oc-
correo á praya grande parre do povo ,
solicito a perguntar pelos hinos , pa-
rentes , e amigos , e os menos em-
penhados . pilo ccmmum do Estado O
Capitão foy levado acs Paços do Go-
vernador , satiifazendo peio cr-minho P^^dcde,
a duplicadas , e molestas perguntas. *''^^'V'"'^
Achou o Governador com o Bispo ^^"^ ''"^
D. joao de Albuquerque', e Fr An- ^^ ''*^^^"
tonio do Casal , Custodio dos Fran-
c iscos. A primeira cousa que o Gover-
nador perguntou foy , se estava ainda
a fortaleza por ElRey seu senhor. Ao
que o Capjráo respondeo , que esta-
va 5 e estaria, A cuja nova aioelhan-
do-se o Governador , com os olhos no y^^j^-,j.
Ceo , deu a Deos as graças , não sem ^^^^ ^ue
derramar lagrimas , signincadoras da .g portou
piedade com Deos , do zelo com seu ^,1 n^p^te
i^rincipe. E logo recebendo as cartas , de d.
soube da morce de seu filho D. Fer- Fenuvi-
nanjo , que recebeo com tanca cons- do seu
uncuj que os d- fora lhe náo conhe-//.W.
ce-
270 Vida Da D. JoXo DE Castro.
ceráo mudança no rosto , cu nas pala-
vras , como se fora fraqueza p.irecer
pay , ou indignid?.de ter aífecros de
homem. Fez mercê ao Capiráo , e o
mandou que fosse alegrar a Cidade
com as novas que trazia , e lo^o reco-
Jhendo-se chorou em secreto o íilho ,
esperando tempo á dor , sem injuria
do lugar , e do animo. Aqueiie mes-
mo dia aportou o navio , em que vi-
nha Nuno Pc-eira , o qual das feridas
faleceo no mar, Foy o corpo enterra-
do com todas as pompas funeraes ,
que se deviáo á pessoa , acomp:.nhado
do Governador , nobreza , e Povo ,
deixando de si este Fidalgo saudosa
memoria.
Procls' ^^ seguinte dia se fez huma so-
são em lemne procissão de graças , a que assis-
acção de tio O Cíovernadof vestido de escarlata ,
^mças, consolando com novo exemplo o po-
vo na morte de seu filho. Por este
nav"o soube da sabida que os nos-
sos fizcráo desordenada , e forçosa ,
que fora occasiáo de tantas mortes ,
e do perigo em que ficava D, Álva-
ro , cu]a dor soube aliviar , ou en-
cobrir , como quem dos filhos esti-
Soc<or- n-'ava menos a vida , que a memo-
rai (jite ^'^»
vninda a No mssmo dia despeaio Vasco da
Vif, Cu-
Livro II. 271
Cunha , para que fosse pela-; bahir.s ,
e enseadas da costa i recolhendo os
navios da r.rm-da de D. Álvaro , e
os levasse a Dio. Por elle e creveo a
D. JodO Mascarenhas congratula^oens
da honra que h via ganhado , náo
menos para si , que p«ra o Estado ;
afíirrr.ando-lhe , que em breves dias
iria avistar z Dio com todo o poder
do Estado , para o que náo perdoava
a nenhuma de pesa , ou dil gencia i
e que em quanto se aprestava a ar-
mada , lhe m.andaria soccorros , que
bastassem a as-egurar a fcrtr.leza , e
enfrear o inimij^o , o que executou
prompra mente , poique logo ?.pôs Vas-
co da Cunha , despachou a Luiz de
Almeida com seis caravelas . e qua-
trocentos soldados , cem muitas mu-
niçoens , e basrimentos , e gráo co-
pia de materiaes importantes para as
necessidades do cerco. E foy láo in-
cansável a ddij^encia , com que se
aprestava , que em brevíssimo tem.po
se poz de verga d alio toda a armada ,
e só lhe faltaváo os soccorros de Ca-
nanor , e Cochim para Icvar-se ; pi-
que era cal o amor, e obediência comi
que lhe assistiáo , que as Doms , e
Cavalleiros de Goa lhe vi:-iháo oíre-
recer os filhes , e a fazenda ^ lev:in-
27^ Vida de DJoSo de CA?TRa.
do esta armada tantas bençoens do po-
vo , como outras soem levar lagrimas
e queixumes.
Chc^a Vasco da Cunha seguinJo a instruc-
Vciscoda çáo , que levava , foy recolhendo os
Cunha a navios , Gue achou naquellas enseadas
Biiçainu desaparelhados da tormenta , e com
elies enrrou em Baçaim , onde ach )U
o Capitáo mór D. jeronymo de jMe-
nezes com quinze navios aprestados
para soccorrer Dio , empenhado de
novo com o sentimento da morre de
seu irmão D. Francisco , que temos
'Eitr^et referido ; porém havia retardado a
€in Dh P^'"^^'^^ alguns dias , por ter avisos
^^^ certos , que o Brs maluco vinha cer-
Luiz dé car aquelia fortaleza logo que o visse
jíhnctj- ausente ; diversão procurada pelo Sol-
da. ráo em beneficio dos cercadcres. D,
Jeronymo , vendo-se mais empenhado
na defensa de Baçaim , que no soe-
corro de Dio , entregou á Vasco da
Cunha os navios -, o qual partido , en-
controu a Luiz de Almeyda com as
seis caravelas , e rodos em conserva
entrarão em Dio , representando soc-
corro mais crecido no número dos va-
sos i porém a fortaleza ficou assegurada
da fome , e do peiigo j e os soldados ,
pagos , e bastecidos , mais descjaváo ,
que temiâo, a guerra. "'
Era
L I V R o II. 273
Erâ já o tempo em favor dos nos- Vaij
SOS , e começaváo a senhorear o mar Luh c{g
es navios do Ésrado. D. AIv?ro , co- Almeij-
mo Capitão mòr do mar , mandou zdacspe-
Luiz de AimeyJa co"m rres caravelas , ''''"' ^^
de c]ue elle hia por Cabo ^ e nas duas ''■^^^ ^^
l^ayo Rodriguez de Araújo , e Pedro ^'^'^<^'^'
Afi-bnso^ com ordem , que fossem de-
mandar íí barra de Surrare a esperar
as mos de Meca , cjue viessem buscar
aquelle porto ^ os (^uaes seguindo sua
viagem a poucos dias virão atraves-
sar cu;ís nãos ,- huma grossa , e outra
de meiio"S pórtev Logo que Luiz de
Almeyda^ as" avistou', foy demanda-las
com os tracueres dados. Vinháo as
náos arrasadas em pop.^ , e tanto que
houveráo -vista <ie nossas caravelas , vol-
tarão ft^óurro bordo •, mas como as ca-
rtívelas hiao ma-s boy antes , e eráo
mais ligeiras, soltando as velas, as al-
cançarão logo. Luiz de Almeida abor-
dou a nao grande, erri que vinha por
Capiráo -bum Janizaro parente de Co Toma
gc C^ofar-,- que fiado na grandeza à:\ duas^
náe , anelhana , e gente , que trazia ,
começou' a defendcr-sc , ateando-se
entre huns , e outros Huma bem re-
nhida contenda. De ambas as partes
se derramava sangue ; peleijaváo os
Mouros por necessidade , os roVííos por
274 Vida pEDJoXoo55iCASTR(y;
oííicio , e como eráo melbores no' va-
lor 5 e disciplina , enrraráo a náo , on-
de os Mouros , com ultima desespe-
ração mais atrevidos , pelei javio cp--
mo para acabar vingados , até que com
a morte dos principaes , se- renderão os
outros. Ao Janiz.íro acKaráo atravessa-
do de muitas feridas , p qu.il Luiz de
Almeyda mandou passar á sua carave-
la , e curar cem resguardo.;. A outra.
nao rendeo Payo Rodrigues de Araú-
jo com leye resistência. Depois deste-
feiro , se • deteve Luiz de Aimeyda na-
quella paragem os dias de sei^. re;^,imen-
to , nos quaes tomou algumas embarca-
çoens de mantimentos , que hiáo baste-,
cer o exercito 5 fazendo varar, outras ;em^
terra , com quç se conhéceo>iguma /ai-'
Entra ^^ ^^ prpvisá.o do Campo; ;, e:rjlogo jen-:
em Dío tfou em Dio com as náos da píjeza , e.
com d' os Mouros enforcados nu s y ergas , dari-.:
Ias, do estranlio pezar ao Campo; tào lasti-
mosa vista. Rumecáo offereceo.polo Ca-
^"^^ pitão Janizaro , (que, .GO,mQ.^dísseinos).^
^rr ^' ^^^ ^^^ conjunto em saíjjg^ue,,-; trinta -e^
^lvarí> j^^^„ j^jj p.^^^Qs je ouròi.-portm D.i
1'cs'^iitnr ' t ' r
y^T Álvaro mandou, que--ft : ervtoraassemjj
fium .ia' ^ •" ' * ■ I ^
«;. . \, porque nao v;íera a venae^r sar^gue , se-:-
e man- "*o i d'írramalo ; que dg.?;. Mjcnifos nao.
d:t-o en- qneria outro despojo , que -as- cabeças,
fcrcav. Espantou a Rumecáo 9k,m lo^os Xpr-,
ar. a 9
Gdvas
ao III'
Livro IL 2yj
cos o desprezo , e por não ter D.
Álvaro embainhada a espaáa dos seus ,
em quanto náo chegíiva a baraiha ,
mandou alguns navios de Baçaim , e
Chaul tomar as Gelvas , (]uq baste-
ciáo o inimigo j o Cjue fizsráo láo di-
tosamente , (]'je prearáo quarorze , rra- T
2endo pelas vergas os Mouros enfor- os n. ssos
cados 3 de que já era menor o sen-
timenro , oue o espanto, vendo que náo
iinh:\ a cólera, e vingança dos nossos ,
piedade , ou limite. ""^'"
Entretanto D. Joáo de Castro , re-
solvendo comslgo dar a EiRey tie
Cambaya hum castigo , de cujo exem-
plo resultasse nos Príncipes da Ásia a
paz , e reverencia do Estaco ; quiz
prim.eiro palpar , ou satisfazer aos juí-
zos de fora , para que • os que appro-
vasseni o intento , adiasse dóceis na
execução de seu mesmo conselho. Pâ- OGover-
ra este eííeito chamou a si o governo r.ador
da Cidade EccJesiastico , e Secnb.r , cem dalara
os Fidalgos , e Soldados de nome , ^'" c<-'^-
aos quaes declarou o animo cem que -^^^^'^ ^
estava de ir descercar pessoalmente a ''^j^'^'"'
Dio , e dar a Runiecáo baralha em ^'^^ ^^
seus alojamentos ; que dado que todos " *' '^"
o sabiáo como particulares , lho que-
ria certificar em commum , para ^ue
•na ;'ppros'açáo da Republica , kva^se
T. CO-
Fnrecev
de D.
de Al-
mcijda
cm con-
trario.
276 Vida de DJoXo de Castro
como parte da victoria a justiça da
cansa, Ouvido o Governador , agrade-
cerão todos , em primeiro lugar a mo-
déstia de se querer subordinar minis-
tro " independente , logo o fervente
zelo 5 com que queria em serviço da
pátria sacrificar a vida sobre o san
gue ainda fresco de seus próprios fi
riios. Chegados a vetar na matéria
discorrerão com sentimentos diííèren
les, D. Diogo de Almeyda Freire
Capitão m.ór de Goa , a quem os an
nos , e 03 casos da guerra tinháo dado
experiências largas , íailou d'esta ma-
neira.
5, As pequenas forças , que hoje te-
3, mos , são formidáveis a nossos ini-
,5 migos 5 em quanto as não conliecem j
5, porque toda esta Ásia avalia nosso
,5 poder paias victorias , mais que
55 pelos soldados ; de sorte , que só a
„ fama das cousas passadas nos con-
5 5 serva as presentes. Tem V, S. jun-
3, to nesta armada todo o poder da
., Índia 5 com que apenas podemos
j, contar dous mil Portugueses , e ten-
tamos estremecer o mundo com
brado tão pequeno.- Esta arvore do
Estado , de cujas ramas pendem
tantos trofeos ganhados no Orien-
te , tem as raizes apartadas do tron-
• . CO
L J V R o II. 277
,, CO por innnitas legoas , convém cjue
,, a sustenteiTiOS , arrimaoa na paz
,, de hui-is , e no re?peito dos curros.
,, Nunca podemos responder ?.o t^ue
j, se espera de noss2s forças juntas ,
„ porque huma vicroria pouco nos
5, acredita , e íii^m só eí;tra^o nos
,, ac^ba. Temos a nossa fortaleza soc-
5, corrjja ; de cue serve em huma cha-
j, ga ji curada , esperdiçar o remédio
3, das outras? Que nova prudência nos
j, ensina aventurar em huma só ba-
., talha , o Cjue se tem ganhado em
3, tantas victorias : Temos pcder pa-
5, ra nos conservar inteiros , náo te-
„ mos forças para nos reparar perdi-
5, dos. Nenhum grande soldado tí( u
5j baralha campal , senáo necestirado ,
j, porque o destroço costuma ser i^ual ,
55 só íica com o vicicrioio o campo ,
3j e a fama inútil. De Dio náo que-
,, remos , nem podemos ter mais que
55 a fortaleza i pois com que fuíia ce-
5, ga tornamos a comprar com nosso
3, sangue , o mesmo de que íomcs se-
3j nhores ? Que novos povoadorrs t:^.
,, mos para habitar a Ilha ? De qu^
3, parte do mundo podemoj trazer ou-
j, tros , que deixem de ser Mouros,
3, ou Gentios , ds fé láo inccria com
53 o Estado , como estes , que ai^^ora
T ii „ no;;
278 Vida deDJoÃo deCast?o.
5, nos offendem ^ Vamos a peleijar com
5, Turcos , e com Mouros supjricres
,, em número , iguaes em arma.> , e
55 disciplina ; se tivermos hum succes-
3, 80 adverso , náo temos salvação , por-
35 cjue a terra he sua ; se o alcançarmos
5, prospero , nenhum fruto tiramos da
.j victoria. Com armas navaes con-
5, quistamos a índia , com» ellas a ha-
3, vemos de conservar , porque temos
55 a venragem dos va^os , e da mari-
5, nharia. Se náo queremos vencer ,
5, se náo em batalhas , arrazemos as
55 nossas fortalezas , derribemos os mu-
5, ros dr.s Cidades. Se me dizem que
5, he honra do Estado arruinar por
,, huma ofFensa hum Reyno , já esci»
3, vera despovoado o Oriente , se to-
5, dos os que nos fízeráo guerra re-
3, cebessem o ultimo castigo. Por ven-
3,' tura accusarerros a Affonso de Al-
3, buquerque , porque depois de soífrer
3, tantas hostilidades , e enganos dos
,, Fvcys , e Governadores de Ormuz ,
„ o náo deixou abrazar ? Perderá aquel-
5, Ia grande fama , que mereceo na
5, terra , porque nas offensas , e cavilla-
5, çoens do Çamorim. , náo deixou o
3, Malabajr destruído ? Maculará Ngno
3, da Cunha aque.le illustre norine ,
.3 porque depois das traiçocns de Ba-
3, dur,
Livro H. 279
., (^ur 5 não fez guerra a Cambaya ?
3, Iremos destruir ao Turco , polo
3, atrevimento , com qae cercou o sen
„ Baxá a nossa fortaleza ? Aprestare-
5, mos nossas armadas contra o Achem ,
5, porque tantas vezes nos assaitoa
3, Malaca ? Meteremos a fogo , e
3, sííngue este Hidalcáo , por nos to-
5, Iher cada dia os mantimentos ., e
3, inquietar as terras de Bardes , e
3, Salsete ? Que desesperação nos ar-
3, rastra a olierecer a garganta do
3, innocente Estado ao cutelo inimi-
35 go ? Esta armada táo espantosa nas
55 apparencíss, e no poder táo débil 5
„ he freyo a Rumecáo , aos nossos
3, muro ; porém desembarcados em
3, terra estes poucos soldados , abrirá
5, o Orienre os olhos ao segredo de
53 nossas forças , e todos estes Prin-
3, cipes trabalharão por rorr^per a fra-
35 Cjueza das prisoens , em que os te-
„ mos atados. Gloria foy do Império
PvOmano vencer muitas baralhas
Quinto Fábio Máximo ; depois
foy srJvaçio escusar huma. Os pri-
nieiroá Conquistadores nos fizerlo
a C35a 5 a nós só toca o conserva ia.
Se na oppiígnáçáo de Dio perdeo
55 o inimigo hum exerciio , que iralta
„ a esia facçáo para victona r E que
55 r^í-
28o Vida de D.JoXo de Castro.
, para castigo ? A oiíensa intent^se
5 com forças iguaes ; a vingança
, com niDJto superiores ; perene náò
, se ha cie ir a sansíazer hum aggra-
, vo com risco de nova injuria. Mór-
, mente , que em nada tem a fortu-
5 ra mayor império', que nas cou-
, sas de guerra j alcançáo-se muitas
, vezes as victorias .por leves acci-
, dences , e por outros se perdem.
5 Será pois justo deixar na contingen-
, cia de hum successo o cetro Orien-
, tal com espanto , e enveja das
, gences , fundado sobre tantas vic«
, torias ? Se perdermos esta armada ,
, onde está junto rodo o poder da
, índia, que thesouros poupados tem
, í>. Alteza para nos mandar outra ?
5 Começaremos a rogar , ou a con-
, quisrar de novo os Príncipes da In-
5 dia ; tornaríamos á sua mtancia este
5 império já encanecido ; viveremos
5 na cortesia das Coroas que temos
, offendido , ficando creaturas mísera-
, veis daquelles de quem fomos se-
, nhcres.
As rízoens de D. Diogo de Al-
meyda satfiíizeráo aos de sua opinião j
2^ eposia abailarSo os que tinháo outra. Porém
j^ Go D. loáo de Ca.tro , seguro na leso-
vc'''"-' l'^Jçáo rom.ida , discorreo em contrario ,
00 r <^í-
Livro IT. 28 í
dizendo , que nenhuma Nação domi-
nante se satisb.zia com a guerra de-
fensiva entre seus inferiores ; que o
Estado se fizera no Oriente arbitro da
paz , c da guerra , buscando es mais
dos Príncipes da Ásia nossa sombra
para viver seguros ; que todas as for-
talezas , que tiniiamos na índia , se
conservâváo com as mesmas arm.as ^
com que forâo ganhadas ^ que o res-
peito , que nos tinha o os Mouros , e
Genrics , náo duraria mais , que até
saber que podiamos sofrer huma in-
juria j que todos estes Príncipes esta-
váo attentos ao castigo de Cambava ,
e náo cusaráo atégora ajudala com
forças auxiliares , temerosos de pode-
rem cahJr sobre suas ruinas ; porém
se vissem que nos contentavan^oJ com
reparar os estragos de nossa fortaleza ,
e arar as feridas , que nos tinháo aber-
to 5 as torn.uiáo a rasgar de novo , en-
caminhando o segundo golpe ao co-
ração do Estado ; que a reputação era
ainia do ; mipeiios ; e o sofrimento nos
particulares , viriude, nas Corças, mi-
na j que tínhamos perdido neste cer-
co tantos Fidalgos i!!usrr?s , taniOi
Cíivallciros , e soldados de nome , que
coSririáo os vivos , como sinâes infa-
mes , a* fendas que i;:ceberáo nesta
gusr-
282 VíDADE DJoXODâCASTRO.
guerra , se as náo vissem vingadas ;
que ficava que coutar ao Mundo does-
te cerco 5 senão a paciência com que
o tolerámos ; que o Estado mais se as-
segurava com a fama , que com todâs
as drogas do Oriente j as quaes só eráo
de preço , quando as recebíamos , náo
por commercio , senão como tributo ;
que ultimamente, náo queria que a pri-
meira fraqueza de nossas armas acon-
tecesse nos dias de D. Joáo de Castro ;
que elle estava resoluto a pelei lar ; a
culpa seria de hum só , a victoria de
todos. Referio o Gcvernadcr estas pa-
lavras com hum espirito presago do
triumpho antevisto , ou da esperança do
successo j ou da grandeza do animo.
Contl- ^'^'^ ^^ ^'^-^ esravrio ociosas as ar-
vun Ru- rnas , porque Rtamecáo valeroso , e
tnecão constante , náo o assombraváo os da-
ce-7i nu- nos recebidos , nem os soccorros espe-
tfj mi' rados dos nossos. Sabia o poder , com
que o Governador vinha em pessoa ,
ainda estimado por raayor na fama ,
que na apparencia j m,as nem assi do-
brou da resolução de proseguir o cer-
co, esperando a ultima fortuna. Man-
dou m.inar a guarita de sobre a porra ,
em que estava António Freire , e aiti-
di que se trabalhava com estranho si-
lencio , divertindo a attençáo dos nos-
sos
11 íi.
Livro IT. 283
SOS com ardis diíFerentes ; o Capitão
mór , a cjuem nenhum caso , ou acci-
àenie , achava descuidado , ihe pene-
trou a obra , a quai contrapcz os mes-
mos reparos, que outras vezes* De- -^ -/«^
ráo os Mouros fogo á mina em d€Z(^<^"j'^S^
de Oumbro , a qual rebentou sem da- -^^'^ ^^'^
no pela face de fora , recrocedendo o "^'^^^''•,
fo^o por achar resistência nos repu-
xos , e vi ráo 03 Mouros Por dentro
outra psrede levantada , espantados de
que anteviamos os fins de todos seus
desenhos , náo lhes valendo a força ,
nem a industria contra táo valerosos e
prevenidos inimigos. Rumecáo ainda
/que experimencava que nas minas era
menor o fruto que o trabalho, ou por
cansar os nossos , ou por ter os seus
em boa disciplina , começou a abrir,
outras , que sendo também conhecidas
se at Iharâo , as quacs não referimos ,
assim porque náo involveráo successo
memorável , como por evitar o fastio
de relatar cousas táo parecidas.
LI-
A
L I V RO III.
Os dezasete de Outubro doeste an-
no de mil cjuinhentos (Quarenta e
seis , enrregando D. Joáo de Casrro
Porte o ^ governo da Cidsde ao Bispo D. João
Govcr- ^^ Albuquerque, e a. D. Diogo de Al-
mdor meyda Freire, soltou as velas em di-
fjarn reitura a Baçaim , onde quiz esperar
Dio, ajguns soccorros , e mantimentos , que
vinháo retardados , porque fez opiniáo
de não estar o Governador da índia
em Dio hum sò dia cercado ; queren-
do com a felicidade de César , che-
gar , ver j e vencer.
Com que Constava a armada de doze galeo-
armad^z, cns grosscs , de que era Capitania S.
e Capi- Diniz , em que líia embarcado o Go«
taens. vernador ; dos outros eráo Capitaens
Garcia de Sá , Jorge Cabral , D. Ma-
noel da Silveira , Manoel de Sousa de
Sepúlveda , jGr,^e de Sousa , joáo Fal-
cso , D. Joáo Manoel Alabastro , Luiz
Alvarez de Sousa. Os navios de re-
mo eráo sessenta , de que eráo os
principaes Capitaens D. Manoel de
Lima , i^' António de Noronha , Mi-
gue! da Cunha , D. Diogo de Sot-
t jmdvor , o Secretario A^ntonio Car-
neiíú 5 Álvaro Ferez de Andrade , D.
Ma.
Livro IIL 285*
Manoel Déça , Jorge da Sylvâ , Luiz
Figueira , Jeronymo de Scnsa , Kiino
Fernandes Pegado o Ramrijlio , Lou-
renço Ribeiro, Antcnio Leme, Álva-
ro 0'erráo , Ccsme Fernandes , Mar.cel
Lobo , Francisco de Azev:do , P^ro
de Attayde Inferno , Francisco da Cu-
nha 5 António de Sá o Ruir.e , Ccs-
me de Paiva , Vasco Fernandez , Ta-
nadar niór de Goa , Caco de ciuinze
fustis 5 cotias 5 e tauuns , em que hiáo
os Canarins de Goa, e ouíros navios
de Cana-.or , e Ccchim,
Em seis ; dias afferrou Baçaim , vin- Chcg;a a
do buscalo ao riívio D, jeronymo òt 'B^tçolm ,
]V5enezes seu cunhado , Capiráo mór ^ /'•••
d'aquelia fortaJcZA , consolando-se re- S""^' •''' ^
ciprocamente bum na morie do irmáo , ^^'"^^*
outro do filho, E porque o Governa- ^^'
dor náo oucria ter ociosas as armas ,
despachou D. Mancai de Lima com
seis nav;03 Ii.";e:ros , para que na en-
seada ds Gambciya hzess^ algumas pre-
sas nos navios , que soccorriáo , cu
basteciáo o Campo do iniíT.ii,o. Ka-
cjuella paragem aniou alguns dias , em
que romou^ sessenta cotias de Mouros
com manrimenros ) mandou espeiaçar
os corpos 5 e trazidos á íoa , os 50I-
tou nas bocr.s dos rios , para que a
corrente os ievaí-se a iliia , onde í es-
se m
a8á VidadeDJcao de Castro.
sem vistos com horror j e espanto ,
de que a ira dos Portuguezes inven-
tasse cada dia crueldades novas. Acab.-^-
do o tempo do regimento , sa-- reco-
Iheo D. Manoel com sessenta Mouros
pendurados nas vergas dos navios ;
espectáculo mais grato á vingança ,
cjue á humanidade. O Governador ale*
grando-se com estes ensayos da guer-
ra , Gue emprendia , tornou a mandar
D. Manoel de Lmia com trinta na-
vios , e instrucçáo , c]ue todo o mari-
limo de Cambaya puzesse a ferro , e
fogo , para que a memoria do castigo
durasse nas ruinns.
Loure»^co Pirez de Tavòra , Capí-
p.^ tao mor das nãos do Keyno (como
^ ^^J^ temos referido ) aportou em Cochim
huscar, ^^^'^ ^^ ^""""'s nâvios de -sOa compa-
nhia , e achando ahi novas do cerco ,
partio a Goa com toda a diligencia ',
crendo , que achiria o Governador em
terra ; e sabendo que se tinha leva-
do toda a armada , rota batida foy
demandar Dio , antepondo o serviço
Real aos interesses da viagem , cujo
exemplo seguirão muitos Fidalgos
Reynoes , sendo a primeira terra , que
pisarão da índia , as ruínas de nossa
fortalezi. Entre os quaes passou D.
Amónio de Noronha , filho do Viso-
Rey
Livro III. 287
Rey D. Garcia com sessenta soldados E cutros
á sua custa ; que estas eráo as ric^ue- Fldal-
zas , que os Fidalgos d'aquelle tempo èT^^J.
hiáo bu?car ao Oriente , porque eráo
eniáo melhores drogas as feridas , que
agora os diamantes. Nestas ndos teve
o Governador cartas do Infante D.
Luis , que referiremos , porque se veja
a attençáo com que o Rey , e o In-
fante olhaváo as acçoens mais peque-
nas dos ministros , fazendo d'ellas acer-
tado juizo , para lhes responder com
premio , ou castigo ; e a singeleza do
trato , táo alheyo da soberania , ou al-
tivez de outros tempos \ c não será
para os saudosos d'aquella idade , pro-
lixa esta memoria.
Carta do Infante D. Dm.
5, T T Onrado Governador , pelas car-
35 XjL ras que escrevestes a El Rey meu
3, Senhor , e a mim , vi o dibcurso
3, de vossa viagem depois de partido
3, de Moçambique até chegar â índia ,
5, e o qu« nella fizestes até a partida
3, das náos , e o estado em que achas-
5, les a terra , e a condição dos ho-
3, mens , c devassidão dos tratos , e a
„ fraqueza da armada , e com.o vos
„ houvestts com o Hidalcão nas cou-
,3 sas
288 VíDA DE DJoXo DE Castro,
,, sas do Meále , e assi nas cousas de
,5 Ormuz , e com os Fidalgos , que
3, cinháo licenças d«? Martim Arfonso ,
„ para levarem lá drogas , e tudo
,j mais , que por vossas cirras dizeis.
,, E porque ElRey , meu Senhor , vos
55 responde a todas estas cousas em
5, particular , o náo farey eu , senão
5, em somma. E porem náo deixarey
5, de dizer , quanto me assombrou ca em
55 terra o perigo , que passastes a tra-
55 vez da Ilha do Gomaro , porque
55 verdadeiramente íoy aconrecimento
5j muy grande , e temeroso , e porém
55 eu o romo como por boa estrea ,
55 porque me parece , que vos quiz
5, nosso Senhor mostrar nisto , que vos
,, ha de salvar dos perigos da terra
5, da índia , para que he necessário
5, tanto milagre , ccm.o usou comvos-
55 CO , em vos salvar de tamanho pe-
55 rieo ; polo que eu lhe dou muitas
5, graças ; e folguey de saber , que D.
55 Jeronymo de Noronha vos teve com-
,5 panhia neste perigo , pois Nosso
5, Senhor também o salvou a elle ,
55 e he causa de homem tão honrado,
5, como elle he , participar dos peri-
,5 ^03 5 e trabalhos de seu Capitão.
55 Quanto ás mi^.is cousíís , que me
5, escreveis , porque ElRey , meu Se«
5, nhcr.
Livro IIL 289
„ nKor vos responde a codas em par-
,5 ticular, e eu fuy presente 2S mes-
,, mas repostas , náo me parçceo acer-
3, tado tornâivolas a referir , porque
35 por suas cartas vereis o cor.tenta-
5, mento que tem , de como nessas
3, partes o começais a servir , e a boa
3, opinião que a gente tem de vós ,
,3 o que parcicularmente vos manda ,
„ que façais em cada cous:;. O que
,3 vos eu disto mais posso dizer he ,
3, que estou muy contente do modo
3 3 que levais nas cousas dessa terra ,
„ e do que nella fazeis , e dizeis,
,, porque bem se mostra nisto , que
,3 o passar tantos cUmas vos náo mu-
5, dou de quem éreis , e da conta em
3, que vos eu sempre tive , porque
33 vos náo contentais de mostrar isto
5, assi por obras , mas além disso vos
5, ides sempre penhorando com pala-
3, vras de demcnstraçoens a fazer o
,, mesmo ; o que eu tenho por muy
,, certo que vós fareis sempre inteira-
3, mente, quanto humanamente se pu-
53 der fí«zer. Do modo que escrevestes
5, a S. Alteza náo esiou menos con-
,5 rente , porque vieráo vossas cartas
„ muy bem ordenadas , e nelias
3, todas as cousas necessárias , e ne-
„ nhumas supérfluas ; e bem se vé
« nel-
ipo Vida DE D JoXo DE Castro,
5, nellas o mesmo que assima dgo ,
,5 e que entendeis as cousas , e cjue
,, tendes zelo , e dezejo de as fazer
3, sem respeito tem|:oraI de arrior ,
5, tiem interesse ; o que muito foi^^o
5, de vos ouvir , porque ainda que eu
3, tenliO por certo , que o fareis assi ,
55 parece huma grande avond^inça de
,, coração . e de viitude , que nelie
„ tendes , folgardes tanto de o dizer j
5, peio que eu espero em Nosso Se-
5, nhor , que vos ha de cumprir vossos
5, bons desejos , e que vos iia de tra-
35 zer d^essa terra com m.uito vosso eon-
3, tento 5 e honra ; porque não pod^
3, deixar de succeder isto , a quem ne^
3, nhuma cousa procura , senáo o ser-
3, viço de Deos , e de seu Rey , e
3, ainda que vos isto ha de custar gran-
„ des trabalhos , lembrovos que nel-
3, les está o merecimento das cousas ;
5, que a Chisto Senhor Nosso conveyo
3, passalos para entrar na sua gloria;
3, e se vos parecem, as cousas diffici-
j, les , lembrevos que estas sáo as em
3, que Deos poern a mão , e o que
3, r.juda a quem o serve nellas com
5, a tenção com que vós o fazeis , e
3, os homens náo podem pôr mais de
„ sua casa , que a vontade , e a diligea-
35 cia i e por isso ,b'âo Paulo náo at-
„ til-
L I V R ò III. 29T
,, rribuhia a si , 'niíiis que o plantar
3, das cousas, poroue Ceos h?. de dar
5, o incremento ; e âssi o dará elie
5, em todas vossas cousas , como as
„ plantardes com o zelo , que eu can-
5, ho que vós rendes em todas , e por
,, isso vos náo cspaníem as grandes,
3, nem tenhais em pcrxo as pequer.as :
5, fazey igual ponderarão , e os fins
5, delias remetey-os a nosso Senhor;
55 e posto que algumas vos náo sayáo
5, como desejais , nunca entre em vós
3, desconfiança , em quanto íizerdes
y, as cousas cem justo zeio , e limpa
j, tenção , porque iriuitas vezes per-
5,' miue nosso 8enhor aos que o mai-s
J5 servem, que façáo erros , para ene
,; mereçáo na paci:ncia , e na confi-
„ anca ò'diQ , e se espertem mais
5, nas cousas , e se acrescentem- enri
3 5 mayor perfeição. Fazey justiça , co-
,, ma a entenderdes , tomando sem-
5, pre conselho , e parecer nas cousas ,
5, como fazeis ; conservai-vos na lim-
„ peza de vcssa pessoa , que usais
3, acerca dçs combates dos gostos
3-. temporaes , e interesses d-essater-
„ ra , e jcom isto venha o que vier ,
3^ porque tudo será para bom Hm.' Nas
5^. cousas.^ que tocáo ao cuito. cjvjno ,
5, na. conv^jersáo dos infiéis AOS esmeray
V „ mui-
29^ ViDÀ DE RJfifSo D£ Castro.
•^5 muito, por(]ue estas são as armas,
5, que principalmente háo de defen-
yy der a Indra. Procuray de lançat
^j d'essa íerra as despesas sobejas dos
53 homens , e as branduras , e delica-
55 dezas , de que usáo ; e os vestidos,
35 e paramentos de casas , que era-
5, táo , dispondo-os para estas cousas
5, branda , e suavemente com o exem-
;5 pio 5 que lhes dais , e de vossos
55 filhos , e com fazer favor , e mercê
5j aos que usáo do contrario ; e se
5, estas cousas não puderdes emendar ,
55 não vos espanteis disso , porque
5, as que se danáo com lerepo , com
55 tempo se hão de tornar a emtn-
5, dar , Je não se podem remediar de
3j improviso : por isso ide continuan»
5, do cojn vosso bom propósito V e
ji' fazendo as cousas segundo a dis'-.
5, posiçáo do tempo , e o sujeito tias
5j pessoas erru que haveis de obrar ,
„ qtje com isto espero em nosso Se-
3, nhor^ que- encaminhe todas as vos?
5, sas fiousas a seu seiviço , e ao d'tl-
55 Rey , m-eu senhor , e a 'vossa lion-
•5, ra:, como desejais. Qu2T5to ao que
5, me dizeis , que procure que vossa
,5 eitaáa' seja lá breve -, beni vejo que
,3rtei^des'/JTinita-^ razão- de p- desejar
5,£asâie-^ a .me.parecê' que se^írváo po*
n..<-r. >. . ,. de
Livro III. 293
55 de tratar até náo ver as vossas car-
,, tas , *^ue este anrxo embora virão ,
3, e por isso deixo a repita deste
„ ponto para o anno , que embora
55 vira. E acerca do c]ue me escreveis
53 de D..Aivaro vcsso filho, eu falley
5, a S. Alteza naqiielle negocio , e
55 S. Alteza o conhece bem , e esrá
33 bem inbrmado das qualidades de
3, sua pessoa , e deseja de lhe fr.zer
53 honra , e mercê ; e porém por :ú-
5, gumas razoens, que S. Alteza vos
„ manda escrever , e porque este an-
33 no escreve , que náo m.anda lá ne-
5, nhum despacho , houve por bem de-
„ terir este para responder a e]ie o
a, anno que vem , e por entretanto
3, lhe manda Fazer n mercê , que ve-
5, reis por suas provisoens ; a mim me
3, fica muy bem cuidado de lhe lem-
5, brar tudo o que a vossos filhos lo-
35 ca ; espero em Nosso i^enhor , que
,5 se faça de maneira , que elie rece-
3, ba honra , e mercê de S. Alteza ,
33 como vosso iVJ-iO , a quem deseja
33 fazer o que vós lhe mereceis j e
3, podeis ter por cerro , que S. Aire7a
3j esrá cm muy verdadeiro ccnhcci-
3, mento da vontade com que servis ,
35 e muy contente do modo , que o
33 tendes feiro atéoui, tu íaliey' a S.
V" 11 Ab
294 VíDA PE PJoXo Ds Castro;
5^ Alteza ,eni Aífonso de Rojas , .ç
por vosso .respeito 11^ fizera logo
3 nier<:è , que lhe evi pedi , mas
porque (corno digo>) manda dizer
, ás pessoas , cine andáo na índia ^
5, que esce anno náo manda H nenhum
55 despacho, deferia o de Affonso de
3, Rojas para o annp que vem ., e
„ diz que para entáo lhe fará mercê.
3, Eu jcerey cuidado , se a Deos aprou-
55 ver , de vos mandar 2 provisão , c
5, folgo eu muyto das boas novas,
,5 que me dais de Aífonscv de Rojas,
5, e de crer he , que sendo irmão do
3,. mestre Ohnedo , e estando em
,, vossi companhia , náo pode deixar
5, de ser homem de bem. O que
5, me mandastes nas náos , que vic-
35 ráo , me íoy dado , e com tudo
3, folguey 5 por ser cousa que veyo da
3, vossa mão j agrideço-volo muito,
3., Escrita em Almeirim , a vime seis
3, de Ma^^o de 'mil quinhentos qua-
3, renta 5 c sette. O I n f a n t e Dom
35 L u 1 ::,
Partido de Baçaim D. Manoel de
^^""í_ Lima 5 en rcu de noire o rio de Sur-
p^ivl- ^-^^^ ' ^ sobindo por eile çom a ma-
pêd (h ^^ 5 avistou huma povoação grande y
Xi'7Jj .:'?! *^,"e ainda que náo era habitada ds
'^inr.iíc, Abexir^s , tinha d'eliei o nome. Esra^
va
L I V 1^ o III/ 295:
va â povoação da banda de Levante , ^
derramada em huma esrend ida planí-
cie , e ainda que ò lugar era aS erro ,
íinha dous mil vézínho^ , que assegn-
íaváo a defensa' cem algumas trinchei-
ras , sem -oiltra forrificrçao , f pdo5
<]uiçá , em qníi "os sens nesta guerra
-eráo 03- iiTvaíoreè'- , ' e* nas espaldas
«que lhes fazia o exercito ''<]ne tinháo
Tsâ <:amp2nhâ- Sahio 0. MáWét^ em
terra , e os nossos com a 'mesma ordem ,
■com (]uc desj^mbarcwáo , hiáo' envés*
tir a infmigo , mais valerosos , aue àiS'
-ciplina^ò?. Os Mouros i:ive;áo' animo
•pára esperaf',"riáo para resi^nr , trienos
"assombrados de lernor Jos nossOs ,;^qQe
■òò horror de''seus primeiros mci;t03 ,
cujo sani^uc os intimidou de maneira ,
•qoe vcIi?,rso ascojrss. Perecerão mui-
tos na fog-id a , poucos na resistência;
foy o estrago grande , porque não per«
■doou a espada dos soldados á sexo ,
tiern á idade. Mandon Dom Míínoeí
pôr fogo ás casas , abrriZ.TâO-Fe fazen-
das , e edifícios. O furor deprezcd
a cobiça : mandou cortar as ri-.áos a
hUm sô iVIourOj qtse deixou com vi-
ida • , para que náo le^-asse novas sem
^inaes da victoria. Jisscfc: a
Sahio do rio a armada , e costeando Cla< di
<lous dias , houve vista da Cid:ide áe d,- Ama-
"■'-■ An- te.
ipá Vida DE DJoSoDs Castro;
Antote , .conhecida pela soberba dos
edincíos , e riquezas de, seus habitado-
res grossos com o commercio maritimo.
Estes prevenidos com o estrago alheyo ,
resolveráo-se a defender suas casas , ou
morrer dentro nellas ; táo iguaes an-
dáo na estimação com a vida , estes
bens da fortuna. Tomou D. Manoel
terra -, . inda , qué náo sem sangue ,
porque os Mouros, vieráo esperar os
nossos , mostr*inGO-3e na resolução sol-
dados , mas náo na disciplina , porque
divididos em magotes , acommettiáo
aos nossos com tires vagos , e incerros ,
descobrindo o mesr;^.o temor lia resis-
tenci.i 5 que depois na fogida. "D. Ma-
noel os fcy levando até os encerrar
na Cidade , onde á vista das mulhe-
res , e filhos , os fez. deter piedosos.
Aqui pareceo aos nossos , que tinháo
inimÍ2,os , porque peleijaváo com amor
de pays , tíbios em defender as pró-
prias vidas , valentes em amparar as
alhèas i mas como o valor náo era
patural , e nascia de affectos piedo-
sos , ou covardes , cedeo .a piedade
ao temor , deixaiido-nos a Cidade , os
filhos, e a victoria.. E como D. Ma-
noel hia mais à destruir , que à ven-
cer 5 den a Cidade ac fogo. A cruel-
dade sobejou ao estrago , porque ;j
mui.
... Y?f Livro III. 297
moiras .donzella^ Bramarias , na cor i
e termosura 5 como as da nossa Euro-
pa 5 nr.o perdoou a.vi<3tona, exiniin-
dq-as da eulpa o sex^; o parecer da
espada,
Foy D. Manoel de Lima assolan- ^ '^"^'''"
do os lugares da costas por toda aouel- '"ô^»*^^ »
la enseada de Cambaya , fazendo \aes ^''/''^'
estragos, que o nso fart?íva o ssngue , ^''^^'
nem a vicroiia. Em. fim se recolheo com
mais gloria que despojos ; e achou o
Governador ja na liha dos Morros
com toda a armada junta , com a qual
no seguinte da, x-ue forâo seis de No-
vembro , se fez na volra de Dio : hiáo
os navios boyanres , cheyos de flâmu-
las , e galhardetes , dando de si huma ,
íerniosa vista.
• Tanto que da fortaleza descobrirão ^•^^3'* •
p. armada , foy o conientamtnto uni- ^^^''"
.versai de todos, como os que depois '^^í^"* '^
de tantos dilúvios de sangue. , viáo ^"''
quem lhes levava a paz , pela vicro-
na. Enibandeirou-se a fortaleza' toda ,
vestindo-se de alegria as prostradas rui-
nas. iMâ.ndou o Capitão m.ÓT disparar
a artelharia. O Governador Ih? * res-
pondeo do mar com huma espantosa
salva ', a que succederáo os instmmen»
tòs musicas , e guerreiros das trom-
betas bastardas , .solemnizando cora
'^ L âie-
2.98 Vida. DE DJoXt) de Castrou
alegres vésperas hum temeroso dia. Os
Mouros lambem disparaváo muiras pe-
ça? , mostrando da chegada do Gover-
nador alegria, j«u dejprezo.
P _ Ficou D. João de Castro no mar
selho iij ^1"^^^^ ^'Oi^^ > donde mandou chamar
^^^^,^ ao seu navio ,. o Capitão mór , Gar-
cia de Sá , Manoel de Sousa de Se-
púlveda , Jorge Cabral , e outros Fi-
dalgos de conselho ; aos quaes signi-
ficou a resolução com que vinha de
peleijar , sobre que náo queria parecer
alheyo ; que o Governador da índia:
náo desembainhava, a espada para se
defender , senão p^ra castigar ; que no
modo de cometer o inimigo , o acon-
selhassem .todos. Garcia de Sá lhe ap
provou , e louvou a resolução toma-
da , apontando razoens , que ao Gover-
nador foráo m.uy gratas , pola pessoa ,
e poios fundamentos. Sobre a forma
de peleijar se disccrreo , e assentou
modo , que se teve encubcrto até a
execução. Ordenou que se metesse a
gente na fortaleza no silencio da noi-
te, e em quanto desembarcava, com
Mete a í^''-5sicas , instrumentos , c tiros do3
^e>:t<; na f^vios , occultar a Kumecáo o inten-
Jortale- ^o. Em tres noites passou a gente à
zrt. fortaleza por escadas de corda •-, o que
se obrou táo cautamejite , que o nao
pOT
L' I V K o III. 299
pode entender o inimigo.
Rumecáo mosrrando-sc mais ous^- Dkcnr-»
do no peri§;o visinho , disse aos seus , /^ de
que se o Governador quizesse pelei jar R«»ne-
na campanha , entrariáo os iVleuros c'^'^-
na fortaleza pelas portas , e náo pelas
muralhas ; que com as bandeiras Pcr-
tuguezas esper&va varrer a casa do
Proprieta ; que peleijaváo pola liber-
dade de tantos Frincipes , que gemiáo
opprimiJos do peso da servidão , e
tributos i que poupassem o VAlor para
-vingar injurias de muitos annos em
hum só dia \ que com o peso de ra/i-
tas victorias já . náo podia o Estado ;
que oídenava a fortuna tra zelos jun-
tos . para os acabar de hum só^ golpe.
Esforçou estas arrog^nciss o Tu\qo \(lue ex-^
com mandar que a todos es soldados ^'-^ '/o /i-
se dobrassem as pagas. Passava de qua- "/«fl.
renta' mil hom.ens o exercito ; eráo
os mais dos Cabos Turcos , soldados
velhos , chamados com avantajadas pa-
gas , a quem a fama do valor fizera
conhecidos. Haviáo chegado de refres-
co ao Campo, setecentos Janizaros ,
que quizeráo , ■com soberba miiirar
separados , como para verem os Mou-
ros , quem lhes dava a victoria. Guar- E cawt
neceo Rumecáo as estanciai , e poz ^ ''T**
o grosso do exercito nas Pittes cnde '-'•"•
. lhe
300 VíDADSD.JoXODECASt-RO.
llie pareceo , que poderh pojar a nos*
s.l armada , seni que a^ coníiença lhe
fo^se impedimento á disciplina. 0'eãta
sorte esperou a invasão dos no ?os , ;á
Tcsisrencia proitipto j e nibitalha iii?
certo. ■• .\^'o7 r;.-'
2lrj<?/y« Tendo o Governador recolhido na
cGover.^^^^^'^^^^ '\^ to^^Oi os sold.ados , schou
nacíor ^obre acometer o inimigo í opinioens
j:jr bn- diversas ; e como as razoens de huns
telha, e outros cahião sobre a contingência
do successo, náo se pO^iMò escolher,
nem reprovar sem. o conhecimento do
futuro a todos escondido. --Garcia dé
Sá cem aiuhoridade - do5 ^nnos , do
valor , e do sangue , discorreo outra
vez sobre as conveniências da batalha ;
mas D. Joáo de Castro , mandando
guardar silencio a todos , disse que a
sorte estava já lançada ; qne dos va-
leroso? seria bem julgado , dos fracos
náo queria ápprovaçáo , e os de fora
espera riáo o successo para fazer juizo.
Aquella t^rde gastou em dispor os sol-
dados para o seguinte dia , para que a
dilação náo alterasse os ânimos , oa
Cnlem ^ resoluçáo. Ordenou que os bateis
<)uedeu ^^ Armada esperassem- sihal com três
4i<ir'ua- foguetes da fortaleza , para que no
lia. mesmo tempo , que os nossos deter-
minassem jsâhir, fossem remando con*
tra
L I V 1^ o III. gol
trâ aquelia pane 5 donde o inimigo se
temia , tocando os instrumentos de
guerra , fingindo todas as demonstra-
çoerís de saltnr em terra , metendo
pelas perchas das fustas muitas lan-
ças , cuja vista daria apparencias ao
engano ; e a do Governador se daria
a conhecer de longe pelo lugar , e
, bandeira Real , e pelos atiavios ; si-
inuhçáo que ou nos deu , ou ajudou
a victoria.
Araanheceo o dia , em que se con- F^r» oa*
taváo onze de Novembro , dedicado ^''^^
 memoria do glorioso S. Martinho P''^^^^^
jBispo Turonense , que nos podia fa- f*'*^"^*
yorecer Santo , e ajudar Soldado. Com
a primeira luz do dia appareceo o
Governador no terreiro da fortaleza
com bastáo de General , vestido de ar-
mas branc2s com tanta mngestadc ,
^que na pessoa se respeitava o cargo,
Celebrou-se Missa em hum alrar pa-
tente a todos , para que ao Deos dos
exércitos se pedisse a victoria. Com-
mungou o Governador , e a mayor p:.rte
dos soldados , e o Cusrodio dos Fran-
ciscos publicou indulgência plenária
aos que morressem na batalha. Acaba-
do esfô acto , mandou tirar as portas
da forraleza , e guiznr cem ellas hum
almorço aos soldados , para <juc a con-
íian-
302 VíDA. DE DJoXo DE Ca5T71(5.
fiança ão General , e a deíesperaçáb
de algum abrigo igualrr*ente servis-
sem á victorii , fazendo-lhes o peler-
jar preciso por gloíía , ou por ne-
cessidade ; disse assim aos soldados :
Ffi//^ 3, Entramos em hunia batalha , onde
teos sol- ^^ vencidos honraremos nosso Deo^
VtíJiJj. ^^ ^Qrn o sângne ; vencedores nosso
5, Rey com a vícroria. A força do
5, exercito inimigo sáó Turcos , ^'è
5, Janizaros , os quses como soldados
5, mercenários biiscáo â guerra ,' abor-
5, recsm a peleij:?. A òutfa partt se
,, compõem de naçoens differenres , b
„ scldo as obriga a estar juntas jfn^
,, náo a estar conformes. Não íáo esí-
3, tes mais valerosos -c]ue «eus pays ,
5, e avós , não seráo ttíais felices , à
,, todos sujeitarão nossas afmas.- Esre
„ Império da /'^sia he íilho'^ de nossa ^
5, victorias , criámolo em seu primeiro
,5 berço, suítentemolo agora já robus-
„ ro , que depois de largas idades nos
,, ha de mostrar ao mundo com o
,, dedo a fama deste diâ. Animar i
,5 batalha , fora esquecerme que 3omb«
,, Pnrtuguezes. ' '••
Nesta forma tinha ordetiâdo a geíi>-
Ordem ^^' ^^^ a vanguarda a D. João Mas-
<m oue carenhas , devendo-se-íhe este mayor
#/ poz. perigo , como premio dos ousros ; ag-
gre-
Livro III. 30:5
gregoii-lhe quinhentos Portuguezes ,
seiscenroy Canarins , quinhentos Nai-
res. A D. Álvaro de Castro , outros qui-
nhentos Portuguezes , em que en-
travão rodos os Fidalgos , e Capiíaens
de sua Armada. A D. Manoel de Li-
ma outros quinhentos. O Governador
licou com os mais , que seriáo oito-
centos Fonu^uezes com alguns Cana-
rins . e Malabares,
Os Mouros cada dia engrossaváo o Coms-
campo 5 e de fresco tlnháo chegado te a af'
Alucáo , e Moiavecáo com cinco mil '""^^ *
soldados. Mandou , o Governador ta- ^'^^''''^*
2cr sinal á Armada com os foguetes ,
o qual conhecido , partio á voga ar-
rancada , e arrJm,ando-se á praya , des-
parou a artelhar a toda nas estancias
dos Mouros i esccndeo a fumaça os
navios por hum espaço largo , com que
o inimigo não acodio ao que havia
de ten-jcr , ssnáo ao que temia , soli-
cito no perigo imaginado, descuidado
no ceíco. Rumeclo com o grosso áo j^^({g
exercito Ci^rregcu áqueila parte úo ^m R^f.
mar á mipedir a desembarcaçáo aos ,recáo.
nossos^ O Governador s:ihio á este ^ ^^_
lempo da fortaleza com escadas pie- ^,^,,.„^.
venidas para encostar 20 muro. D. ^^'^ ^^/^^
Joáo Mascarenhas toy com os de sua ^•,, f^rta-
companhia cingindo a cava 3 jor su-7,.j;,.
bír
304 VíDA DE DJoXo DE Castro.
bir por aquella parre , onde estava o
baiuarie de Diogo Lopez de Sequei-
Príohs-^* Anronio Moniz Barr«ro , qus hia
íimoso nesta conserva , encomendou a suh es-
de ires Cada a três valentes sold.idos ; estes
seUados, fofáo OS primeiros (]ue ensanguenta ráo
a victoria , sem (jue chegassem a
veia. Tinháo vindo a(]uelle anno nas
nãos do Reyno com Lourenço Pirez
de Távora ; eráo naturaes da ViUa
do Torrão , e traziáo cartas a Antó-
nio Moniz de sua máy , que lhos re-
comendava , as quaes lhe deráo es-
tando para entrar na batalha i eíle as
recebeo alegre , dizendo aos soldados ,
que se livrasse com vida , lhes faria
bons officios com o Governador , ao
que elles responderão conformes , que
só naquelle dia necessitaváo de seu
favor j que ao diante seus procedi-
mentos lhes fj.riáo passagem ; que
lhe pedião lhes entregasse aquella es-
cada 5 seguro de que a í^ahenáe arvo-
rar , e defender com as vidas. Antó-
nio Moniz vendo brios táo honrados
em soldados humildes lha entregou
confiado , dizendo , fiava d'elíes o
credito ", e a e.cada ; mas logo que
levantarão com desgraciado valor ,
hum tiro cego lhes estroncou as ca-
be^^âs,
Re-
Livro III. 305"
Referirey hum estnnho desafio , Vcr^fi
^ue deixara . de escrever por lastimo- esira-
so , senáo fora ráo illustre. D, joáo ^^^^^
Manoel , e Joáo Falcáo , Fidalgos de
muita opiniáo , andaváo entre si mal
avindos por desconfianças leves , Que
no juizo dos homens , vem a pesar
aquillo , em qize se esrimáo. Tratarão
de averiguar no c:;rapo estes desabri-
mencos , fazendo juiz d'esta pQrfia o
valor , ou o caso. Os padrinhos , (]ue
entraváo na contenda com mais livje
juizo, reduzirão a questão á mais hon-
rado dueíio 5 discorrendo que o Go-
vernador tinha á pique a jornada , e
que o desafio , que sempr'e era ddi-
cro , seria agora escândalo ; que pe-
lo bando perdiáo as cabeçjs \ e que
D. João de Castro não era pay , ain-'
da que o parecia j sofria cuípas , nias
não atrevimenics ; que podião sanear
as ..onras , onde arriscavão as vidas ;
concertando -se qi^e o que primeiro ,
e com mayor valor sobisse o muro do
inimigo , fica^^eípór melhor reputado
na singular , :eÍia commum batMha ,
invenrando com' engenhoso valor ,
morres com prémios \ Jé^os sem
culpa. SarÍ5fizeráo-se dá pr'dpcsta hum,
c outro inimigo ; pedirão a pirentes ,
e amigos ihes tivessem as escadas V
Cd-
3o6 ViDÁ DE D.JoXo DE Castro.
como homens , que . haviáo de pelei-
jar pola honra do F-srado , e pela
.^ sua. Começarão de sobir a hum mes-'
nio tempo. D, Joáo Maneei , lançan-
do huma máo ao muro , lha levarão»,
de hum golpe , acodindo com a ou-, i
tra também lhe foy cortada ; soccor*.
rendo-se dos cocos para ferrar o mu-.
ro , com hum golpe de alfange lhe
levarág a cabeça, Joáo Falcão accom-
metteo ao mesmo tempo o muro , c
rendo-o já vencido , defendendo-se va-
Jerosamente , foy morro a cutiladas.
Sobre qual doestes dous contendores
deu mayores provas de valor , fizeráo
os soldados, de brio juízos difFerentesf
nós diremos , em beneficio de ambos ,
que não devia mais á honra , quem
deu tudo por ella.
^ . Começou D. Joáo Mascarenhas*
Vrie fax. * i
f; r - com os seus a arrimar as escadas , so-
Mds^a- ^'""^ muitos com tanta resolução ,.
nhãs. como fortuna , porque ainda que re-
cebidos nas lanças , vencerão a resis-
tência i estes compxs.^ão a gloria de
ser primeiros com o pf ^igo de se achar
sós no campo , tendo . o peso dosí
Mouros '^^\ quânip. .-Ih-^^ chegaváo os
compar\íieirps. Os feitos de ar.xas ,
que se obrarão .nesta primeira escala ,
se deixão conhecer, da postura com
que
Livro III. 307
que se combatia ; pois os Mouros pe-
leijaváo firmes , e os nossos penden-
tes. D. Álvaro de Castro , e D. Ma- ^"^ >«
noel de Lima atravessarão o muro por ■^' ^ '
differentes partes , recebendo na ma- "^^^^ "
yor resistência mayor dano. Perderão ^^ '^^*
alguma gente em quanto peleijavão
derramados , logo^ que se firmarão ,
dcrão lugar mais franco a que os seus
sobissem.
O Governador achou no raso mayor Perig»
perigo , que teve na sobida , porque do Go'
encaminhou logo á ponte , que estava vema'
defendida com hum grosso de gente , ^^^ "^
e muitas peças assestadas nella ; a im- F*"^**
çortancia de ganhala era igual ao pe-
rigo. Commetteo-a o Governador a ris-
co aberto i o valor íoy singular , o ca-
so milagroso , porque chegando mui-
tas vezes os Mouros o murrão ás pe- j^i^ra
ças escorvadas , nenhuma tomou fogo ; por mi-
successo para milagre opportuno ; pa- U^rc.
ra accidente raro. Porém não quiz o
Ceo toda a victoria , porque crecen-
<do os Turcos na defensa da ponte com
escopetas , panelas de pólvora , e lan-
ças de arremcço , retardarão o impe*
10 dos nossos. Alguns voltarão os ros-
tos aos pelouros , quiçá para mosirar-
nos Deos quanto valemos , ileixados
em nós mesmos j fogião os fracos, de-
gcS Vida DE D.JoXo DS Castro.
tmbao-se os valentes , porcra D. ]oão
de Castro a nenhum inferior no es-
torço , mivor que todos no acorík) ,
com alguns que o acompanhaváo ,
cerrou com o inimigo , bradando a
Acelama vozes iltas ! Victoria , fogem os Tur-
-9 íiUi-ía. cos, Esra voz se derramou com tão fe-
ijões 2CC0S , que os nossos outra vez
unido? , buscarão sua bandeira ; e os
inimigos timiíics , ou crédulos , foráo
perdenJo o câmpo ; sendo esta voz
ào General a porra por onde efti.ròii
a victoria. Aqui fizeráo os nossos es-
trago , como de vencedores , e o que
era ardil já parecia verdade. O Go-
vernador sem perdoar instante á sua
fortuna , foy atravessando o Campo ,
e como nem a victoria tem lemerf-
£ ptúst' dades , nem o temor conselho , D. Joáp
^uç a, cercado de quasi todo o exercito ini-
migo , se acclamou victorioso , fo-
gindo por aquella parte os Mouros
sem dano , mas já desordenados. Em
fim tivemos pot seu lado a victoria ,
primeiro que a baralha. Entre os da
companhia do Governador se afíir-
mou sem coniradiçáo , que fora elle o
prifriciro que cavalgara o muro , e des-
ç,(ít diz ^^ ^^'^<^ ^20 achou testimunha contra
«í< Lo't- si , TtiAÍi que a si mesmo , que lisamen-
renço tft disic , quc Louienjx) Pircz de Tavo-
L I V K o III. 309
ra primeiro a/Ferrara o muro; não que-
rendo o credito da fama menos ave-
riguada , havendo por escusado furtar
honra 5 q;em sabia ganhala.
Avisado Rumecáo da desordem com Opp^'«rnr
que os seus íogi^io , acodio com hum se Ru-
grosso batalhr,o de Turcos & deter , ou mecão*
estorvar a victoria , e como a venta-
gem do número era táo superior , re-
tardando a íuria dos nossos , igualou
a batalha. Durou a porfia espaço lar-
go. Foy derribada duas vezes a ban-
deira Real j o que vendo o Goveifta-
dor bradou impaciente : Qne he isto
Portuguezes ? Tiráo-vos das mãos a vi-
ctoria í Tiráo-vos a bandeira ? E reme- PeUija
tendo ao inimigo cubetto de huma o Govcr-
adarga , em <}ue trazia duas scttas era- nedor
vadas , com a voz , e com o exem- pessoal-
pio animou os soldados de maneira , Ȓ^"^^-
que com furiosa corrente , fizeráo re-
troceder aos Mouros , fugindo os últi-
mos com o terror dos primeiros.
D. Álvaro de Castro , e D. Ma-
noel de Lima , feitos em hum só cor-
po , se fizeráo envejar de seus solda-
cios , e de seus inimigos. Accoramettc-
ráo a Alucáo , e Mojatecáo valentes Tur-
co» , e Cabos principaes do exerci-
to , que muito espaço lhes fizeram du-
vidosa a victoria. O sangue tingia
K ii as
jTo Vida. de BJoXo deCastrow
S5 armas , tingia a terra , a voierh do«
Melros esíremecia o Campo como
peri^ novo; o horror , e a conRisáo
arrebatava os sentidos , de sorte , que
aioiros senti áô as mortes primeiro
Fítân- ^'^^ ^s ftx'iâzs : cedeo em êm ao \^«
clíís dos lor o "numero , e os Turcos se retira-
tjãrm^as láo com íníinicos mortos , as eçíâiícias
ganha- pcfdklas, O. Jo30 Mascarcnhp.s accom-
daí» c meneo a Juzarcáo , ao cju^í ganhou
for o posto com nâo menc? valor , nem
iiacm, pevor fonuna, Rumecío não per-
dendo animo , nem acordo com a pri-
VLwnt' meira desgraça , esperou a ultima ,
cão «é formando seas esquadroens nõ campo
prmano aberro $ ou fosse necessíiiade , ou con-
cempa fiança ,, -porque ení tam numeroso exer-
ras&. cito m^is se conhecia o tremor , que
a perda , e como he próprio nas des-
graças accusar a fortuna , fez Runve-
cáo suas expiações com vozes , e ala-
ridos supersticiosos . que os n^^ssos ou-
virão , como para conciliai a indigna-
ção dos Astros. •'
O Ga- D. ]oâO de Castro , não querendo
vcrna- perder hum sò momento de tam ter-
dor , e moso dia . juniou a si o pequeno exer-
s€u Ji lhe Qito y e dando a vanguarda á seu filho
o £nves' D, Álvaro , arrostou o inimií^o , que
Um, ^ espeiou formado , e estendendo as
pontâs da mca lua , com que estava
plan-
Livro IIL ' jit
plantado 5 veyo cingindo a nossa in»
fanreríâ ; porém D, Aívaro , como se
quizera para si s6 â gloria d'este dia ,
cnvesik> o inimigo com taíiía g,enti-
leza , quç foy entfe os seus o primei-
ro , que chegou a ferir os Mouros 5
comecendo , ou abrindo com espada ,
e rodela hum esquadrão r^rrado. Sus- ^' •^^*
tentou o inimigo o c^mpo na prin-.ei- ""'^^^ *
ia envestidâ , mas náo podendo sofrer ^^^P^*
o peso ó^) batalha , começou a retirar-
se com desordem. Os nossos rompen*
do de todo as fileiras turbadas , se-
fnjiáo m.'is , que destroç-ivão os ini-
migos rotos. Por esta parte se come- Tema
çou a declarar a vicioria ; mas Ru-Rurr.^
medo com bum grosso bataiháo de *''^<^ ^
Mcunos , e janizaros , fez aos nossos./-''^-''*
losfo , que derramados no alcance , 011 »'**'*'^*
de-prezaiáo , ou esquecerão a disci-
plina.
Aqui esteve D. Alvaio perdido , Perigo ,
porq'.:e nam podendo seus soldados ^ f^"-^-
resistir divididos , hiáo deixando aos (^"^^i^
inmiigos o campo , e a victoria , sem "^ ^'
que as vozes de D. Álvaro, e cons- "^^"^'■''
tancia com que peleijava , pudessem de-
ter a huns , nem ordenar a outros ;
táo pendente está do mais leve ac-
ci dente a fomina d; guerra» Fr. An-
tónio do Casal de cujo valor reli-
^12 Vida de D. JoXo dk Castro.
Arvora gioso fazem os Autores memo ri t ,
Fr. An- com hum Crucifixo arvorado , come-
tonio do çou com piedosas e esforçadas razo-
Casal ens , a reprender , e animar os nos-
hiim so» , mostrando-lhes a imagem de Chrir-
Crucifi' to , exposta outra vez na Cruz á segun-
***• das injurias ; acontecem 5 qne huma
pedra perdida desencravou ham bra-
ço do Crucifixo , e lho deixou pen-
dente 5 mostrando-se cm huma me^ma
perspectiva o sagrado rransumpto aos^
filhos inclinado , aos infiéis caído. Os
nossos com mayor espirito nas inju-
jinirrão- ^^^^ ^^ ^^^ J ^"^ "^* ^° Estado , mos-
se os traráo diíFerente valor em difference
nossos, causa , devendo mais á oíFensa de
Quem erao creaiuras , que ao império
de quem eráo soldados. Subitamente
se uniráo conformes , e recobrando
forças 5 mais foram os instrumentos
da victoria , que os authores d'el'a.
Rumecáo se retirou desbaratado , e
.^^ D. Álvaro baralhado com clle tn-
T> Al' ^^^^ ^^ envolta na Cidade , achando
varo en- Í^ rnayor estorvo nos mortos , que ca-
tra na ^''^^ j S^^ rcsIstencia nos vivocs , que
Cidade, se náo defendiáo.
A este rempo chegou D. Manoel
Jjfinía- de Lima , tam valeroso no mar , co-
jc-lheD, mo na terra ; o qual pela parte que
Manoel lhe tocou lompco O inimigo , até se
d^Lima» jun-
Rrtne-
cão se
a SCO"
L I V B O III. 313
juntar com D» Álvaro , e entrados
na Cidade , fizerão cruel estrago» nos
Mouros, que rotos , c divididos bus-
caváo salvação na fugida , mais oué
na resistência. Já o semblante da guer-
ra mais parecia saco , que batalha ;
os nossos achavão Mouros , náo acha-
vão inimigos ; muiros metidos pelas
casas roubarão suas mesmas fazendas ,
que occultaváo , como furto ã victo-
ria \ outros deixavâo as armas , por
fugir mais ligeiros. D. ]oáo Mascare- ^ P'
nbas entrou por outra pute na Cida- /^^^
de , dando neste dia glorioso fim a tão ^''^^^'^
iUustre cerco. ^^"^''''
O Governador ainda pelei javâ no
Campo 5 solicito da vicroria dos seus ,
cerro na sua , quando lhe chegou avi-
so , que a Cidade estava rendida, Mas
Rumecáo pondo tropeços a victo-
ria , tnmou a rebentar como mina ,
com oito mil soldados , ordenando-se Ofereci^
em forma de dar ou esperar nova bala- Rume
lha ; que era o poder tam grande , cão n^a
que das reliquias do seu estrago fez ^otalhã.
outra nova guerra, Sahiáo a este tem-
po da Cidade D. Álvaro de Castro ,
c D, Jcáo Mascarenhas , e D. Ma-
noel de Lima a congratular-sc da vi-
ctoria com o Governador , quando
viráo a Rumecáo no campo çom ou-
tro
314 Vida de DJoXo de Castro.
C Ga- rro novo exercito. O Governador náo
verna- cjueréndo , que a suspensão parecesse
^^'' " temor , quasi com o mesmo alento
desfaz, ja primeira batalha cometeo a segun-
da , ordenando três esquadrões , os
dous , que buscassem os inimigos pe-
los lados , e elle pela frente. Nesta
ordem cometeo o inimigo , o qual
mais desesperado , que constante, aguar-
dou o primeiro impeto dos nossos ;
mas como peleijava já timido , e des-
confiado , e os seus com cobarde , e
forçada obediência lhe assisciáo , com
leve resistência nos deixarão o cam-
po. Bem que em todas as facço-
ens do cerco , e da batalha , se mos-
r- trou Rumecáo tão valeroso , como dis-
ciplinado : mas nas adversidades me-
rece-se melhor , do que se alcança a
fama.
Abrirão-se os Mouros pela frente,
e o Governador , á maneira de rio
impetuoso , cuja corrente tudo leva di-
ante , quasi indefesos os foy desbara-
tando. Já no Campo se fazia estrago
sem batalha ; os Mouros parecião ini-
migos na fogida , e não- na resistên-
cia ; e como os nossos acomeiiáo al-
gumas mangas , que se mantinháo m-
teiras , elles mesmos se desordenavão
por remédio , fogindo huns dos outros
com
A.Uan'
ça-se a
viciaria
Livro III. 215'
com igual 5 ou mais certo perigo , que
fogiáo dos nossos. Outros por náo"
parecer inimigos arrojaváo as armas ,
como instrumentos , que nos podião
acordar aggrr.vo , ou. vingança. Em
fim naquella tragedia'- se represenra-
váo todos os afi*ectos , de que o re-
mor se veste. Rumecáo vt:ndo tudo
perdido , vestindo huma pobre cabaya ,
se lançou entre os morros , occultan-
do-se á ira 5 e á victoria ; porém nu-
ma pedra tirada de máo incerta , o ^<^rre
livrou com a morte , do rriumpho. ^j""e«
Muitos d'este homicídio se fizeráo au- '^^*'
thores , como ja nos tempos de Gal-
ha , de quem quizeráo ser mais es ma-
tadores 5 do que foráo as feridas. E
em nossos dias , e nosso mesmo Rey- '
no , vim.os também hum caso nada des-
semelhante.
Advertidamente calley os casos pnr-
ticulares d'esta batalha , porque se náo
podrm louvar huns sem injuria de
outros ; só dos Cabos , e pessoas mayo-
res demos breve noticia , pur reve-
rencia do lugar , e do sangue ; de-
mais, que na confu-^o de huma ba-
talha , ditíiGultosamente ^e podem par-
ticularizar accidenres com o rigor
da verdade ; e he ' certo , que sauel-
les 5 à cuja penna náo cscsparáo ^ -os
ato-
316 Vida de D.JoÂo de Castro.
Itomos do caso mâís occulto , ou bus-
carão soccorros para a historia , ou
penetrarão os acontecimentos com vis-
ta-mais ?.guda. Basta saber , que ráo
illustre empresa honrou naquelies tem-
pos nossas armais , nes-tes nossa me-
moria; e creyo , que em todàs as fac-
çoens da Ásia , nos cercos não tive-
mos mayoij nas batalhas não tivemos
igual.
O número do exercito inimigo se
não pode averiguar ao certo , poi^que
do ^^"^ estimação desigual , huns o sobem
««,»,',./» á sessenta mil , oiuros disserto me-
dffs inl "'^s , e nem os Mouros , qne hca-
m>os. íâo cativos j souberáo formar juízo cer-
to da gente , que perderão. Mas de
qualquer maneira , foy a despropor-
ção tão notável de hum poder a ou-
tro , que bastou a dar pelo Mundo
hum espantoso brado ; e nas Historias
alhèas achamos a victoria escrita com
mais honrado applauso , do que em
nossas memorias ; e se a Pátria imi-
tara a gratidão do Império Romano
com filhos beneméritos , dera a ler ao
Mundo as obras de D. João de Casr
iro em sublimes estatuas , que como
annaes ds bronze , fossem volumes
pLiblicos á todas as idades. Não acha-
mos , que lespondesscm os prémios a
seu
L I V B o III. 317
seu merecimento , quiçá para o fazer
mayor , o alcançou nesta parte a des-
graça dos varoens exceiíentes ; logrou
porém como premio de duraçr^o mais
larga , a fama de seu nom.e. Os Prin- , ''f/ j^
cipes dà Aiii com ambiciosas mensa- •', ^■
gens lhe derao emboras da victona i a
Camera de Goa o chamou Dú<^ue , ou
fobse 5 que o adverbia , ou que o dese-
java. ElKey D. Joáo o honrou com fi-
tulo do Viso-Rey da índia , scido do
Esrado quarto em tempo. Os outros
prémios devia de os sepultar a mes-
ma terra , que aibrio suas cinzas , fi-
cando só sua posteridade hereditária
da gloria de táo grande ascenden-
te.
Recolheo o Governador os despo- ^^'J^'
jos , que foráo os Reaes , muitas ban->"'^ "^ *^*
beiras , e quarenta peças de artelha-
ria grossa , em que entrava aquella ,
que hoje temos na fortalela de S.
Gião , que do lugar , em que se ga-
nhou , ainda conserva o nome. Entre- S^jcõ ^^
gou a Cidade ao saco , sem reservar Cidade,
para si hum só ferro de lança , sempre
das riquezas do Oriente desprez.dor
constante, D'esta , e outras virtudes
nasceria affirmarem os Mouros , que
fora. o Governador assistido de algum
poder divmo , porque sobre o recto
da
^ 1 8 Vida. de D JoSo de Castro,
êa igreja viráa hirma Donzelía , ai»
jôs rayos não podia sofrer ?. visra , cu-
ja aspecto lhe enfraquecia os coraço-
ens , corri que deixaváo as armas ,
huns timidos , outros reverentes. Náo
temos este favor do Ceo por indigna
de cre.?iito , se olhamos a pied de do
Çaantos General , a justiça da causa. Dos Pv!ou-
X-Uitroi ros morrerão cinco mil , em que en-
m^rre- tiaváo Rumecáo , Alucáo , Accedecáo ^
ráp. e outros Turcos de nome ; ficarão
seiscentos cativos , <iue depois servi-
rão ao triumpho ; dos nossos faltarão
liossos trinta , íoráo quisi trezentos os fe-
gjcridos Poucos dias descançon o Governa-
dor nos ócios da victoria , porque
entrou logo em cuidados molesrcs de
reedificar , antes fundar , a fortaleza
desda primeira pedra ; obra , que a
necessidade fazia precisa , o aperto im-
possível , porque ss despesas de tão
prolixa guerra tinliáo a|>t rado as ren-
das do Estado , e sobre ellas se ha-
viáo feito empenhos , que sò se po-
diáo remir com a paz de muitos an-
Jieeêlfi- nos : porém o Governador , sem se
caoGj-í\x?x aos inconvenientes , começou a
vci^-iio- dar principio á nova fabrica , àt^S'
èor a nhando-a em forma difterenre , que
jortak' ^ antigua-j porque a juizo de homens
ia-
Livro 111. 319
'mielligentes , convinha estender o si-
tio , engrossar o muro , fazer os baluar-
res nvais vezinhos , e lavrar armazéns
p-ra recolher as munições , e manri-
mentos €ni p.rte enxuta, em <]ue se
conservassem bem acondicionadc^ , dif-
fe rentes ilos outros , <]uq pela humida-
de do terreno corrompiáo os bastimen-
tos. Os materiaes náo s€ podiáo Cv^m-
prar , nem conduzir sem pagâs , c ]or^
r.aes i pedreiros , pióens , e archircctcs ,
pediáo suas ferias. Náo tinha o Go-
vernador baixellas , nem diamr^.ntes de
que foder valer-se , assi recorreo a ou-
tros penhores , a <^ue a fidelidade deu
Talia 5 a natureza náo. Mandou desen-
terrar os ossos de seu filho D Fernan-
do , para fazer d^elles á Cidade de Goa
iium nunca visto empenho ; mas como
a terra ainda tivesse o corpo mal gas- ^
tado , cortou q\ barba alguns eabellos , -"^P^-
■sobre que pedio vmte mil pardaos á " '*' ^""'
Camera de Goa , abrindo-lhe o amor ^' , .,
, . . ' , CSUCÍ195
da paifia huma estranna porta , por ^,^ ^^^^
onde náo souberão entrar aquelles fide- ^^^
lissimos Decios , -Curcios , e Fabios ..
de que Poma ainda hoje soberba , de
entre as ruinss de seu Império lhe sal-
vou a memoria Acompanhava o penhor
a seguinte Carta,
32C VíDA deDJoXo de Castro.
Carta , que o Governador D, João de
Cditro íscreveo de Dia ã Cidade
de Goa.
„s
Enhores Vereadores , Juizes , e
5, Povo da muito nobre , e sempre
5, leal Cidade de Goa ; os dias passa-
„ dos vos escrevi por Simáo Alvarez
„ cidadáo d essa Cidade , as novas da
^ victoria , que me Nosso Senhor deu
„ cc^rra CS Capiraens d'ElRey de
„ Can.baya . e cailey na Carta os tra-
„ balho5 , e grandes necessidades em
5, que íicava , porque lográsseis mais
5, inteiramente o prazer , e conten-
,, taraento da victoria ; mas já agora
5, me pareceo necessário nam dissimu-
5, lar mais tempo , e dar-vos conta
5, dos trabalhos em que fico , e pe-
„ dir-vos ajuda para poder supprir ,
„ e remediar tamanhas cousas , co-
,, mo tenho entre as máos ; porque
5, eu tenho a fortaleza de Dio derri-
5, bada até o cimento , sem se poder
,, aproveitar hum sò palmo de pare-
,, de ; de maneira , que náo somente
5, he necessário fabricala este veráo
5, de novo , mais ainda de tal arte , e
,, maneira , que perca as esperanças
35 ElRey de Cambaya , de em ne-
„ nhum tempo a poder tomar. E com
„ CS-
Livro III. 311
9\ este trabalho tenho ainro igual , ou
„ superior a elle , aldemeno^ pára
„ mmi muito mais incomportável <ie
„ todos , que sác as grandes oppres*
^, soens , e connnuos achaques , que
,5 tne ãir os Lasquerins por paga , de
,j que lhes eu deu muita certeza ,
j, porque doutra maneira se me iriáo
,, todos , e fícarey só nesta forcalcza 9
,, o que será occasiáo de me ver em
^ grande perigo , e por esse respeito
„ toda a índia , como quer que os
„ Capitaens d'ElRey de Cambaya com
„ a gente que ficou do desbarato ,
j, estáo em Suna , que he duas legoas
,, d*esta fortaleza , e ElRey lhes man-
„ da cada dia engrossar seu campo
,5 com gente de pé , e de cavallo ,
,, fazendo muitas amostras de tornar
3, a tentar a fortuna , em querer dar
5, outra batalha ; para as quaes cou-
5, sas me he grandemente necessário
j, certa somma de dinheiro , polo que
5, vos peço muito por mercê , que
55 por quanto isto importa ao serviço
5, d'ElRey nosso Senhor , e por quan-
„ to cumpre á vossas honras , e le-
j, aldades , levardes avante vos^^o ati-
5, tigo costume , e grande virtude ,
„ que he acodir-lhes sempre ás esrre-
„ mas necessidades de S. Alteza , co-
., mo
322 Vida DE DJoAo DE Castro.
55 mo bons , e leaes vassailos seus ,
„ e polo grande , e entranhavel á-
„ mor , que a todos vos tenho , rae
„ queirais emprestar vinte mil par-
„ daos , os quaes vos promctto como
,, Cavalleiro , e vos faço juramento
j, dos Santos Evangelhos de vol-os
5, mandar pagar ames de hum anno ,
5, posto que tenha , e me venháo de
5, novo outras oppressóes , e necessi-
„ dades mayores , que das que ao pre-
3, sente estou cercado. Eu mandey des-
5, enterrar D. Fernando meu filho ,
5, que os jV] ouros mararáo nesta for-
55 taleza , peleiiando por serviço de
35 Deos , e d*ElRey nosso Senhor,
„ para vos mandar empenhar os seu$
5, ossos 5 mas acharáo-no de tal ma-
35 neira , que náo foy licito inda ago-
35 ra de o tirar da terra ; polo que
3, me não ficou outro penhor , sal-
3, vo as minhas próprias barbas 5 que
35 vos aqaí mando por Diogo Ro-
35 drigues de Azevedo ; porque co-
35 mo já deveis ter sabido , eu náo
35 possuo ouro 5 nem prata 5 nem mo-
3 5 vel , nem cousa alguma de raiz, por
35 onde vos possa segurar vossas fa-
3, zendas , somente huma verdade sec-
3, ca 5 e brí've , que me Nosso Senhor
35 deu. Mas para ^ue tenhaes por mais
L I y R o III. 325
■„ mais cerro vosso pagamenro , e não
„ pareça a algumas pessoas , que por
,, alguma mantira podem ficar sem el-
„ le , ccmo outras vezes aconreceo »
„ vos mando aqui huma provisão para
„ o Thesoureiío de Goa , para que dos
5, rendimentos dos eavallos vos vá pa-
„ gando , entregando toda a quan-
,, tia j que forem rendendo , até ser-
„ des pagos. E o modo que neste pa-
j, gamento se deve ter o ordenareis
„ lá com elle. Hey por excusado de
3, vos aíFeitar palavrar , para vos en-
3, carecer mais os trabalhos em que
„ tico , porque tenho por muito cer-
5, to 5 j-or todos os respeitos , que as-
5, sima digo , haverdes de fazer nesta
5, parte tudo , e mais do que puder-
,, des , sem entrevir para isso outra
,5 cousa , salvo vossas virtudes costu-
„ madas , e o amor , que todos me
35 tendes , e vos tenho. Encomendo-
„ me 3 Senhores , em vossas mercês.
5, De Dlo 5 a vinte ^ e três de NovemhrQ
5, de mil quinhentos quarenta, e seis, ,,
Chegado o mensageiro a Goa , lhe
respondeo o Povo com mayor quanti-
dade 3 que a pedida ; vendo que ti-
nháo hum Governador táo humilde Os Clda^
para os rogar , táo grande para os dãos de
defender. Remeterão -lhe cutra yciGomlhos
Y aquci- ioraiff.
Hoje se
conser-
vão.
324 Vida Úvl D JòÂo de Castro.
aquelies honrados penhores , que hoje
se conserváo em máos do Bispo In-
quisidor Geral, seu digníssimo neto , que
os rec.ilheo em huma urna, ou pyrami-
de de cristal , assentada em huma base
de prata , na qual estão gravados em
torno disticos difíerentes que fazem de
acção táo iliustre engenhosa memoria ,
ficando aos successores de sua casa es^
te honrado deposito , como para fazer
hereditárias as virtudes de D. ]oáo de
Castro, Levarão os portadores do di-
nheiro a Carta que se segue.
Carta da Camera de Goa , em reposta
da do Governador,
„ X Liustrissimo , e excelleiue Capi-
„ táo gerai , e Governador da índia ,
,, pelo muito alto , e muito podero-
3, so , e muito eífcellente Príncipe El-
„ Rey nosso senhor. Diogo Rodrigues
,, de Azevedo chegou á esta Cidade
5, segunda feira seis dias do mez de
5, Dezembro , e o dia seguinte dea
5, em Camera hurna Carta de Sua II-
., iustrissima Senhoria , que foy lida
„ com muito prazer , e grande con-
3, tentamenro , por sabermos de sux
5, saudei a qual boa nova sempre que-
j, riamos ssber , e muito melho-
Livro IIL 325*
;, res lhe desejamos j e por ella a
„ Cidade , e todo este povo em ge-
5, ral , e em especial , damos muitas
„ graças a Nosso Senhor , e temos
5, cerra esperança em nossa Senhora Vir-
5, gem Maria iVIadre de Deos nossa
3, advogada , que tendo os povos da
5, índia a V, S. Illustrissima por seu
5, Duque , e Governador , que em
5, nossas afrontas , e trabalhos nunca
3, careceremos de ajudas divinaes ,
3, por merecimento de seu catholico ,
3, e modesto viver , e auto, e obras
3 3 de muitas louvadas virtudes ; e
3, com esta esperança vivemos cm
33 novo repouso , porque a presente,
33 e gloriosa victoria , que por seu
3, pradente conselho , e grande es-
5, forço , e cavallaria venceo , e àes-
3, cercou a fortaleza de Dio , e des-
33 baratar , e destruir o poder d'El-
33 Rey de Cambaya , com mais ou-
3» tros vinte mil homens Mouros , Tur-
3, cos , Rumes , Coraçot5s , e Chris-
9, táons renegados da Fé de N. Senhor ,
3, Alemaens , Venezianos , Genove-
33 zes 5 Francezes , e assi d'outras mui-
53 fas , e diversas naçoens , dos quaes
3 5 grão parte d'elles foráo mortos à
39 ferro de lança , e espada , de que
33 a Cidade tem certeza de pessoas de
Y ii „ bem ,
326 Vida de D. JoÂo de Castro.
bem, que òs vista fo:áo presemes;,
os quaes bons serviços nos mostráo^
" claros sinaes , que ao diante , pra-
zendo á Nosso Senhor , c á seu a.nn.
paro 3 náo teremos outros trabalhos ,
que de fururo se apresenráo do pro-
11 prio Rey de Cambaya com outro
'* novo poder, e outros Rcys , c Se-
nhores , nobsos comarcão? , e os de
'! lodâ a índia , sáo de cerro inimí-
„ gos nossos , c de muitas inimi?:a-;
'^ des , além de serem inneis inin â-
" gos de nossa Fé Catholica , dos
'', quaes hutis , e outros náo temos
„ segura , nem lirme paz ; antes ts-
„ mos sinaes de faltas , e enganosas
amizades. E quanto ao empréstimo
[\ que em nome d^SlRey no.so Se-
nhor nos manda pedir , responde a
*,* Cidade , que os moradores faiemos
''de presente , e sempre que cum-
,. prir servirmos S. Alteza com as
„ fazendas , e vidas , c com as al-
,, mas. E p)i-;ue a tenção da Cidade,
t de todos' he servir Vossa lllus-
[\ tâssmia Senhoria , havenJo respei-
,, to , que o tal empréstimo cumpre
' m.uito ao serviço d'£U<ey nosso Se-
„ nhor , cuja a Cidade he , e todos
„ somos , com muita diligencia , c
,, cuidado daquelle dia , que Diogo
Livro líT. 327
35 Rodrigues de Azevedo deu o reca-
5, do aré o fazer d'esra , ^ue são vin-
j, te e sete de Dezeirjbro , se ajunta-
5, láo vinte mil, cento, quarentp, e seis
,, pardaos , e hama tanga , de cir.co
3, tdngas o pardio, os quaes emprestou
,, csra Cidade, a saber Cidadács , e
„ o Pov^ , e assi os Bramenes merca-
3, dores , gameares , e ourives. E es-
,_, crevemos cm certo a V. S. que esta
,, Cidade , e os honrados moradores
55 polo servir , temos obrigação de
„ pôr as vidas , e as fazendas com
5, melhor vontade do que o faremos
3, por nossas próprias honras , e >n-
5, teresses, E quanto, Senhor , aos ['e-
,, nhores que nos manda , a Cidade , e
3, moradores nos temos por aggrava-
j, dos de V. S. ter rão pauca con-
5, fiança em '^ó-^ , e em nossas leil-
,, àiáe$ , que para cor:sa que lanco
5, cumpria ao serviço d EIR.^íy nosso Se-
,j n'-or 5 e a seu Estado Real , não
•áo necessários ráo honrados , e
5, illuscres penhores, porque nossa ieal-
5, dade nos obr'^a ao serviço d ElRey ,
5, e a preàente necev-idade , e de-
„ pois d'is30 âs obiig çoens em que
5, somos , e a grande affeiçáo, e rK-^M-
5, to amor que V. S. tem a esta Cida-
^3 às i e moradores ;. e por ello , e
5J
328 Vida deDJoSo de Castro
tudo o mais que neste caso lhe sen-
timos , lhe beijamos as mãos , e
rogamos â Nosso Senhor , que lhe dè
perfeita saúde , e o prospere de mui-
ta honra , e grandes v-ctorias con-
tra os inimigos de nossa santa Fé.
E todavJa , Senhor , Diogo Rodri-
gues de Azevedo lhe corna a le-
var os seus penhores ; e asái lhe Ic-
5, vão eile , e Berthoiameu Bispo ,
Procurador da Cidade o duo di-
nheiro , que lhe a Cidade , c Po-
vo d^ella emprestarão de sua boa ,
e livre vontade. E ^^si lhe leváo
mais a Proviiáo , que cá mandou
,j para o Thesoureiro pagar o ditQ
,, dinheiro , e lhe pedem por mercê
5, que tudo acceire , como de le?.es vas-
„ s.iilos , que somos a EiRey ncsio Se-
5, nhor 5 c á V. S. muy obrigados.
Escrita em Camerâ , a z-y de Dezem-
bro de 1547. E eu Luiz Tremessáo ,
Escrivão da Camera , o mandey es-
crever , e sobscrevi por licença , que
para ello tenho. Pêro Godinho. ]oâo
Rodrigues Paes. Ruy Gonçalves. Ruy
Dias. Jorge Ribeiro. Berthoiameu
Coiti- 5> Bispo.
nua a Continuava a obra da fortaleza com
obra da tanto gosto dos orRciaes , e jornalei-
Jortah- ros , que crescia sem tempo , sendo
£tf. táo
L I V í o III. 529
tão pontnaes a? pagas dos servidores ,
e soldados , que haviáo , que só para
o Governador estava o Estado pobre.
Além do empréstimo da Cidade , Ih»
enviarão as Donas , e Donzellas em
h'jm cofre a pedraria , e joyas , com
que a fraqueza feminil serve ao poder ,
e á vaidade ; offerta de que náo po-
diáo esperar retribuição , ou usura ;
donde se vè , quanto melhor servidas
sáo dos povos as virtudes , que as ty-
rannias dos regentes.
Ordenou a D. Manoel de Lima , ^ *
que com trinta navios avistasse os lu- g'''^^^'»
gares da costa de Cambaya , e os abra- ^'^ ^^'«'
zasse todos , mostrando ao Soltão 5 que ''-^'^*
a vingança náo acabara na victoria i
porém que na Cidade de Goga não
entrasse , por ter aviso , que a ella se
recolhera toda a gente que escapou
da baralha. D, Manoel , à quem ain- D. 7Vf«-
da esperiiva a fortuna per aqueila en» nocJ de
seada^ se foy correndo a costa , e a I-í^m^ «
poucos dirs de viagem lhe sobre-. At.
veyo hum temporal táo rijo , que o
levou a necessidade da tormenta á de-
mandar íibrigo no mesmo porco , que
peia instrucçáo lhe fora prohibido. Os y^y á
. da Cidade , Gom.o ainda linháo pre- (^ií^^d^
sente â imagem do passado perigo , ^ * ^^
tanto que virão as mesmas armas , de S^^'
qu«
t^^o Vida de DJoXo ds Castro»
que estaváo corudos , desenipfiraráo
a Cidade , assi os soldados , corao a
gente popuiar , c mutil , fogindo para
o Serrão com igual desacordo. Estava
ancorada no porto huma náo de Mou-
ros , que era do Zamaluco , bom cor-
respondente do Esrado , o qual ven-
do â fugida dos Mouros , comf-çou a
capear aos nosso.? , para que dessem
ra Cidade, D. Manoel , náo enten-
rendo o sinai do navio , pareceo-lhe
oue de confiído o chnmava á peleija,
e pondo-se logo em armas colérico ,
e impaciente», nctou , qu3 a Cidade
se despe jnva , e o miserável pcyo cor-
na com hum tropel confuso á deman-
dar huma pequena serra , que lhe fi-
cava á vista , crendo , que a distancia ,
e aspereza do sitio os livraria da in-
vazão dos nossos. Conheceo D. Ma»
noel o intento com que lhe capea-
va o navio , c perplexo entre a occa-
siáo , e a obediência , poz o caso em
conselho ; e como entre os soldados
de valor , he sempre o brio primei-
ro interprete das ordens , votarão ,
oue se entrasse a CíòslAq , porque a
instrucçáo do Governador não podia
comprehender todos os accidentes , o
qual se estivera presente , fora o pri-
meiro que saltasse em terra. Seguio
1q-
Livro IIL 331
logo a execução o conselho. Entrou Q_iie sa-
D. Manoel a Cidade quasi sem TÇ-j;ièa,e
sistencia ; o saco dos soldados foy gran- ^Zt^í/i.'
de ; e o que desprezou a cobiç.i , se
entregou ao fogo , que abrazou fazen-
das , e edifícios ; foy o damno mayor
do que a victoria. Cativou D. Ma-
noel três Baneanes , dos quaes soube
que toda a genie se salvara em hura
lugar da serra , que fícava em peque-
na distancia j determinou assalcaío , pa- '
ra que aos fugitivos , e cpposros ,
igualasse o castigo. Fcy aiTiânhecer so-
bre o lugar , levando òs Baneanes por
guia 5 forçados com miserável necessi-
dade á entregar os filhos , e parentes ;
c os que se imaginaváo no abrigo do
Sertão seguros , virão primeiro sobre
si a espada , que vissem o inimigo.
Não fez o estrago diíferençâ de causa
a causa ," de pessa a pessoa ; naturaes ,
e estr^.ngeifos . culpados , c inno-
centes pagarão cem as vidas o delicto ,
ou próprio , ou alhcyo. Das pessoas
passou á religião a injaria j dentro dos
Pagodes mandou enforcar a muitos ,
que na vaidade de suas superstiçoens
he culpa inexpiavel. Degolou os ga-
dos do contorno , salpicando as Mes-
quitas com o sangr.á das vacas j ani-
mal y <]ue como deposito das almas-,
ve-
33^ ViDADeDJoXo DsCASTRdí
veneráo com culto abominável.
lEnú^;'- Embarcado D. I^^anoel de Lima ,
<ti SC , € tornou a cortar a enseada , onde se vio
fcriga, perdido sem tormenta , porque o fluxo ,
e refluxo das ondas he tâ3 impetLOiO ,
que basta á destroçar os navios. Passado
mais adiante , houve vista da Cidade
de Gíndar , povoada de Mercadores
Gentios , ricâ peio commcrcio , e fraca
Vestroa P^^^s habitadores. Esta foy na primei -
Oairdar, ^^ envestida rendida , e hjfâzada , sen-
do , que entregaváo os naiur.ies as fa-
zendas como preço das vidas , que náo
.poderão salvar opposros , nem rendi-
dos j porque a ira , ou deshumanidade
dos soldados, antes buscava o sang^ue , \
que os despojos. Muitos outros luga-
res da enseada destruio , durando nas
"cinzas , e ruinas moiros anhos as me-
morias do estrago ; c o> naturaes ,
que sobreviverão á^ misérias dos ou-
tros , se recolherão ao interior do Rey-
no , onde com segura pobreza entre-
tinham as vidas.
Recolhe- Deu D, Manoel volta a Dio , on-
át^aDi^^^Q adiou no Goveriíador entre os mâ-_
reriaes da nova fabrica , á cuja vista
crescia o edifício. Desejava deixar a
fortaleza em defensa , porque o châ«
nTaváo a Goa difíerentes negócios. Po-
tcm D. ]oâO Mascarenhas , ou can-
sa-
L 1 V n o III. 333
Sado , ou satisfeito dos trabalhos do Deixa
cerco , fez deixaçáo da praça , sem D. Joãa
acabar o tempo , querendo aquelle Masca-
anno vir ao Reyno lograr táo TT.crQCi- rcnhas a
da fami. Quizera o Governador dis- praça.
suadilo , remenio^ , que ninguém lhe
aceitasse a fortaleza , porque com a
victoria , e alteração do commercio ,
faltaváo os estímulos da honra , e do
proveito , cue são os mayores incenti-
vos , de que os homens se vencem. Po- *
rém D, jcáo Mascarenhas resoluto a
passar ao Reyno nâs nács de Lou- .
renço Pires de Távora , obrigou ao
Governador a que buí^casse C^pitáo pa-
ra a pr.iça , que já alguns fidalgos lhe
haviáo engeitado, aborrecendo lugar de
tantas victorias , quiçá poio perigo que
rem succeder a varcens excellentes , po-
rém D. Manoel de Lima , ou por corn- D. Ma-
placencia do Governador, ou por con- ncel d'j
fiança de si mesmo, se offereceo pa- Z-/"m se
ra íicar na praça. ofereci
Entretanto o Governador se apres- ^ fi'^"''
tava para passar a Goa ; mandou An- ''^'^^^*
tonio Moniz Barreto com alguns na-
vios a e^pt^rar as n.^os de Cambaya ,
que por imdligenciis secretas sabia , Xoma
que havia o de visitar a costa de Pór , yi,^snla
e Manga Jor j as quaes elie encon- j^jcnlz
trou , rendeg , e trouxe a Dio , cujiis í,/^/r?Mi
ia- liáos.
3 ;4 ViDA DE D JoXo d3 CASTirdi
fazendas ajudarão â reparar ns despe-
z.?s do Estado. EIRey de Cimbaya
com o sentimenro de tanras pardas re-
Ta-i : ,1/í- '^^"'^"^' c^ ^"^1^ vingança 'bnrbara ,
fa hnr- rnandando matar deus prisioneiros nos-
íara S05 innocentcj , que do tempo da
d'Ei^eij guerra lhe ficarío cativos , vingando-se
ih Ca:n- de ráo grandes injurias em sombras táo
hújja. pequenas.
Concluídos os negócios de Dio ,
começou a fcriuna a sobresaltar o Es-
Avlsos tido com novos accidenres Teve o
dô Or- Governador duplicados avisos de Or-
ixás., mnz , que os Turcos com crescido po-
der tinháo lançado de Baçorá a Ma-
hamec As-Enam , fiei amigo do Esta-
do, o qual chamava nossas armas , pa-
ra com forças auxiliares resistir ao com-
mum inimigo. Viáo-se não de longe os
perigos , e 3s consequências , que re-
çulraváo de táo roim vizinho , com
quem apenas podiamos caber no mun-
do , quanto mais no Estalo. Ponde-
rava-se a importância de Baçorá , co-
rno fundamento lançado para cousas
ri) lyores ; de cujo sir-o daremos huma '
Df jrr/p- ^""sve noticia. He Baçorá povoação^
cãa de ^^ quntro mil vizinhos , situ-^da na
Baterá. Arsbia Felix » em a!tur.í de viute e
qij^i.tro grãos para a banda do Norte;
ap.rta-se do rio Eufrates em pequetra
dis-
L I V n o III. 33?
distancia. Distará da forralei:a de Or-
muz duzentas Icgoas , oe Babylonii
po-jco mais de quarenta. De Ormuz a
ella se navega ao longo da cosra p""
la parte da Pérsia , por te:^ melhores
surgidouros , e aguadas. A Ilha hc po-
voada de Mouros cppostos aos Tur-
cos , por serem (ainda c,ue cultores
de Maíamede ) diiTtrentes na crença ,
porque seguem os ritos , e cererr.o-
nias do Persa; a quem da a t)wber o
Demónio as abominaçoens de Ptir.ic- ^ ^
ma em vazos dJíferentcs, Acui se rcr-^'íi^r-
tificaráo os Turcos , e começarão a ^^> -;^^
ganhar os Arábios vizinhos , huns con:..-^'jV^-^
ís armas , cuíros com benéficos , cri.n- \^^ ^ '
do em Bsçorá ' ncvo Príncipe , qne ■**'
como descendente de seus ancigos Reys,
seria sos Arábios graro , e aos Tur-
cos fiel i liberalidade , com que mcs-
raváo enrrar com semblante de^ ami-
gos, escondendo a ambição de Senho-
jes. A justiça d'este , que es Turcr-s
sai^daráo por Rey , escrevem omros em
dilatadas letras , cuja relação de:xo pur
ser ao gosto importuna , e alnêa áx
Historia.
Resolveo o Governador despachar y^^ jy^
Dom Manoel de Lima para a fortale- m„„ocI
za de Ormuz , que pola moíre de ^c Uma
Pom ^l^noíl da .Sylveira lhe cabia , p.:ra
33^ VíDA DE DJoSo DE Castro.
tomando a obrig;íçáo da guerra com
os Turcos , como pensão da praça ,
ficando outra vez a forraleza de Dio ,
como pedra reprovada dos que a edi-
ficaváo 9 porque náo havia Fidalgo ,
que quizcísse ficar com o trabalho da
fortificação , havendo D. Joáo Masca-
renhas levado as honras do perigo.
Náo sey se as cousas da índia correm
hoje por esta opinião. O Governador
se molesrava , de que lu^ar de ramas
E D. vicrorias ficasse táo aborrecido. O que
Jcno entendido por D. João Mascarenhas,
Masca- se oíFereceo para ficar aquellc Inver-
renhas no na praça ; cousa que' o Governa-
torna a dor estUTiou sobre modo , dizendo-
f^ar em jhe , que em quanco a fortaleza estava
'^- • imperfeita . a fama de seu nome servi-
ria de muro. E porque se veja quam
facil era este grande Vara© em autho-
rizar honras alhêas , referirey a Carta
que escreveo a seu nlho D. Alvará ,
quando entendeo que D. João Masca-
renhas iria a Goa para passar ao Rey-
0 cjue tio. ,, La vay o Senhor D. Joáo Mas-
(Iflle £S' 3, renhas , tal qual os- Mouros , e Gen-
ereve o „ tio? confessâo ; e CU , que sou bom
Oover- „ Chrisráo , faço a mesma confissão
rador a ^^ ct seu esforço , porque em todas
iTf/''^^' ^s batalhas o achey sempre a meu
n.Aíva- ^^ i^^Q^ Vay-se embarcar para o Rey-
„ no
Ir I V R o IlL 3^7
5, no : rogovos mu iro , que lhe façais
5, o mesmo tratamento , que á rrj-
,, nha pessoa , e não consintais que to-
35 me outra pousada , senêo a vossa :
,5 porque além de clle o merecer ,
55 espero em Decs que torn:^rá mui-
5, to cedo á estas partes á emendar
55 meus descuidos. Tam.b^m escrcveo E a El-
a EiRey largamente sobre os mere- lley de
cimentos dos homens , de si náo Fal- i^des^
lou nada , mostrando-se agradecido aos
serviços de codos , e só aos seus in-
grato.
Concluídas as cousas de Dvo , dei- Uelxa
xou o Governador a D. Jorge de }^\q- u o iludia
nczes com seis navios , para que an- costn a
daíse o resto do Veráo na cnscada de V.Jor-
Cambaya i e mandou lançar pregão S*-'*
em todos os lugares confini.ntes ; que
todos os Mouros , e Gentios podes-
sem tornar a povoar a Ilha , por-
que debaixo de sua justiça estariáo z^
pessoas e commercios seguros , go-
zando da paz 5 e liberdade antigua^ e
como a verdade recebe credito do va-
lor 5 tornarão os Gentios a buscar assi
o abrigo de nossas armas , como de
nossas leys , vindo copia de mercado-
res , e vizmhos a engrossar o trato ,
havendo por mais segura a paz que ,
ííomeçava nos Umiífs da guetta.
Em
33^ Vida DE D JoSo DE Castros
Embar' Embarcou-sc o Governador para Goa,
case pa- aonde o esperava o applauso universal
ra Goa. ^Jas gentes , como ecccs articuados da
victoria. Chegou a tomar porto em
breves dias ^ onde vierão a visitalo ao
mar o Bispo , Capitão mor , e Re-
gentes 5 pedindo-lhe se derives^.e em
Che^a e ^^^^^^ > ^^ quanto â Cidade dispu-
he visi- "^^ ^ triumpho , com que o queria
íailo no receber , porque náo reputasse o Mun-
iuar. do aquelle povo por bárbaro , ou in-
grato i que triumpho tão merecido ,
náo era ambição da pessoa , mas glorii
do Estado ; que das victorias levava»
os Reys o fruto , os vassallos a fama ;
que bem podia desprezar o premio,
sem engeitar a memoria.
Deixou-se o Governador vencer
Decreta- ^'^^^q agrado do povo , como quem
^^; náo podia desprezar as honras do tri-
^J'""" umpho 5 sem injuria dos que lho aju-
^^^' darão a merecer ^ nem pôr limite ás
alegrias populares em ódio da pros-
peridade de todos , de cujas dcmors-
traçoens festivas tinháo na fortuna des-
culpa » nos Césares exemplo. Para os
quinze dô Abnl de quarenta, e sete se
destinou o dia do triumpho , primei-
ro 5 e ultimo 5 que virão nossas ar-
Tahvica mas , costumadas a lograr tania sem
dclle. gloria. Fabricou a Cidade no Bszar
4Je
Li V R o III. 339'
dé Sancu Catharina hum e9paçoso cães
cujo maíerfal- cobrião variai vi Ic". rifas.
Rasgou-se si porta ca Cidade ázá o alro
do rr.uro , como que se mc^traváo á?
pedras humildes , ou graras. E^a a ííí-
peçiiiia das rr.iiralhas de custosos bro-
cado:. A grandeza não podia sobir a
mais, o gosto não se contenrava com
menos. Em partem era o aderno de di^^'
versos velIuJos j pára que o ouro ser--'
visse á maiíesrade , as cores ao ddeite'.'
Na porrada se viáo deus leóens doura-
dos , sustentando em huma , e ouir.i
tarja as Koelas dos Castros sempre il-
lustres , agora triumpliantes. Junto ao
cães corria bum dihrado bo?qlie à&
arvoredo , que cem interrompidas som-
bras mitigava o calor , sem occultar o
dia. Via-se o mar cuberto de náos ,
e galeoens , de fustas , e almndias ,
que das Ilhas vezlnhas ccncorrér.ío ,
rodas embandeiradas , e alegres. Es^
tava no terreiro do Paço huma forta^
leza i desenhada pela planta de Dio-j
e dentro algumas bombardas carrega-
das sem b.-.lla , e outros instrumen^
tos de fogo , cem que tígaraváo- huma
representação alegre dos passados hor^^'
rores. Na mesma fortalezi se "escun^-
diáo curiosas danças, que Cem .-ccot-'
dadas vozes caniq\io ao Governador.
Z luu-
540 Vida de DJoSo de Castro.
louvores a numeres ítados , deleitan-
do o ouvido na armonia , o juizo na.
letra. O concerro òis ruas , como para
dar a conhecer a cpuieiícia do Oriente ;.
as reilâs de lavores por usuaes se oiha-
váo com desprezo. Ás ealas dos mora-
dores taes , e t.ntâs , que padecia , que
triumphava o Povo. Nem seria menos
dos ânimos o applauso , se os coraço-
ens se viráo , pois eráo demonitraçoens
voluntárias de naruraes aífectos.
:Entr« o Abalou o Gcverniidcr de Pangim
Gvver- ^^ huma galeora , cojo adorno a fa-
nador, zia diffcrente das ourras ; levava con-
siga os Fidalgos velhos , «ue o acon>
panharáo na jornada , igualmente par-
ciaes na gloria , e no periga. Hiáo
diante os galeoens ia armada , a quem
seguiáo as embarcaçoens de remo eom
as velas içadas nos paL^.ncos , e todos
navesjando assombrados com o verdof
de difrerenteo ramos , pareciáo da ter-
ra hum bosque tremulo , huma Cida-
de errática. Logo que avistarão a for-
taleza , lhe deráo hunra táo temerosa
salva 5 que a guerra parecia real , mais
<]ue apparente ; como contraposta lhe
lespondeo a arrelharia da terra , com
tal horror , que os sentidos náo co-
nheciáo diíFerença da batalha ao trium-
pho. Para dâr passo á galeora do Go-
ver-
J
Livro III. 341
vernador , se abrio a armada rcda. Vi-
nha custosamente trajado , dando o
que era seu ao reirpo , vestindo náo
menos airosamente a'? galas , do que
vestia as armas. Trazia hnma rcipa
Franceza de setim carmezim com tro^
çaes de curo , que Jhe tomc?vno os
golpes , e como qu^m náo cneri.a per-
der memorias de soldado , vestia hu-
ma <:oura de Jam.inas assentada em
brocado com seus tachocns de prara ,
gorra com plumas , mosrraváo ouro as
guarniçoens da espada. >vo cães o es-
peraváo os Cabos da Milícia , Nobre-
za , e Regifríento da Cidade , com
os qunes entrou a primeira porta^ oh- ^ .^
de hum Vereador na lingua Latina lhe ^'^'''"^'^-
orou discretamente , discorrendo , co- ^Í'^^'T
mo por bene-Scio de seu valor tinha- „".^v.'^'
mos humiíh^.dí) o mais soberbo cerro '^^
do 0«ente , cujas ruínas senáo de ^na
fama os elogios mayores ; cuè a^cra
tinha Portuga; seguro o Estado , "em
seus braços segijnda \ez nascido , cij-
jas atmas s^rvi^o tanto á Fe , thrr<^ £0
Império , cbrando , que em ráo rer^o-
t£s partes se cuvi^Scm os br-^ccs do
Evangfílho ; que agora os A';onros , r
Gentios cieriáo , oue rão podia cíi-
xat de ser Deos gra«^ce , o Oo.^ d^
tantas viciorias ; quq ainda depois? de
Z ii iJa-
Kecí-
hiin-no
ci*i7i pa
Orclt;m
do irí-
íiinpho
-^4% VíDA DE D.ToSo DB Castro;
itíades largas nõ Oriepie mosrrariáo
eom o ÒQdo os naveganres o iu^ar cíà
baralha , ficando por iradiçáo o estrago
de Cambaya de- Naçáo a NaçiO, dí Rey-
no a Reyno -, c]ue os pays o eor.rariáo
aos filhos 5 ainda sobr^^altados lia me-
moria dos p'.T!^a> passados ; (]«e já nos-
sas bandeiras s^lcrio^amer.te enrol idas po-
deriáo descanca: no tempo da Paz , aber-
ro o da Victora. Sobre os accidemes de
seu governo discorreo largamente-, pare-
cendo ao Povo 5 qce ante^ abreviava ,
que encarecia suas v^rrrdes, rnayores na
consideração dos estranhos , do qae e:a
nossos elogios. Rematcu a oração na
suavidade de músicos instrumentos , dií-
íerentes , e acordes. L020 se di^.pararáa
algumas peças, cujas bailas eráo doces
divíjrsos , que caindo em peqaena dis-
tancia , foráo á gentalha do povo corr-
vite , ainda cue sirebarado , alegre. Os
Vereadores da Cidade , receberão aa
Governador com paleo , e Jogo Imm
Cidadão de authoridade , incJinado , e
reverente , lhe tirou a gorra da cabe*
Ça pondo-lhe nelb hi^ma coroa trium-
phal , e na máo hnma paixa» Diante
caminhava o Custodio dos Religiosos
Franciscos com o C!Ucíf.xo , Qiie levou
na batriiha , e o braço cesencravado ,
e pendente > (sinal com que }á de táo
. . ' lon-
Livro III. 54^
Ictige aquelía Kkgestíide divina , nesta ,
e naquella idade nos assegura os Rey-
Tíos , e as victorias. ) ses;uio-se a ban-
deira Real de noss.is Quinas , olha-
das còm admiração no^a de Mouros ,
e Gentios. Logo os esrandarces de Cam-
baya arrastados á vista de juzarcáo , e
outros Capitaens maniatados , que re-
pesentaváo a tragedia de sua fortuna ,
a elles lastiRiosa , a nós alegre. Viào-
ÉC seiscentos |iris"oneiros arrastando ca-
dêasi tris elles r.s peças de campanha ,
com Viárias , e num-erosas armas. As da-
mas- das janeilas banhavío ao triumpha-
dor cm ai^uas iiesrilladas de aromas
ditierenres. Os oíEciaes , que irataváo
o ouro , ou preciosas droga-s , lhe vi-
múo a GÍferecer voluntr.rios tributos, .
sendo a i^'jalJade dos ânimos outra
cousa mayor , qjae o triurrrpho^ Os Tem-
•plos adorn^^dos , e abertos., se mostfa-
•v-áo benévolos , e gratos ; nesta forma y^,, ^
chegou a visitai a Cathedral , Metrcpo- ^-jf .
li do Oriente , onde o Bispo , e Cjero g
-receberão com o hymno : Tc Dcrmi Uu-
-dtimas. Enfrado na íié , reconhece© com ^ece-
piedosas oífertas ao Author das víc-ro- vL^cc a
.-íias , e por ser já tarde com abreviadí^ç Vios yor
í^eremonias se recolheo aos Preços , nso ^"'t^'- >i<i
cabendo a magcstítde do triumpho nas ^'"'^ ""'*'
heras de hum tò dia. ctori^i.
LI-
p
LIVRO IV.
Oucos foráo os Reynos io Orien-
te , cjue no Governo de D. Joáo de
Castro náo alterassem aquelle Estado
com diversos movimentos de guerra ,
oucom.srmâ5 oppostas , ou com reci-
procas di.^^cordias , chamando nossas for-»
ças a conciliar a pnz , cu ajudar a vi-
cccria , vendo-o muitas vezes o Oriente ^
em serviço da Religião cmgir a espada,
Rch?io~ H.ívia ElRey D. Joáo enviado ai";
s.'^F>a;}- §"'ms Religiosos Franciscos á ílha de
<■/.'./ Ceilão^ exemplares na vida , e na dou-
}uiís,'!o a trina , para que cõm o sangue , e com
Ceilão, a palavra restimunhas;em a verdade
Evangélica , sendo este o mayor cuida-
do ^de nossos Príncipes , cujas tandetras
mais vezes vio tiemolar a Ásia em ob-
sequio da religião ♦ que do império. En*
trados Qsit> Religiosos na Ilha , foráo
recebidos d'ElRey ái Cotta com beni-
gna hospedagem , começando a nas-
cer secunda vez no Oriente o Sol di^
vino. Ouvio aquella Gentilidade a voz
do Ceo; e ao benefício da terra inculta
respondia o fruto , encamJnhando ao
curral da Igreja infinitas ovelhas.
rassâiáo çstes embaixadores do Evaa-
Livro IV. 345»
gelho a dar novas da luz á ElRey de Pregãê
Cardea no corâçáo da Ilha' , o qual njc t$n
achiráo graro no tratamento das pes- Canden ,
so.is , e fácil na obediência da dou-«£/fi-<'y
trina ; foy instruido nos mistérios de '^ *^'*^'**
r.ossa crença , para cjue com' fé mais "^ * ^^^''»
robusta se lavasse nas -aguas do Baptis-
mo, Deu' aos Religiosos terra, mate-
riaes , e despezai para a fabrica de hum
Templo , sendo esta a primeira fortale-
za , que le\-anrou a conquista do Evan-
gelho naquejla Ilha contra os erros da
idolatria; porque das vozes do Aposto-
lo S. Th&m*e (se alH chegarão) nem
nos entendimentos havia luz , nem na
terra memoria.
Mostra va-5e e?te Príncipe aos pre* Mestra
teitoí de nossa Religião obediente ; ínccns-
mas ainda ^áo* constsfite , porque o te- ta.uia.
mor de ^Itcr^r os vnssallos na mudrn.
ça da Icy , lhe fazia , por náo perder
o que amava , deixar o que entendia ;
porque como planta ainda sem raí-
zes , o inclinaváo á hiima , e outra
parte conrr-ídiçoens humanas. Tenta- q. j^^/j.
ráo CS Religiosos desviar-ihe estes tro- ^i^scs 0
pecos do caminho da vida , áfPrman- animãa,
do-lhe , que debaixo do nmr^ro de nos-
sa Religião , e nossas arn^as , assegu-
rava hum. a , e outra coroa , porqrc
estará naquelle tempo governando o
Es-
^4^ Vida DE D. JoSo DH Castro.
,-^^, .r. .E^iaJo-;3«ue:Ie D. loão de Casrro , que
i^l^A ^ P^^^ Fé 'sabia derrapar o sangue , po^
. ,.- ^^*j .los- amigos ,?.rrjscar o Es^do. —
Sitê^A-^ ..^ ,1 t)uvio bem o Rey e,sca proposta ,
sòíuçSò-: Gizencp ,; .Que .se o Governador lhe
^ '.,. : A mandasse soccorro , não só professaria
a*lTé , porem qife a prifga,ria a seus va$-
íjaiios. (íom esia resolução partio hurB
Beisgioso/a Goa , -e certiHcado, o Gp-
vernarfor ;da causa *de sua vindâ^, ze-
lo.u .a,,,; cQnver^áo d'aque]íe Príncipe^,
.corno o m a yor, negocio ;do Oriente ;
nâo menos prornpro a dAt. á, Igreja fi-
GGover-XhíiS ^ (jue ao -Estado yicforiis.: ^Desp^f
uúaor ^c- chou ioga- cojTi sete ' fuscas.. Antorno
lai^iia Moniz Barreto , e orJeff^.a -SP^ ,^!^r
con-ja)' coni rarKÍa-se • - coití. navijOA nossos ,os le-
sa^ ^ e vasse comsigp; qscrevendo,4queíle Piin*
'•''", Z' cipe honradas carus ,. ^corapanhada^
i(.f(7 /?<;. ,^ muitos donativos. Mas:, em quanto
iKò-úr -/^"t^i^iío lyiomz vay navegando ,, inala-
remos r:a tomada de Baroche, por guar-
dar a orJeni dos tempos na leiaçáo
dos^successos. .;. r . •■•
'.j;i -Tinfia o Governador despedido áe
Dlo a D. ]or?,e de. Menezes , para
que na. enseada de .Cambaya fizesse
rojas as ^hcnilJJades fossiveis , mos-
trando ao .^okáo-, que com os estra-
^p% pissados, nos?as aimas não emba-
larão 03 tios. Tomou D. Jorge ai-
Livro IV. 347
gumas embarcajoens de mantimentos ,
que p^ssaváq à' bastecer os pertos do
jnirtng,o j porque acabasse a fome snuel-
les , <]ue perdoara a. espada. Heu hu-
ina tarde, vista. ..á Cidade de Baroche ,
cyjes edifícios' l\\s -representará o na ma-
jestade a poltcia de Europa. Estava si- ^''//VjC
luadâ etn huma eminência ., cin§ida/^'ríiA-
de .muros, de , ladrilho , qúe mais ser- ^^Ç^**^ ^^
yi^o SiO adorno , 'que a defensa. Com -^^''^^^'^»
tudo se deixaváo ver diversos balusr-
.les, , obrados náo sem alguma luz de
íbrtificâçáó , guarnecidos de muita ar-
Jelharia ., qus; senhoreava as' entradas
*lo. porco. Com a eievaváo do sitio se
jdesçqbriáo porradas de cantaria lavra-
da-,ondp a correspondência de torres ,
>e^ janellas , mostra váo ' de seus habita-
dores^ o poder, e artificio. Era o trato ,'"^^
xla terra , de -finíssimas sedas , dro^a,
.fjue d aqueile p,orto se navegava a miii-
.tos, do Orjenre* Possuía ^jadre ^^^^^: Mafíre
Co esta Cidade , tributada das aldèas Maluc»
vizinhas , ouc na fcrrilijcde , e m o senho-
fjandeza lhe compunháo hum mediano iea,
€stado.
Acaso tomarão os nossos huma ai-
joadia de pescadores naruraes da cerra;
que perguntados , disseráo àà Cidade
p que ternos referido E querendo sa»
ber Dom jor^e , ^ue presídios havia
-• na
/i
348 VíDA DE DJoSo DE Cá?TRO.
h.i Cidide , 'disseráo . rcue toda a mi-
licia levara Madre Maluco á Amada*
bi , Corte do Soiráo , e (]ue só íica-
váo 20 presente aígims mecânicos ,
e outra gente de trato. ' D. Jorge ,
parecendb-ihe opportuna a cccasiáo dt
assaltar a Cidade , ainda que era o po*
^ .,;..., 4cc desigual para faççáó' táo grande,
• \.., :Çpmo os successos pendem dos ácci»
dentes, determinou rerirar a fortuna,
e por assegurar os moradores , se fez
na volta do mar , como quem nave*
gava por difíèrente rumo , levando
comsigo 03 pescadores , para na entra-
j ,, da lhe servirem de guias. Tanto que
' '*^' anoiteceo tornou a armada a deman-
de a cn ' .. ,
tra de ^^^ ^ P^"^ ' ^ saitando em ^ terra ,
pouL ^^^ que a confiança , ou descuido Jo
inimigo se assegurasse em defensa , ou
sentinellâ alguma , foráo ferindo os nos-
sos nnqueíla gente desarmada , e fra-
ca , onde a noite , a confusão , e o
sono , os trazia á encontar o perigo,
tie que andaváo fogindo ; errando mi-
seravelmente 5 se desviaváo tanto do5
seus , como dos inimigos , fogindò
dos que também fogiáo. Cs gemidos
dos filhos náo moviáo os pays á pie-
dade , e menos i vingança ; porque
o temor súbito obrava com os peyo-
r?s aíÍ2vtQs da natureza. Os lamentos ,
e
Livro IV. 349
c srito dás mulheres , esses as desço-
buáo 5 seruio seus ays seu mayor pe-
rigo. E os <]UQ escondidos em suas
casas escaparáo ao ferro, nellas mes-
mas os abrazou o incêndio , náo fi-
cando aos miseráveis para a morte re-
médio 5 senáo escolha. A hum mes-
mo tempo se fazia a invasão, e o sa-
co. Fcy o estrabo como em guerra sem
fesistencia ; o despojo , como em Ci-
xiade entregue. Alcançou em fim D.
Jorge nesta empreza fama sem risco ,
victoria sem inimigo. Porém náo du-
vidamos , que se achara oppc&içoens
mayores , poderá conseguir seu valor
o que obrou sua fortuna. Mandou dar Põem-
a Cidade ao fogo , aonde em breves ^^efe^êC
homs os nobres , e plebeos , as plan-
tas , e edifícios se converterão em las-
timosas cinzas , sem que a natureza as
distinguisse , lugar as sep^raise. Em-
barcou-se alguma arteihana miúda , t
rebentou-se a grossa , sendo esi:\ f?.cçáo
tão ceiebre enire os nossos , que fize-
ráo remasse o app jliido de Butoche » Toma
quem tinha o de Menezes , con,o já ocHn a
as ruinas de Cariago derão á icipiáo oyj^di-
o nome de Africano, c»'
Acodio o Maluco com cjnco mil
cgvallos , cedo á lastima , tarde ao re- Avr/e a
luedio i .e vcniio tpe o feno, e fo- ■^' '*'';♦*''«
PO tareie.
gyO Vida DE D.JoXo DE Castro;
go náa deixarão cousa alguma com se-
Tnelhanç:\ do «que havia sido , voltou
impacienre á ElRey de- Cambaya , co-
mo guem levava em chaga fresca a
dor maia scRsitiva. Reprêsentou-}he o
€?trAgo da '• Cidade, agg-râvo que pare-
cia mayor j -por ser despois de tantos.
iSentio o Soltão esre novJo accidente ,
jurando acometei outra vez Dio , cjtae
era a peifâdo escan^dalo y onde se c]ue-
brâváo ais jfofiças de ta njàniTO- império.
Em tapico., pois ^ que :os'cdio3 óh
CamKaya resptráo na imaginada vingan^
ça , discorreremos no espiritu^ tie Can»
dea , que cgmo semente afogada ca-
tre espinhas ^ náo chegou a lcg'^at
* : fruto. - ■: - ^ r
CHei/ ' Eíir^ndia-oMídune i^^y áa Cowá
>(íe CoUacomo 'o' de Cí^ndea buscava - com a
.f/íjiz/.if/í ^inidtmça de R-eiigiáo , a- protecção do
•^ ^- Estado ; e -como est^-V Geniíés sáo oh-
^éindca servaníe? zeladores de seus erros , busr
;ti-a con- i^,^^ meyos para lhe persu;idir ,' que
A-crsao. çj..^ ^ idolatria n^ícessaria à Coroa; af?
fiririando-lhe . qije com -a nova. crença^
faria Tros vassaHos desobedientes , aos
Reys inimi^^os , ingrato á seus an.tigos
Idílios , que haviío prosperado o ce.-
tro de Candea tantos annos em Keaes
aíícenaenres^; que o Governador da In»
i\i:. <!t;via ser o mais insolerueihoitiem
Livro IV. ^rr
da terra , pois não sofria , qv:e o rviun»
do tivesse outro Rey , nèm ourro
Deos 5 mais que os c]ue elie servia ,
e adorava ; que náo negava ser a Re-
ligião dos Port:?guezes , ou melher ,
©u mais íelice , pois cultiváo o Deos
das victorias ; porém , que a elle lhe
bastava servir aos deoses da pátria,
cm c]ue nascera , sem desejar rTielhcr
posteridade , ou mais ambiciosa fortu-
na , <]ue os que lhe precederão. E
quem sabia se o Governador queiia
fazer da piedade motivo p3ra lhe usur.
par o cetro ? Que náo recebesse na
Ilha horfícns táo valetosos , que em
nenhuma parte sabiáo ja esrai , senáa
conro senhore?. Que se os Fran^ues
lhe prometiáo trazer à casa melhor
Ley , e augmenrar-lhe o estado, quem
com inteiro juizo havia de dar credi-
to á táo nova bondade de homens,
que nunca vira ; e mais quando es-
tes náo eráo táo de.sprezadores do hu-
mano , qi^e náo vressem do hm do
Wundo a ciominar a Ásia i Que se qu'^-
lia exemplos , mais Reynos acharia
por elies dcstriudos , que doutrina^
dos j que era verdade , .que os seus jo-
gues ( <:ue elles ch^máo Sacerdotes )
eráo fáceis em derramar o sangue po-
ia Ley , que en^inaváo , mas que ei>[e3
I o
Cândia
nisto.
^^2 VíDA DE D. ToSo DE CaSTRO.
O fariáo , oU como ambiciosos do no-
me , ou pródigos dà vida ; se já náo
era , que no Oceidenre havia mais lou-
cos , que nas outras Regioens , e da-
váo todos naqueila perigosa reima de
doutrinar ao Mundo j que ukimamen-
te lhe aconselhava , como Rey , e ami-
^o , que devia degollar o soccorro dos
Frangues , que esperava , para drir sa-
tisfação a seus antigos deoses , justa-
mente indignados de 03 querer desam-
parar por divindade estranha , que po-
la soberba de lhe virem dar in?. • ao
entendimento , ou pola ambição de lhe
usurpar o Reyno , mereci áo este casti-
go na contingência de hnm , ou outro
delicto ; que para este efFeito o ajuda-
ria com armas , e soldados , hzendd
commum a causa , pois o era também
a injuria dos ídolos de todos.
O miserável Principe , náo poden-
do ievantar-se de todo com o peso de
seus antigos erros, se deixou persua^
Jir das razoens do bárbaro , e fraudu-
lento amigo , porque os oího5 ainda
cegos com as névoas da idolatria ,
náo podiáo sofrer as luzes da verda-
de , que lhe amanhecia ; e logo ou
incauto , ou violentado conspirou na
traição do ^]adunc , Como enfermo
frenético , comra os insiiumencos d»
sau-
L I V li o IV. 35-5
saude indignado ; esperaram em fim
os hospedes , resolutos em executii a
maldade , que rinhao concebido,
Entretanro , parrido António Mo- Ví^?<^^
tiiz de Goa , achou em difrerenres por- ^^ ^"j^'
tos alguns navios nossos , cjue confor- '^'.^ ^
me a i-.strucçáo , que levava , aggre- "*^*
gou á sua armada. Dobrado o cabo de
Comorim , e pdssidos os baixos de
Rianar , foy demandar Baíicalou , pa-
ra d'ahi entrar em Qmdea , caminhan-
do por terra. Levava doze Tusras de
remo , de que tirou cento . e vinte sol-
dados 'escolhidos , e com elles foy ca-
minhando com a segarança de <]uem
hia buscar hum Principe amigo , e
©brigado , e sobre tudo , senão tiei
ainda , 20 menos grato já , e bené-
volo ás verd?d^s da Ley , que lhe pre-
gávamos. Chegado a Candea , como^;,.^^ ^
ludo fervia erra armas, náo pode ser ^^,,;},,^^
a rraiçáo táo cauta, que António "Mo- ^che tu-^
niz a não entendesse por diversos t^M-dotvoca^
SOS 5 e peia simuUçáo com que tenta- do.
no dividir-ihe os soldados para os po-
der rnatar mais a sea salvo. De mais ,
que o Rey lhes náo q^^iz ver o resto,
quiçá por náo descobrir nos nffectos
a consciência temerosa , e culpada.
António Moniz se sahio logo da Ci-
dade , mandando queimar os impedi-
men-
35'4 VidadeDJôao t)s Castro.
mentos, e bagages' , que trdzia , fican-
do assi rrfíiis livre para a defensa, e'
para a retirada , e juncando os soldados
lhe- disse.
Traía ,. Companheiros, e amigos: todos-
de vai- „ sabeis a traição , que nos íem orde--
tíir-sc, ,, nado este Rey iníiei , a quem vie-'
5, mos socccrrer , e servir , entendo y-
5, que nos comererám corti torça des-'
,, cuherta , pois tem agora hum a ra-
5, zio , ou causa mais para lios ofítn-
„ der , que he havermos conhecido-
5, seus enganos. Nenhum de nós te-
5, rá mais vida . que em quanto a sou-
,, ber defender. Pode salvamos o va-
3, lor 5 e a coníormid de ; soccorros
5, náo esperamos de íóra , pois estáo
3, em nós mesmos ; e estes bárbaros
„ náo se èmj^nharáó na traição , se
5, virem que he ciístosa ; e que mui-
5»
to , façamos nós agora por nós mes-
mos , o que vinha mos a f-zer por
elles , q'ae he derramar o sangue»
Os caminhos , que guião á Bateca-
lou , onde está a nossa armada , de-
vem estar occup.idcs do inimigo j
polo que nos parece , que vamos de-
mandar o Rey de Ceitavaca , fiei
amigo do Estado , onde acharemos
hospedagem \ e abrigo seguro para
d'ahi irmos a bincac nossa armada,
:-j-a Lo-
Logo que António fvioniz come- He g^
çou a marchar , se descobrirão os ini- metido
irigos era tropas , acometendo-nos com dos ini-
sertas , dardos , e pedras , e outras §*>^«
armas d'e5re género j cem cue nos íe-
riáo alguma gente , Geterminp.rdo com
este imporiuno rrodo de peleija aca-
bamos sem riíco. Trazia o ir.imigo ,
feo p.recer , hum corpo de oito mil
homens regidos por seus Cabos , a que
chamáo Modeliares , destros n^quelle
ir.odo bárbaro ds cometer , e retirar ^
superiores -aos nossos ro número j^e
na agUidr.ce , e sem dúvida 'hnmj e
hum nos íoráo derribando a todos , se
os náo fizera afastar a nossa espingar-
daria , de que receberão dano , e re-
mei grande , vendo cahir alguns subi-
tamente monos ; de que espantados os
outros , nos seguiáo mais tímidos , e
cauros ; as..i nos foráo picando lodo
aqueile dia,.h:Umas vezes atrevidos, e
outras cobardes , e com cite séquito
desigual , e importuno , hiáo d.^nco .^í
aos nossos a carga lenta , mas nunca
jnrerrompida.
Sobreveyo a noite, ás que os nos- Trt.La-
SOS receberão mais segurança, cue le- l ;,',.. ua
pouso , porv]ue sempre os foráo in-rujai,
uiet:índo çom tiros vagos , e perdi-
03 3 sem que os pobces soldados po-
A» dcs-
/
35*6 Vida de D.JoXo de Castr
dessem ainda sobre as armas receber
algum breve descanso j mastigando o
biscouto com os olhos no inimigo , e
as máos nas armas. Assi passarão aic
o seguinte dia , c]ue se descobrir:âo os
bárbaros mais soltos, e atrevidos ^ per-
dido 5 ou mitigado acjuelie horror pri-
meiro , que lhe faziáo os instrumen-
tos do fogo. Chegaráo em fim a fe-
rimos de perro com armas curtas ,
com o que íoy forç.ído António Mo-
niz deter a marcha , e fazer algumas
voltas , em que lhe dego'láuio^ gente j
e cativamos , emre outros , hum iea
Modeliar , que no habito , e nas ar-
mas , parecia o Regente.de todos; o,
que mostrou ser as^i no risco, e ousa-»
dia com que intentarão livralo, fazendo
muitas arremetidas , de que sairão cor^
lados , porém sempre constantes na^
'qiieila invasão pernada , que lá os
noásos náo podiáo àturat , renJitias as
forças do trabalho.
Fruãen- ■ Aiguns forão de pr.recer, que fizes-
cia\)in sem rosco ao inimigo , e se livrassem
í^Lttí mo- peíeijando , ou aeabassern vingados ;
iiera os porém Antonio Woniz lhes disse, que
íf«í. a melhor parte do esforço » era o so-
frimento-j e que só esre os podia sal-
var , que tinháo a mayor. parte do ca-
lílinho vencido i qae marchando vi-
gia-
Livro IV. 35'7
giados , e unidos , náo poderiáo re-
ceber grande dano ; que por grande ,
que o perigo fosse , seria depois mayor
o gosto , quando o recontassem glorio-
sos , e seguros. Assi lhes foy o Capi-
tão criando cspiriros novos , e en-
freando a desesperação de táo prolixa
resistência , até os visitar a noite, co-
mo alivio dos trabalhos do dia , na
qual os b:írbaros também quebrados
deixarão em alguma maneira respirar os
nossos. Porém tanto que amanheceo ,
tornarão a seguir a presa mais furio-
sos , parece que corridos de achar op-
posição tão vaicro?a cm poder ráo pe-
queno. Aqui se de3t;nvoiveráo maià Sol-
tos contra os nossos , que jd se de-
fendiío , ninda Que com os mesmos
ânimos . com forças mais remissas.
Mindou Anrop.io úloniz quebrar as
pernas ao Mudeíiar , que levava cati-
vo , c lançi.l "< na estr^^da , a quem os
íeus , deixando a pe^eija , acodiráo lo-
go detidos do amor , ou da piedade
do muyoral , ou companheiro , que
viáo em [ão miserável estado -, íicrráo
os nossos hum esp^iço hr-;o , como
sem inimigo i porem subira n^.ente mo-
vidos de hum espirito de lastima , ou
vingança , acomeieráo impetuosanien-
le í/S no3S»os em hum passo eaíreito ,
Aa ii que
^^S VíDA DE D JoXo DE Castro;
tpQ hia fechar em huma ponte , fun-
dada sobre ham gr?.nde rio , c]ae se
Esforço ^^^ vadeava. Mcòrrou aqui António
com gue Moniz avantajado esforço , fazendo
pehija. com nove comranheiros rosto aos ini-
migos em quanto srus soldados passa*
váo ; e como os teve da outra parte ,
quebiou hum lanço da ponte ; indus-
tria , com que rolheo aos bárbaros a
Retira- passagem , e sequito. Náo alcançou
jg, António Moniz fama popular por tão
heróica defensa , porem entre os pou-
cos que souberam fazer justa esiima-!'
çáo das obra? exceilentes , mereceo
esta ret;r:.Ja applausos de huma grande
vicfona, Cheg.ráo em fim ao Rey de
Ceitavaci , onde acharão benigna , e
fiei acolhida , reparando-se da fome ,
feridas , e trabalho com liberalidade
piedosa , e grata , offerecendo-ihes
suas forças para a vingança de táo jus-
to -ag-^ravo.
Arrepen- O P^'^ R-Y ^^ Candea arrepen-
de-se El- <i'cí^ da maldade cimetida por induc-
Kei/ de çáo do Regulo vizinho , aborrecen-
Caaàca. do a iraicáo , como cousa criadi em
peito alheyo enviou à António Mo-
Manda- r>iz hum mensageiro com dez mil par-
Ihc hum ^^Q^ p^ra os gastos da armada , escre-
m^-ua- vendc-lhe , que o sentimento era seu ,
S^"""- e os erros alheyos ; que pois o fora
bus-
Livro IV. ^^^
buscar infiel , não o desemparasse Chris-
láo; que o Deos , em que começava-
t crer , por isso era táo grande , per-
igue perdoava ci}-ensas, : que ac^ueliís
tenras flores y que começavâo a abrir
1^0 j 2 rd rn da Igreja , náo as quizesse
deixar desabrigadas ás injurias do ardor
da idolarna , que pois vieráo com ar-
mas limpar acjueile matto de íupers-
liçoens gen^liciis, náo .-se espantasse de
sahir lastimado d-^s espinhas , e caldos
<áa infide: idade ; que sendo táo^ benigno
^ Deors ., que lhe piégaváo , com jus-
tiça sém raiseíicordia náo salvaria os
homens ; que a- quem náo dêspiezava
<> Ceo , nâo de55preza se a terra j que
lhe pedia o soccocresse porque escava
prompto a cíferecer polo amparo a fa«
Xenda , e poia Fe o sangue.
Com esta carta esteve António Mo- Quer
ni-z resoluto : e(n se tornar i.rCznce^ , Aaronlo
representando-se-lhe mayores os inre NonU
reises-da Religião, que os perigos da, t^^ruar.
vida. Por>m os &oldc:dos , como abra-
çados com a tabca . em cue Ii^.viáo es- ^^ ^^"'
c pa-!o , náo qi:izeráo sahir do ab.i- " í^"^*'"'
g) do i^rincipe amii^o , diZí^nJo - (^ue ^''^'^'
o primeiro engano fora do traidor te-
mentido , o segiindo seria do Capi-
tão crédulo , e incâuto ; que se náo
queriáo tomar a fiar da vibora , Cjue
hu-
^6q Vida de D ToSo ®e Castro;
huma. vez os morde!?a ; porque se 69
quizera macâr quando obrigado de hum
gfaro soccorro , que faria , quando of--
fendido na injuria de seu exercito afron;*
rado ? Que queriáo ' agradecer a Deos
hum milagre , antes que pedir outro ;
que o .Governador os náó mandava
como .Apóstolos- , senão como solda-
dos ; que se hiáô a derramar o pró-
prio sangue pola Fé , fossem sem ar-
mas , mas que á sua voeaçáo era de-
fender a Ley corn a espada , e não pré-
Kecclhe- g^^^» Vendo António iVlottiz , que 05
se á ar- soldâdos estaváo frios- no zelo , e du-
mada. ros na obediência , entendendo , que
se Deos quizccíse salvai* aqudies povos',
abriria os caminhos , resolveo buscar
sua armada: e em quanto elle navega 4
tornaremos ás cousas do Hiíialcáo , que
temos retardadas.
Onídal- Sobfesâltado o Hidalcáo com n pre-
eáo mau- sença do Meale em Goa , tentou com
da sobre o remedio das armas purgar estes re-
ds terras ceyos ; e porque as g'iérras de Dio
firmes, tinháo hum pouco desangrado o Esta-
do , crendo achi^ria no Gcvernadqr
conRança , ou descuido na^^cido das vi-
ctorias , sabendo que a Cidade de Goa
o tinha ausente , acometeo as terras
de Bardez , e Salsere , que asseguradas
na paz estaváo sem defensa. 0-"'>pe-
dio
L I V K o IV. 361
aio quâtro mil scldados , que sem gol- .
pe de espada as senhorearáo , fazen-
do, que os agricultores . lhe acodisse.Ti
com os frutos , e foros annuaes , que '•
pdgíiváo ao Estado. Chegou a Ge?, o
aviíO desta entrada , que deu grande
cuidado ,, por náo se aCxHar com for-
ças para fazer ao inimigo rosto. Re-
solverão esperar a vinda do Governa-
dor , cuo nome bastaria a quebrantar
ao Hidalcáo o orgulho , presidiando
entretanto a fortaleza de Kachol pa-
ra deixar ás incursoens do inimigo es-
te pequeno freyo.
Logo que o Governador chegou á Reth r.o-
Goa , dando os primeiros dias ao gos- ^^ <^c ^í-
to dos successos passados , náo queren- ""•<>'' <^^^
do dar outros ao de>canço , como lio- "ossos,
mem , que tinha a paz por vicio , a
guerra por costume . passou a Aga-
çaim , donde de^pedio a D. Diogo
de Almeyda Freire , com novecentos
homens , para que desalojasse o ini-
migo , que estava com quatro mil sol-
dados nas aldeãs vizinhas. E tanio que
Os Mouros tiveráo aviso , que a r.Obsa
gente marchava , sem esperar o ^cm
das caixas , nem a vi ta d?.s b.ndei-
ras , se recolherão ao seriáo ; o que a
todos parèceo respeito ás victcrias de
Dio , cuja fama tinha cheyo de temor ,
e
362 Vi DA bE D JoXo BE Castro:
J^flncfa e reverencia o OHcnte rodo. Ficoii
»iu:ra outra vez a campanha á nossa obedien-
^cnte , e cia , logrando com os reCeyos da guer,
(jiiir elk x?^ huma paz mal segura, qu;.l se po-
'*'^'** dia esperar de Principe Queixoso , e
vizinho. O Hidalcáo , dando-se na fo-
gida dos seus por afrontado , acodio
po a cpiniáo das armas , como segun-
da causa para mover n guerra , man-
dando oito mil soldajoi a senhorear
as terras d ri co -.tenda , em qnanro apres-
tava poder mayor : in e-t- ndo , ( co-
mo ede dizia ) onde aventurava o Rey-
no , arriscar a pC5soa. Por^m em quan-
to o estrondo doestas arm^s , se náo
ouve em Goa, faliaremos das cousas '
de Malaca , e Maluco , por serem
dispostas com a providencia do Go«
vernadcr , e acabadas com sua fortu-
na.
ElRe^ Estava Bernardim de 5oUsa despa-
Aejjro chado com o governo das Malucas ,
})reso em que como tão distantes do cor^çáo do
G^a, Estado , recebJ^£o mais tíbia obediên-
cia j assi na sojeiçáo dos naruraes , co-
mo na liberdade dos Governadores ,
que obraváo vohint;irios , e indepen-
dentes. Tinha Jordão de Freitas en-
viado á Goa a EiRey Aeyro , ligado
com prizoens indignas, da Coroa > e
criminado com proce3S)$ alhey^^s da
ver-
Livro IV. 3/Í3
verdade. Os quies D. Joáo de Czs- íTe írho^
tro mnndou verificar por rela de juizo , luto peU
e absoluto o pobre Rey dos delictos Gover-
jmpostos , depois de o hospedar com "rtí^í/^.
Real rratamenro , ihe restaurou coni
honras , e tavcres as iniuríâs ão ia-
nocerte cerro , mandzndo a Bernar-
dim de Sousa , lhe fosse dar a posse
do Reyno com mayor reverencia , que
de nossos Governadores costumaváo. re-
ceber seus passados , para que conhe-
cessem aqueiles povos a clemência , e ^
justiça do Estado > diótribuida por igual
palanca a súbditos , e amigos.
Chegou BcítnardisT) de Sousa á liha Levad»
^e Ternate , e saltando em terra , se â Ternas \
foy meter na fortaleza , sem as cere- ^c,
monias , com que a ambição d'aouel-
ies povos costuma receber a seus Go-
vernadores. Jordáo de Freitas , que na
sabita vinda do successor , e na con-
ciencia cr-ipada , estava lendo o pro-
cesso de suas demrisias , íicou sobre-
maneira alterado , conhecendo da in-
teireza de D. Joáo de Castro ^ que
ráo periniitiâ aos Capitacns mores ,
que aos lleys amidos fizessem rem
sofressem iniurias , e que se náo po-
dia justíncur Afyro , sem o ccnacn;.r
a eiie. Com tujo d-eu a- Bernardim ò^
Sousa pQSse da fonakza ,.a quem lo-
go-
364 Vida de D João de Castro;
go acodiráo Os filhos de Aeyro , mais
a saber cios castigos do pay , que a es-
peralo ; táo tímidos sáo os juízos dos
homens nas cousas <jue desejam. Ber-
nardim de Sousa lhes disse , que o fos-
sem desembarcar da náo táo honra-
do , que pareceria , que mais fora re-
presentar serviços , que respoi^der a
culpas. Os filhos, ainda incrt-dulos no
gosro da insperada nova- , ferao con
rendo á praya , seguidos áç muitidâo
de povo , qae tívaliava por cousa rara ,
justiça contra hum poderoso ', admir
rnndo-se da igualdade de nossas leys ^
indiiferentes a naturaes V e estrangei-
Tresíi- ros. Desembarcou Aeyro , dizendo ^
í Ilido ' que nossos braços lhe deráo a victorit
ecs f^as. de nós mesmos ; e que d?.s exceílen-
cias do Governador .da índia fallaria
sempre com o dedo na boca. Levan-
rndos em as máos levava os grillioens ,
com que d'aiíi partira preso , servin*
do-se da memoria do aggravo para o
agradecimento. Com esta justiça re-
pousaram as cousas de Maluco , em
grua obediência muitos annos.
Coniarãê ' ^oz^va ne^^te tempo Malaca de hu-
^^,.;^/ nia profunda paz , assentada sobre, as
Kcus a^'zades , e commercio dos Principes
co.iira vizinhos ; e porém ElRey de Vianta-
Malaca. "^ achando-se com forças para inten-
Livro IV. 565'
t3r qualquer empresa grande ; o po-
der, e o ócio lhe troLxer^o á men-o-
liâ muitos aggravos esqueciàos , que
áos Reys de Patane havia oquella c^-
sà recebidos ; e como era bem cor-
respondido" dos Principes de Queda ,
Pam , e outros confinantes , teve meyos
para os coíligar , fazendo-os parciaes
na vingança de alhèas injurias. Poze-
ráo sobre o mar huma grossa armada,
capitulando , Que o de Viantana se
contentaria com a vingança do inimi-
go , e eíles ficariáo cem os despojos
dá guerra , a respeito de avenrnrarem
6 sangue na satisfação dos aggravos de
outro.
Era nesta occn.siáo Simão de Mel- ç^^e fax,
lo Capitão de Malaca , e sabendo o Coyl-
dâs discórdias doestes Príncipes , es- tão dei-
creveo a Diogo Soares de Mello , que la.
estava no pono de Patane, que se vies-
se áquella fortr-leza , porque ccmo ro-
dos aquelles Reys eráo smisos do Es-
tado , queria antes ser arbitro , que
parcial em suas difíérenças ; de mais
que era razão politica , deixar que a
guerra os quebrantasse , pit.r que de-
sangrados vivessem na pz , e cbjJi-
encia de nossas armss in.iis sus^eacs ,
'considerando , que o lemfo lhes po-
dia dar occasiam , e as torças ousadia ,
p0£-
366 Vida de D.Joao de^Castro.
porque para o ojio , bastava sermos
nós dominantes ; e pira a guerra o
poder náo busca outras causas. . ,
Diogo Soares , náo engeitandofflt
aviso , dcspedio alguns navios de car-
ga para a China , e elle com duas ga-
leotas se partio na via de Malaca, An-
dava nesce terr?po o Achem ás presa»
com vinte velas grossas , fazendo com
forças de Senhor o cilício de Cosga-^
rio. Tomou alguns juncos de basti-*
mentos , e fez no r^ar outros insul-j
Siihe tfm tos em navios de amigos/ .Com a torn
t€rr<^ o tuna cresceo o arrevimento , chegap-^^
jíchem,e do a desembarcar de noiíe no ppito^
recolhe- de Malaca , para poder dizer ,. qw^
je Ity^if. chegara a pizar terra de nos^a obediên-
cia i e logo com esta groria , ganha*
da tar.to a furto , se tornou a embarcar.
Tocou-se na Cidade à rebate , onde
o temor , e a noite fez mayor o pe-
rigo , fogindo n-»uitos de suas mes-
mas sombras. Chegarão á fortaleza as
vozes dos que só temiáo , porque viáo
temer , assombrados do medo sem pe-
rigo. Mandou o Capitão mór a D.
Franci:co d Eça com alguns soldados ,
que entrados na povoação dos Che-
iins , vir^o na confuíáo , e temor de
todos a miagem da guerra , menos o
inimigo , 4ue estava já embarcado , sem
le-
L I V Ti o IV. 1,(^7
levar mais que a fant.isrica vaidgde de
haver saltado em terra. Sencio Simáo
de Mello a covardia ào Achem , co-
mo se fosse injuria ; táo respeitadas es-
taváo as paredes d'aquella fortaleza ,
ique parecia insolência cornerelas, e avis-
talas delicto, Mandou logo por hum
Bantim ligeiro , espiar os passos do
Achem , cm quanto lançava ao mar
dous caraveloens , e seis fusírs , para
os mandar em busca do inimigo. Apor-
tou nesta occasiáo Diogo Soares de
Mello com as duas gaivotas , que temos
referido , como trazidas por nossa for-
tun.T á ajudar a yicforia. Nom.eou a , í'
D. Francisco d 'Eça ror C^bo d'e.ra ^"^""^^
1 11 I 1 íí erma»
esquadra , o cual ainda mal armado , ,
com a pressa de quem acodia a pen-
dência súbita, se hz na volta domir,
tom instrucçáo , que se em àei dias
nsc achasse o inimigo , se recolhes:.e
ao porro ; porque náo hia bastecido
para m.^is i^rgo reirpo. Tem n»-
Navegarão oÍ!-o dias sem encon- v.-n dci-
trar a arm.:da , e chegados á huma U o Ca-
Ilha , riveráo nov^^s , aue o inimigo yi'õo , e
estava ancorado em Queda , vi-agem (jner se-
de dous dias. Percrmínou D. Fran- ^"'^'^»
çisco passar a vante ; porém os soldados ^^ ^^^^_
se rmoiin.-ráo , dizendo qu9 era ^^^ dados se
Capitão bi5onho seguir a í]uem íogia^ ^,„^í^.
que „So.
368 Vida DE D. JoSons Castro,
que os bastimentDs esta^áo já acaba-
dos j que eiles náo hiáo a pefeijar com
a fome ; e que se o regimento do Ca-
pitão mór se estreitava a dez dias ,
melhor era a obediência , que a vic-
toria» Porém Diogo Soares de Mello ,
ainda que inferior no posto , mayor
na authoridade , disse que rodo o Ca-
pitão que se voltasse , havia de peiei-
X)l^aa ]^^ c^^ ^^^^ primeiro , porque mayor
Soiv-es serviço faria á ElRey em meter no
ús aplii' fundo soldados desobedientes , que
ca. inimigos atrevidos. Aplacado nesta fòr-
mi hum temor com outro , navega-
rão á Queda , onde souberáo , que ó
inimigo estava em hum porto oito le-
goas distante ; resolveo D. Francisco
seguiio , viito estjr táo vizinho. Aqui
foy a murmuração dos soldados mayor ,
mas' náo o atrevimento , porque vi-
rão que a injuria era mais do temor
que do perigo ; assi foráo seguindo a
Capinnia com mayores demonsrra-
■ • - çoens de gosto , do que nunca nve-
"^ '"'-ráo, ou fosse por dourar os receyos
passados , ou que os cora çoens pre-
sagos dri victoria , criarão mais hcara-
dos affectos.
^pistão, Avistarão naquella mesma tarde a
ecome- Cidade de Pirlés , em cujo porto esta-
tcnio y^ Q mimigo surto em huma enseada,
i/iimi^0. que
Livro IV. 369
oue fazia o rio em pequena distaricia-
da Cidade. Mandou o Capitão mór
sondar o rio , e abalisar com ramas o
canal para fogir dos bancos j e saben-
do pela sonda , Que tinháo as carave-
las fundo , cometeo a entrada a tem-
po , Que o inimico vinha com doas
g.ílcs , e oiuros navios "buscar a nossa
armada , porque pel.^s espias enten-
deo , que eráo navios mercantis , tni ,
razão de haverem vista da terra aos
caraveloens sómenre , por estarem as
fustas , e galeoras cubertas com s som-
bra de huma ponta torcida cm voltas
^ue alli faz o lio. Trazia o mimi^p ^endc
duas g;'lcs diante , que daváo escolta i^'''^*»
á outra muit^i fustalha ; ai quaes como ^f'"'*:^ «
acharão soldados, aos que ima^inaváo ^ "'''*'*"
mercadores , quizer:'o voltar , mas co-
me o rio era muito estreito , e ellas
viaaáo arrazadas em popa , o não po-
derão fazer , sem que primeiro lhe che-
gassem os nossos. Atraccdos em bre-
ve espaço tingirão as armas , e ain-
da o rio em sangue, Diogo Soares en-
trou a galé Capitânia com cincoenta
soldados , e achou nos Mouros ráo
porriada resistência , que tcJos foráo
mortos, pcrém nenhum rendido, com
o mesmo orgulho peiei;aráo os outros,
Conheceo-se. . a viccorià pelos vasos ,
mas
ma»
370 Vi DA DE DJoSo DE CasTRO.
mas não pelos cativos. Parece , <^oe
com obstinação honrada , nenhum qaiz
sobreviver á sua ruina. A reái-,tenc!3
do inimigo he argumento do valor dos
nossos , pois náo só peleijaráo com va-
lentes , mas com d::sesperados.
Emhai' Entretanto ElKey de V^ianrana , e
cc/7í^/j í/oi os mais confederados receberão tan-
(onjiira- tas satisFâçoens do de Patane , (]ue as-
dos, sentarão com mayores vincules a p^z :
estes sabendo , <^ue a nossa armada era
sahida , ajuizando que a forialeza fi-
caria sem gur.rmçáo bastante , vieráa
tentar , se esta occasiáo lhes abria ca-
minho para tirar de Malaca tao pes..-
do vizinho j e como o ódio 03 fazia
atrevidos , e o temor cov^^des , qni-
zeráo com o semblante da paz disfar-
çamos a guerra. Enviar5o hum Ca-
pitão pratico a Simáo de Melio , signi-
ficar-] he o sentimento , que tinháo ái
haver o Achem desbaratado a nossa ar-
mada 5 e que sabiáo , que com o gos-
to da victoria , juntava poder mayor
para vir sobre a forcaíeza , que comj
iirsha láo poucos defensores , era ior^
coso 5 que o valor cedesse á mukidáo ,
pois o numero , e a occasiáo dava as
victorias ; que eilcs como amigos do
Estado lhe pediáo l.-cença p ra deiem-
barcar nâouelie porto j e^ remirem com
seu
Livro IV. 371
com seu sangue a fcrnleza de táo cer-
ta ruina , e faria o Mundo juizo , que
cráo melhores amigos no trabalho ,
<j'je na prosperidade. Alem d-esra men-
sagcm cauteloza , vinha o enviado ins-
naido , one notasse os soldados que
rinha a ^rtaleza , e do semblante do
Crpitáo conjecíufússe o vaicr , ou re-
ceyo 5 com que cuvio o destroço da ar-
mada ; por ser o coração nos aíFectos
mais fiei, que a lingua.
Porém Simão de Mello entendeu Reposta
òo , que a cfíerra era traição , e o dâ Ca-
mensageiro espii , determinou ferilos pit^i> (fe
pelos seus mesmos fios , sers indo-se de ^'^"^^^^a*
enganos contra enganos. Respondeo
agradecido a táo opportunos soccor-
ros 5 conio lhe oifercciáo , e que em
retorno de táo grata amizade, lhe pe*
dia alviçnras da vicroria , que os seus
navios alcançarão do Achem , de que
n?.qae!le instante h..via tido aviso ; e
que na fortaleza tinha s,tníQ , e muni-
çoens sobejas pnra os servir contra seus
inimigos ; que o Achem sa.hira d'a-
quelle porto fugindo ; que os Portu-
guezes tiveráo no alcance dimculda-
de , na vicioria- nenhumia. Fstas pa-
lavras receberão credito da segurança,
com que se disseráo , ficando o Mou-
ro crédulo 5 e descontente no esforço
Bb do
^72 VíDA DE D.JoSo DE Castro.
do Capitão , na victoria da armada ;
levando aos seus por reposta , que o
C-pitáo mór , ou entendera o ardil ,
ou desprezará o medo.
Fal-ãâ Simáo de Mello com estas cousas
vovns dn entrou em grande cuidado , porque a
armada, tardança da armada fazia a nova con-
tingente , accusando-se de leve , e te-
merário , por haver empenhado as for-
cas d aquella praça contra hum. inim.i-
go , de cuja paz nso tirávamos fruto ,
nem gloria da ruína ; pcrque humilde
prova de valor seria desiroçalo cem
forças iguaes , Se o tinhamos venci-
do com muito inferiores. Assi discor-
ria o Capitío , com.o se náo poderá
Ç^uclxti- haver desgraça sem culpa. Hiáo na
SC o víil- armada emibarcados os casados de Ma-
go. laca , cujas mulheres , e tílhos cora
lagrimas anticipadas ao successo , cho-
raváo a victoria , que ignoraváo , quei-
xando-se do Capiúo , que quizera com-
prar fama com o sangue aiheyo , sendo
mais convenienre ao Estado huma paz
honríída , que huma victoria inútil. E
já o tumulto popular locara em Uber-
dade 5 se o Mestre Francisco Xavier
C P.Xa- ( qi^e entào a índia respeitava Peni*
-vier o tente , e agora o Mundo \'enera San-
iocc^a. to) náo enfreara o povo , lembran-
do-lhe a paciência nas adversidades ,
náo
Livro IV, 373
5;enáo como re-
médio y descobrindo-lhe cauto , mas
também compassivo , huns longes de
rnnis aie^rts novas , <^re mais pare-
ciáo alivies de próximo , que annun-
cios de Propheta. Quando no mesmo Pronos'
dia , em que se deu a batíilha , es- tlcn a
tando á vista de numeroso povo , en- victoria»
sinando ot c.^mJnhos da vida, se arre-
batou subitamente em hum extasis pro-
fundo 5 como bebendo em suave silen-
cio os segredos divinos y até que des-
pertando dn mysreriosa p?usa dos sen-
tidos , rompeo em agradr^veis vozes 9
dizendo , qfie prostrados ante os alta-
res, déssemos '-giaças ao Author das vi-
ctorias , porque naquella hora desba-
ratara Deos com nossos braços a ar-
mada do inimigo. O povo reverente
no presagio do Interprete divino , com
gratas , e piedosas kgrimas louvava
a Deos no Santo , comet sndo dos es-
tremes do pesar . mais se2ura a ale-
gria. Aquella mesma taide estando £ ^^í^^.
doutrinando a plebe em huma Ermi- cia »
da vizinha , referio os ca-.os da bata- modo
lha com táo participares accidentes , delia,
como quem sabia o succei;fO , de quem
deu a victoria ; e d'esta felicidade cre-
mos , foy o glorioso Santo intercessor,
e oráculo , o qual com multas outras
Bb ii il-
aatí»
374 Vida de D. JoÂo db Castko.
illustraçoens divinas antevio os segre-
dos escondidos com espiriro preáa^o
do futuro. Ficou Malaca gozando de
huma honrada paz , assessorada com a
vicioria , que temos reterido ; porém
o Governador em Goa , ainda com as
armas cjuentes no sangue de huma ba-
talha V o chamaváo a outra.
Cuida- / Entre o Hidalcáo , e o Estado dei-
tlcs do 5fou Martim Aíionso de Sousa vivas as
lildal- cansas dos odios , aue temos referido ,
de que D. Jo.ío de Castro lhe náo
podia dar satisfação , sem afronta ;
nem negar-' ha sem gaeira. Com a
retirada dos Mouros estaváo á nossa
obediência as terras de Bardez , e Sal-
sete , nascendo os frutos da agricultu-
ra , quasi debaixo das armas, com que
os defendíamos O Kidalcáo , como
via com seus oíhos as terras , e tam-
bém os aggravos continuados na reten-
ção que avaliava injusta , cada dia nos
acordava com as armas seu direito ,
sobre. aicado juntamente com. a pre»
sença do Meale em Goa , que era ve-
neno , qutr acometia o coração do Rey-
no i e entendendo , que com as entra-
das dos seus , súbitas , e furtivas , mais
irritava , que enfraquecia o Estado ,
e que com a ne^açi^o dos mantimen-
los empobrecia os vassallos 3 e engros-
sa-
Livro IV. 375»
sava os vizinhos , de cujos portos os
recebíamos , entrou em con^ideraçáo
de nos fazer a guerra com poder des-
cuberto , em que aventurasse o Rey-
no , e a pessoa , deixando na fortu-
na de huma batalha a justiça de hu-
mas, e outras armas; e como a paz,
e a ryrannia o tin;iáo feito r;co , eráo-
Ihe fáceis as despesas da guerra , que
havia de mover , quasi dentro em sua
mesma casa. Despachou logo cito mii ^'-^"((a
soldados a senlwrear as terras da con i'-'"^^ <*
tenda , em quanto se dispunháo for- ^^''''^
ças mayores para sustentar, o que aquel- -^'■^"^*
las ganhassem.
O Governador , com o primeiro
aviso d'esta entrada , ordenou , que D.
Diogo de Almeyda Freire com nove- D. D/*-
centos Portugufzes , e alguns Cana- -í? rie
rins de soldo , c hunia companhia de Almeudn
cavallos fosse encontrar o inimigo , ^A^ sahe,
ficando eíie em Pangim para o soc-
correr com o resro da gente , se o Hi-
dalcáo viesse pessoalmente ; fama , que
os^ Mouros derramaváo , e nos que-
riáo persuadir , ou se persuadiáo. D.
Diogo de Almeyda partio com esta
gente , e fez alto na fortileza de Ra-
chol , á cuia vista teve algumas esca-
ramuças^ leves com o inimigo , ouc
náo quiz empenhar o poder , nem
acei-
^76 Vida. de DJoXo de Castro.
aceitar a batalha , que lhe oífcrecia-
mos 5 quiçá conhecendo , que náo po-
díamos sostentar guerra lenta pola fal-
ta de provisoens , e íncommodidades
do terreno alagadiço , e retalhado em
«sreiros , onde náo podíamos ter alo-
jamento enxuto , nem servimos de
cavallaria em todos os lugares da cam-
panha ; huns , que pela humidade nos
tolhiáo a passagem , outros pola aspe-
reza i inconvenientes mais fáceis de
vencer aos Mouros , que como natu-
raes da terra sabiáo melhor os passos ,
e estaváo feitos ao trabalho de calcar
os pântanos com agilidade , e soltu-
ra ; de mais , que eráo bastecidos com
mayor abundância , como senhores do
paiz. Vendo pois D, Diogo , que o
inimigo tinha a escolha de peleijar ,
ou retirar-se , e que os mantimentos
OGúvcr- lhe faltaváo , con.tdtou o Governa-
nador o dor , que lhe ordenou , ^ue recolhes-
j]iz re- se a gente na foíialeza de Rachol ,
colher, em quanto resolvia o que se devia
obrar.
Voltou o Governidor de Pan^Im á
E põem Qq^^ Qruje poz em conselho o Èsrado
'^'^ das cousas , e desejos que tinha de
í^iicvra Qppjjj^jf Q Hidaicáo com suerra mais
<:m con- ' ' , . . .. , , -'. j ^-^
s Ih pesada para evitar ^s moíescjas de tao
repetidas entradas *, ticando de hum^
vez
L I V K o IV. 377
vez com as máos livres para acodir a
negócios dífferentes , o c]«e náo po-
deria ser 5 deixando arm do , e sem
castigo tâo importuno vizinho. Porém
a lodos pareceo , que a guerra se diífe-
risstí para tempo opportuno , qual seria
o do Veráo seguinte , em que os nos-
sos podiáo campear já no terreno en-
xuto , e com força? mayores , engros-
sadas com os soldados reynoes , que
nàs náos de vi:i§em se esperaváo ;
que o fím das empresas náo era a bre-
viciade , era a victoria.
O Governador , ainda que bellicoso, Dilata'
e mal sofrido/, houve de sojeir.r z se y.ira
vontade ao enrendimento , esperando outro
mcnçáo , em que podasse pedir i\o lemp.
Hidalcão mais rigorosa conta de seu»
atrevimentos. O que assenr^ido orde-
nou a D. Diogo de Almeyda Freire,
que re^ira^se a gen:e , deixando a
forraleza de Rachol com suííiciente
presidio , iH^ndo ás ccnerias do ini-
migo este pequeno freyo. E como o
Govcriador era no exercicio das ar- ■^*^''^''
, . , ta a
mas incansável , em quanto nao tinha
real a gut- rra , parece que se deleitava^
com a imazem delia, Hia loJos os
na pant
'b
dias ao campo , onde mandava aos
soldados tirar a barra , jo^^ar as armas ,
formar esquadrcens , incitando a huns
COUi
^7? Vida deD.JoXo de Castro.
com prémios , a outros com louvores ,
fazendo com a emuiaçáo , e exercí-
cio , crecer estas virtudes , trocando
huma Cidade pacifica , e politica , em
escola de armas , cjue estes eráo 05
sardos , e comedias , onde com útil ,
e beilicosa diversão se recreava o po-
vo , tendo com a frequência destes
ensayos os soldados tào bem di^cipli-
rados , c^ue nas occasioens da guerra
verdadeira , nenhum caso , ou acciden-
Tavore- te 03 tomava de novo. Passanao pela
ce os sol- rã?L de Nossa iJenhora da Luz , vio
tiado^. em huma casa térrea cjuanridade de
armas em hum cabide , tratadas cem
tal lustro , e asseyo , que se pagou
da limpeza , e concerto , com que
estaváo dispostas ; e tendo a rédea ao
cavallo , perguntou , quem na casa
vivia. Acodio a \-.q responder o mes-
mo dono , que era hum Francisco Gon-
çiilvtz 5 soldado de fortuna. O Gover-
nador depois de o loMvar de curioso,
e bem occupado , lhe mandou dar trin-
ta pardaos , com que lustrasse o ferro;
sendo que no? d!a^ de seu governo ti-
veráo pouco reTjpo as armas p^ira criar
ferrugem.
y^n^ Era );í enrrado o mez de Agosto ,
avisos de t o Governador , como antevendo as
Dio, occasioens fuíuras , náo perdia momen-
to
Livro IV. 379
to em ir.unicionar , e bastccer a ar-
mada , cjuando aportou na barra de
Goi Francisco de Moraes Cíípir?o de
hum carur , com carras de D. Jo^o
IVIascarcnhas , em que o avisava , que
o Soltáo de Cambaya juntava iodas ?s
forças de seu5 Reynos com voz de por
segundo sitio áquella forraleza ; que
convinha mostrar-lhe esie ^^eráo as ííf-
mas 5 porque attcnro á segurança de
sua mesma casa , deixaria de inquie-
tar a aJhêa ; mormente , que impsdin-
do-lhe nossas armadas a liberd?de da
navegação , e os úteis do commercio ,
abriria os olhos para ver , que .^ó da
paz do Estado pendia sua pro'perida-
de.
O Governador mandou juntar o go- Comtna*
verno da Cidade , a quem deu ccpia dz nUn-os
carta de D. Joáo Mascarenhas , pedin "o Sena-
do-ihe o ajudassem , para acabar de ^^' ^ F*^^
domar , ou reduzir este inimigo ; e ^^. ^'■'^
ainda que esta exacçáo os tomsva so- "^"^-"^
brc táo fresco em.penho foy £ proposta
do Governador tão g^ata a rodos , que
lhe offerecer^o as vidas , e a<i fazen-
das , como se fora o serviço do Lsta*
do 5 alimento , e herança dos íiJhos ,
que criaváo. Esta felicidade de ^^^' Cf cre-
dos náo alcançou a índia , em toHos os cênllhe
inovemos. D. Jcáo de Castro lhes )p^'qnnnto
dlO tem.
380 Vida de DJoXo de Castro,
dio dez mil pardaos , com que o Po-
Sasmu' vo o sérvio promptamenre. E as mu-
Jh^res Ihcres de alguns Cidadãos ricos lhe
suasjo' mandarão (Quantidade de joyas , com
!/ai' huma carta chèa de honradas queixas
pelas não haver aceiradc , nem despen-
dido na priraeira ofíerra ; mosrrando-
se as de Chaul , ainda que no exem-
plo segundas , na offerta mayores. Po-
rém o Governador escasso no uso , e
dispêndio de tão fieis donativos , lhos
tornou a remeter agradecido , pagan-
do~lhes nas honras do> mandos , e fi-
lhos , táo liberal , e opportuno ser-
jívisa v*ÇO- Avisou aos moradores de Baçaim ,
Chaul iC^ Chaul das noticias do Capitão de
Bj^-aim. Dio , e despesas da armada , e ne-
cessidâde em que estava para que o aju-
dassem ; os quaes lhe responderão táo
fáceis ao serviço Real , que parecia ,
reeebiâo as novas occasioens de pe-
rigo , e despesas , como premio do que
tinháo servido.
^ Andava o Governador dando ex-
' ^^^f pediente aos aprestos da armada , quan-
Kcuiw chegou nova , que na b?.rra
^'^ * de Goa haviáo lançado ferro daas nâos
do Reyno , que se apartarão da con-
serva de outras. Tmháo aquelle anno
partido do Reyno seis , sem Capitão
mór i das que checarão eráo Capita-
ens
Livro IV. 3S1
ens Balthâsar Lobo -de Sousa, c Fran-
cisco de Gouvea ; das cjuatro <]ue hi-
lavâo D. Francisco de Lima em S.-
Philippe 5 e vinha provido na Capita-
TÁ\ de Goa i Francisco da Cunha
no Zambuco j e estas duas partirão
tarde , c vicrro tomar a barra em
vinte e três de Setembjo, De outra
nao , que era a Burgaleza , vinha por
Capicáo Bernardo Nazer , invernou
em Socotorá , e aportou em Goa nos
últimos de Mayo. Era Capitão da ou-
tra D. Pedro da Sylva da Gama , íi-
Iho do Conde Almirante , despachado
para Malaca , e por ruim navegação
do seu Piloto , se perdeo^ nas Ilhas
de Angoxa ; salvou-se porém a gen-
te 5 cjue passou á Moçambique , e d'a-
hi repartida por outras embarcaçoens ,
chegou á índia. Nestas nãos veyo Ordens
ordem ao Governador , que man- v«-" ''"'»'
dasse alargar o sitio á fortaleza de '-^'^^'
Moçambique , por avisos que se ti-
nháo 3 de haverem Rumes de vir a
ella , e convinha as.egurar o> mora-
dores , e o porto , como escala prin-
cipal de nossas nãos , tolhendo ao ini-
migo o impedimento , que nos podia
fazer no commercio de Çofala , e Cua-
ma.
Achava-se o Governador coni rres
mil
5S2 Vida de D JoXo de Castro.
Resolve mil sold?dos Portogiiezes , e alguns
/» guerra soccorros dc Nairci de Cochim , que
<fí> h;- forào as rr.ayores forças , que juntou
daUrio. na índia , e considerando , que o Hi-
dalcáo com sua ausência poderia per-
turbar o Estado , actenro a náo ficar
cm Goa quem lhe fizesse opposiçáo
bastante , resoiveo buscalo no inter,or
do Sertão , necessitando-o á aceitar a.
baralha , porque tinha para esta guerra
láo precisa , taxado o poder , e o
tempo. Communicou esta resolução
com os Regentes da Cidade , e aos Ca-
bes da milícia j e a todos pareceo a
occasiáo opportuna. E como o Governa-
dor era nas execuçoens sobre manei-
ra presto , e tinha a gente prompta ,
r-partio em cinco esquadras os solda-
dos , segundo a disciplina da índia,
de que fez Cabos a seu filho D. Ál-
varo , D. Bernardo , e D. António
Grdena ^^ Nororv^a , filhos do Viso-Rev D.
5.ffl ^e/í- ^2rcia de Noronha, Manoel de'Sou-
g^, '^ sa de Sepúlveda, e Vasco da Cunha.
Hía também D. Diogo de Almeyda
Freire com duzentos cavallos , e os
cas.ídoí de Goa , a quem se aggrega-
ráo os pioens da terra , em número
de mil , e quinhentos. Presidiava a
fortaleza de Rachol Francisco de Mel-
lo com trezentos soldados Portugue-
ses ,
L I V B o IV. 383
ze^ 5 e alguma infameria dos naiuraes ;
ao qual avisou o Governador , que
se aprestasse para se ajuntar com elle
na Villa de Margáo.
Ne-ite tempo chesrsráo a Goa Em- "^'^'"'^^'^
bai:vZGores do Rey do Canará , que ^^^.^^^J^"
percendiáo a confederação do Estsdo , ^/''p''^^
para com aimas auxiliares molestar '\
ao Hidálcí-O seu confinante. Foy este
Reyno entre es Orientaes pola gran-
deza ào imperjo o m^is iilustre ; po-
I03 princípios da origem o mais des-
vanecido 5 fabulando mil iradiçoens
apócrifas , com que á veneração Real
sérvio a li.onja, Ouvio o Governador {7^ví-íj,
a embaixada com ceremonias decentes c dapc-
á ambição do Rey , e grandeza do dc-os.
Estado ; e logo capitularão amizades
com condiçoens honestas á huma , e
outra Coro3. Tanto <^ue o Hidalcáo
entendeo a resolução do Governador ,
mandou retirar a guarnição das terras Kctha #
firmes , como declinando o golpe da t^jdul-
primeira invazáo , querendo cansar o ^'^'■* *»
Estado , com aquella fórniU de guerra i'*-''-'^*
repen(ina , e turtiva , aoi nossos in-
tolerável , d elle facil.
Soube o Governador , cre es xMou-
ros eráo recolhidos á Pondá , cnjc
csiaváo abrigados com a afrel!:aria dcj
6eu force j alguns Capiiacns torão de
^84 VidadeDJoSo de Castro.
o Go' parecer , que o Governador náo seguis-
verna- se O inimigo , que fogia ; opinião en-
(lor os velhecida dos mayores soldados ; po-
ttí^ae, xèm D. João de Castro , náo querendo
vestir de balde as armas , mandou pas-
sar avante , dizendo , que queria cas-
tigar ao Hidalcáo em sua mesma ca-
sa. Foy esta resolução grata aos sol-
dados , crendo , que ievaváo na fortu-
na áçy General gráo parle da victoria.
Marchou o campo :^quelíe dia , duas
legoas , e já sobre a tarde houve vis-
ta do inimigo, que da outra parte de
huma ribeira o esperava , para lhe im-
pedir o passo com hum corpo de dous
mil soldados.
D. Álvaro de Castro , que levava
'^ y'V a vanguarda , se lançou ao rio , va-
r^ ^'' ^*' deando , e peleiiando juntamente : o
^^^_ inimigo lhe deu a carga de arcabu»
euarda "^^^^^ » ^^^ 4^^ ^^^ derribou alguma
gente , por?m sem impedir , ou retar-
dar aos outros , que passaváo. Os de-
mais Capiraens cortarão o rio por uif*
ferente:; parres , e quando chegarão ,
acharão a D. Álvaro baralhado com os
Mouros , e ji tão apertados , que hiâo
Os Mcit- deixando o csmpo , porque não era
rvs fo- seu intento pelei jarem no raso ; tán-
gem. to que vencemos o rio , cessarão da
opposição , que nos fazião , retirando-
se
L 1 V n o IV, ^Sy
se ordena-r^os á sua fortaleza de Pon-
òà, O Governador mandou seguilos , ^^"<^<*
o que se fez aquelle dia por sima ^ ^p'^^'
de alguns estrepes , que encravarão <\ "^ "^z
muitos ; e cnegmdo a ronda vio a "
rodos os Capitaens do èlidalcão orde-
nados em forma de dar , cu acei^-ir ba-
talha. O Governador com o mesmo
passo da marcha , (]ue levava , man-
dou acon^.etelos y os Mouros na reso-
lução parece que conhecerão a pessoa
de D. Joáo de Castro , e como se de-
láo lugir á fama ^ de seu ncme , Jhe
deixarão o campo , onde só com res-
peito alcançou a victoria. Retirou-se
ao sertão o inimigo , onde pola aspe-
reza da terra não podia ser seguido. ,. - .
Entrou D. Álvaro na fortaleza , cjue ^'^-^''^^^
achou desamparada : foráo muitos de 'J! '^*L
parecer , que se desmantelasse ; o Go- *^^'
vernador porem , com mais altivo
acordo , mandou que aos miseráveis
fugitivo:» se deixasse aquelle abri-
go j era desprezo , e pareceo pieda-
de.
Ficarão ontra vez as terras á nossa
obfdieucia , sem paz segura , nem
guerra ccntmuada. O Hidalcáo tinha
forças para nos Colher os frutos , mas
não para logralos ; e pelei i.?va já
mais pola reputação , que poios in-
le-
3o6 Vida de DJoSo de Castro.
Volta á teresses d.i campanha. Voltou o Go-
Coci. vernador á Goa , onde tinha a armada
prompta para pj.ssar ao Norre , não
tendo outro lugaí para descanso , (]ue
o mar , ou a batalha j e como o tem-
po chamava as velas , e os succcs^cs
iraziáo aos soldados contentes , náo
ioy necessário para se embarcarem ,
bando , ou diligencia.
Torna á Achou-se O Governador no mar com
p/j. cento , e sessenta fustas , de que erâo
os Capitaens , D. Álvaro de Castro ,
D. Roque Telio , D. Pedro da Syl-
va da Gama , D. Joáo de Abran-
ches , D, ]orge d Eça , D. Bernardo^
da Sylva , Vasco da Cunha , Francis-
co de Lima , Francisco da Sylva de
Menezes , D. Jorge de Menezes o
Baroche , ^]anoel de Sousa de Se-
púlveda , Cide de Sousa , Duarte Pe-
reira , Diogo de Sousa , Garcia Ro-
driguez de Távora , D, Joáo de At-
tayde , D. Joáo Lobo , Gaspar de Mi-
randa , D. Braz de Almeyda , Jorge
da Sylva , D. Pedro de Almeyda , Pê-
ro de Aitayde Inferno , António Mo-
niz Barreto , Cosme Eanes Secretr^rio ,
Melchior Corrêa , Sebastião Lcpez
Lobatto , António de Sá , Álvaro Ser-
rão , D. António de Noronha , Diogo
Alvarez Tellez , António Henriques ,
Alei-
w
L I V K o IV. 3H7
Aleixo de Abreu , Anronio Dias j
Balchasar Dias , Baithasar Lopes da
Costa 5 D.imiso de Sousa , Manoel
de Sá , Femáo de Lima , Alonso de
Bonifácio , António Rebello , Amónio
Rodnguez Pereira , Melchior Cardo-
so , Cosme Fernandez , Nuno Fernan-
dez , Francisco Marquez , Duarte Dias ,
Diogo Gonçalvez , Francisco Alvarez ,
Francísc^o Varella de Alm^yda , Fran-
cisco de Btito 5 Gonçalo Gornez , Gre-
gório de Vasconcelios , Gomez Vidal
Capifáo da- guarda do Governador j
António Pessoa Veador da fazenda áz
armada , Gonçalo Falcão , Gonçalo de
Vaiiadares , Galaor de Barros 5 Gaspar
Pirez , Joáo Fernandez de Vasconcel-,
los , Fernam d'Alvarez , ]oáo Soarez ,
Ignacio Coutinho , Joáo Cardoso ,
Joáo Nunez Homem , Joáo Lopez ,
Lopo de Faria , Manoel Pinto , Lopo
Soarez , Manoel Pmheiro , Lopo Fer-
Jiandez , Manoel Affbnso , Marcos Fer-
nandez , Nuno Gonçalvez de LeLo ,
Pêro de Cacifes , Pêro de Moura ,
Ruy Pirez , Fero Aífonso , Fero Pre-
to 5 Luiz Lobatto , Simáo de Areda j
Francisco da Cunha , Simáo í^rnar-
dez , Thomé Branco , Patráo mór da
Ribeira , Coge Percoli lingua ; e os
r<5iYÍo$ f cps vieráo de Cochim , de
388 Vida DE DJcÃo DE Castro.
que os Cabos eráo nossos, Foráo nesta
conserva alguns navios de Particula-
res , ^ue por benevolência do Gover-
nador servirão graciosamente o Es-
tado.
Chc^ff á Cem toda esta frota foy o Gover-
Bafíiim. dor surdir em Baçaim , donde mandou
algumas espias á Cambaya , para re-
conhecer as forças , e desenhos do
inimigo , do cujo poder se fa- ava em
icdos aquelles porros com temor , e
espanto ; e os Guzarates crédulos , ou
soberbos dizião , cjue o Soháo poria
. desta vez o Estado debaixo de seu
açoute. Aqui teve o Governador avi-
so 5 cjue Caracem genro de Coge Ço-
far estava na fortaleza de Surr..te com
pequeno presidio , na confiança do
exercito vizinhe. D. João de Castro
desejando cometer alguma das pra-
ças , que cobria a sombra do inimigo,
J^íanda "^^"^^^ ^ ^^^ ^^^^^ ^* Álvaro com
V. Al- sessenta velas , para que sobindo o rio
vàr» é ^^ Surraie , despachasse alguma pessoa
Surrate, ^^ confiança , que notasse o estado
da fortaleza , ou tomando lingua da
lerra , soubesse com que muniçoens ,
e presidio Caracem se achava ; e pa-
recendo , <]ue se podia tomar a forta-
leza por escala , lhe desse logo o as*
jalto porque pelas mesmas pisadas >
í^UC
Livro IV. ^2^
<^ue deixasse , iria a soccorrelo,
Cliegou D. Àivaisi com a ?.rma- Despede
dl ao primeiro poço , que fiCa na en- D. Al-
trada do rio , e logo despachou a -^^"-o a
D. ]orí;e de Menezes Baroche com D.Jfft*
seis fustas , para reconhecer a totcale- ^'^'*
za, Sobio D. Jorge peio rio , reman-
do á voga surda , aié cjue sendo vis-
to da íoiUleza , lhe tiraráo aigumas
bombardadai. Os da> tu.c^s voitarào
Ic^o os remos , ou rimidos , ou cau-
tos j per mais Qvt ihes bradou D.
Jorge que esperassem. Aqui íoy o pe-
rigo mayor , donde se náo temia ,
porque ce numa povoação de Abe-
xins j que estava sobre o rio , tiraráo
muitas peças ; o que visto por D.
Jorge , saltou em terra , e entrando a
povoação , ganhou a arteiharia dos re-
dutos com valor , e animo tão quie-
to 5 que a baldecu nas fiístas i sem que.
lhe fizesse estorvo a gente que acedia
de terra. Est>i segurança iez paiecer o
pcder mayor . quiçá medindo o ini-
migo nossas forças por nosso a:revi-
inento.
Logo que D* Álvaro despedio a £; ^^.^^^^
D. Jorge com as fustas , mandou Cafua-
tras elle outr:<s duns , de que eráo Ca- c-íí.
piraeus Francisco da ^^'iva de Mene-
zes j e juáo Fernandes de \'ascon-
CJC ii QÚ*
390 Vida de DJoXo de Castro.
cellos ; os quaes desejando tomar lín-
gua em terra , surgirão em hum poço
antes da povoação dos Abexins, don-
de mandarão os marinheiros , que fi-
zessem acuada ; que saltando em ter-
ra , caminharão quasi hum tiro de es-
pera. Caracem , tanto que ouvio as
boiubârdadas , que se tirarão da po-
voação dos Abexins , como havemos
referido , despeJio quinhentos Tur-
cos , para que os soccorrcssem ; os quaes
acharão as estancias perdidas , e a ar-
telharia embarcada ; e passando mais
avante forão vistos dos marinheiros ,
que fazião aguada ^ que bradarão a
Francisco da Sylva , dizendo , que no
csmpo havia inimigos , e Francisco
da Sylva encaminhou Jo^^o a soccor-
^elos , acompanhado de João Fer-
nandez de Vasconcellos , e fazendo
hum esquadrão cerrado , envestirâo
com os Turcos , e os romperão , fican-
do alguns caídos com a carga da es-
pingardaria 5 que 03 nosáos lhes derão,
Que lhes D. Jorge , que se hia recolhendo ,
4ucceâ€, quando vio as fustas surtas , e que os
nosso3 peieijavão em terra , poz neila
a proa , e acodio a tempo , que po-
de carregar ao inimigo , o qual se
recoiheo fogindo , deixando alguns
companheiros mortos no campo. Cus-
tou-
Livro IV. 391
lou-nos a vicroria hum soldado,
Embarc:.ráo-se os nocsos , e foráo Qj^^f<i^
na companhia de D. Jorj;e a deman- ° ^^^ei"
dar a armada. O cu?J referindo á D. "^^'^'
A I ■* I - em Ba-
Álvaro o successo , e observação que
zera , pareceo aos Cabos , cjue nao '
linha lugar a kcçro , visto estar a
armada descuberca , e a terra appelli-
dada. Só D. Jorge sustentou tenaz-
mente , que se devia cometer a foíca-
leza , sendo a grandeza de seu animo
a mayor razáo , com aue o pcrsu dia ;
porém eráo as contradiçoens táo viv:.s ,
que náo podia acontecer sem culpa o
mais feliz successo.
Em quanto D. Álvaro esteve noVohãoá
rio de Surrate , o Governador surto , D. Al-
deu expediente a diversos negócios , ^o''^-
e como sobre valeroso , era também
bizarro , derramou fama ^ que havia
de prender o Soliáo dentro em Ama-
dabá , onde á vista dos Turcos , que
o asseguraváo , o havia de assar vivo.
E como esta voz recebia credito de
ráo grandes victorias , huns aos ou-
tros a referiáo os Mouros temerosos ,
ou crédulos. O Governador por fazer
apparente o medo , ou a galanteria ,
mandou lavrar huns espetos grandes ,
como quem para descançar dos negó-
cios mais graves , se deleitava em di-
ver-
39^ Vida DE DJoA o D'E Castro.
verçoens briosas. Costumaváo os sol-
díidos dauuelle tempo trazer nos cin-
tos huTTiâs machádinhas muy polidas ;
que servião de cortar as driças , e
enxarceas dos navios de presa , e tam-
bém de arromoar caixoens , e fardos j
esre era o uso , o outro era cuberto.
De?gosi-"ív.^-se © Governador de armas,
que rinháo láo humilde serviço , e
vendo acaso passar Fnuitino Serrão de
Calvos , soldado limpo , com huma
machadinlia, lhe disse, que os homens
de conta, só a espada cingiáo airosa-
mente : Senhor ( lhe respondeo o sol-
dado) sem esra machadinha náo ser-
vem os espetos de V. Senhoria , por-
que náo poderemos assar inteiro a El-
Rey de Cambaya.
Jjuntc- ^^Y ^ Governador ajuntar-se com
fe com ^* Álvaro na bana de Surra te , on-
sca fi' <íe soube que a fortaleza estava soc-
Ikp. corrida. Passou dahi com toda a ar-
mada junta á avistar Baroche ; de cu-
jo porto despedio a Francisco de Se-
queira , Capitão dos Naires de Co-
chim , para sondrir o rio, e ver o cua
se podia obrar , informando-se do es-
tado da fortaleza com vista de olhos.
Este Capitão subio pelo rio até haver
vista do exercito do Soháo derramado
por huma diliitada campina, Era fama ;
Livro IV, jjj
que trazia duzentos mil soldados ; o
certo he, que era a multidão táo gran-
de , que cobria os campos vizinhos ,
e distantes : Referio ao Governador o
que vira . o qual alrivo às se ver táo
temido , quiz avistar as forças do ini-
migo por credito de sua mesma fama.
Mandou que levanrasse ferro a arma- '^'^'^j^ *
da , e foy scbindo até dar fundo na S°^^'^°*
frente do exercito , cujo numeroso po-
der secava os rios. E desembarcando
em terra , formou campo , e apre-
sentou batalha ao Soltáo ; acçáo táo
valerosa, que entre as memoráveis do
Mundo náo deve esta ser segunda. O ^F*'^^^'*'
Soltáo nenn aceitou , nem recusou o [^' ,,
.1- . 1 . ua talham
conilicto ; esperou ser comendo , assi
como buscado : vio ao Governador ,
náo lhe quiz ver a espada. Porém D.
]o20 de Castro , como buscando no-
va gloria em facçcens náo vulgares ,
chamou a si os Cabos , e Fidalgos de
nome , aos quaes fallou nesta substan-
cia.
„ Temos á vista o mayor Rey da ^^^^^
„ Ásia , e o mayor exercito : anda ^*' ''^*^*
„ buscando occasioens a fortuna de
„ nos fazer famosos , para que sobre
„ esta vJCtoria , na obediência do Ori-
„ ente , descansemos as armas. Confes-
55 so-vos a desigualdade tio grande en-
„ lie
594 Vida DE DJoXo DE Castro.
tre hum poder , e outrò ; porém nos-
sas esquadras náo se contáo pelo nu-^
mero , senáo pela virtude. Aquelles
sáo os mesmos , <jue ha poucos
3, dias destroçamos em Dio , náo hc
3, necessário a estes f^zer Hovas feri-
35 das , rasguemos mais as que inda
3, trazem abertar. Seu rr4e3mo número
5, os faz mais temero5>os , vendo em-
3, baraçados os caminhos para poder
3, snlvar-se ; se honcem nos deixarão o
35 Campo 5 rendo-no3 ';itiados , como nos
3, háo de resistir agora victoriosos * Mal
35 sustenraráo a honra de seu Rey , os
3, que perderáo a sua. Mayor poder he
53 o nosso , que o do inimigo ; pelei-
35 jáo de nossa parte a farca , e a vi-
3j ctoria. Não creyo , que haverá quem
55 engeiíe a grande pane que lhe ca-?
3, be na gloria doeste dia.
^ , Os Fidaleos , e soldados dissuadi-
Reposta ^ ^^ "^ i i .
dosFi- ^^^ ^^ Governador de tao perigoso
dolc^oi , acometimento ; porque em forças tão
eCííkos, desproporcionadas , ainda era digna
de reprehensáo a victoria ; que os ho-
mens grandes íiaváo mais da razáo que
da fortuna i que olhasse pola conser-
vação , pois já lhe sobejava a fama;
que assaz era haver desembarcado , e
oíierecer ao Soltáo batalha pisando
sua mesma ter-ra. O Goveinadoi.. sç
umvfo
iras ha*
Livro IV. 395:
<íei>:ou vencer ci'eatas razoens , temen-
do mais a culpa , «jue o perigo. D,
Jcrge lhe pedio (^uinhenras espingar-
das j para com ellas fazer alguma sorte
no inimigo j porem D. Joáo de Cas ^^^^ '^^
tro , com.o lhe desviarão o golpe da '*
batalha , parece , que náo quiz lasti- '
mar o Soitáo com chaga táo peque- ^''^ * ^
na. Esperou rres horas na Campanha j ^'" "''
sem que o inimigo se movesse , e lo- *"*
go mandou embarcar os soldados ,
que o fizeráo lâo desassombrados , e
seguros , como em porro do Estado j
facção a mais gloiii sa que tivemos
sem sangue.
De Baroche foy o Governador atra- Dnmnos
vessando a Dio , e despedio alguns '/^'«^ /^r.
navios por dentro da ense^d.i de Cam-
baya a destruir os lugares da costa , a
que havia perdoado a espada dos nos-
sos. Esres talarão as hottas , e palma-
fes plantados para a recreaçáo , e ali-
mento de seus habitadores , abrazaráo
gram copia de navios , derribaram so-
berbos edificios 5 de que ainda hoje se
conserva a lastima , e a memoria nas
prostradas ruinas.
Aportou o Governador em Dio , Che^a a
qnde' o Capitão mór o veyo receber Dia.
i praya , e os naturaes da liha lhe ft-
xçráo festas > como soberbos na sojei-
396 Vida de DJoÂo de Castro.
jy.Joãs çáo de táo valeroso inimigo. D. Joáo
Masca- Mascarenhas lhe lembrou a licença
renhas ^ <^ue já tinha para passar ao Reyno ,
Jaz dei' a qual o Governador lhe náo quizerã
oTaçao conceder • nem podia negar ; alguns
/^í**- Fidalgos lhe haviáo engeit^do a praça ,
í^' temendo , pareee , náo ter as occasio-
, ens , <]ne seus anteces^^ores. Quando
chegou áquelle porto Luiz Falcão , que
vinha de governar Ormwz , e primei-
ro que elle haviam chegado ao Gover-
nador algumas notas de seu procedi-
menro , toleráveis por náo tocarem
no valor , e justiça de seu governo;
O Governado! o chamou , e lhe disse
Os cargos de que o sindicarão , os quaes
desejava esquecer , como amigo , e
náo podia como superior., que com
novos serviços podia por silencio em
defeitos passados ; ficando naquelU
fortaleza , em que S. Alteza , e o
C Go' Mundo tinháo postos os olhos. Luiz
vernador Fâlcáo â ticeitou , rendendo ao Go-
tí entre- vernador as graç;\s por táo honrado
g"» <» castigo, ofrereccndo despender na pra-
X.uiz^ ça , a fazenda que adquirira em Or*
Taícão, j^u2 , e a que no Reyno tinha. Este
brio lhe louvou , e accendeo Dom
Joáo de Castro com favores públi-»
cos.
Concluid^s as cousas de Dio , se
em-
.cr. L 1 V K O IV. 397
embarcou o Governador em direitura Emhar'
a Baçaim , dando vista á costa de Pór , ca-s^ , e
e Mangalor , aonde abrasou as Cida- damnos
à^s de Patê, e de Patane. Cs mora- V"*^ >*•
dores fogindo ao açoute , salvarão no
sertáo as vidas , e parte dâs fazendas ,
faitandõ-lhes v^Ior , e acordo pára se
defender , ou morrer em suas mesm.as
casas. Ccnro , e oitenta embnrcaçoens ,
(jue estaváo em differentes portos ,
mandou dar ao fogo . vendo seus mi-
seráveis donos o mcendio com lagri-
mas inúteis. Ouviáo-se de longe as vo-
zes , e os gemidos , desprezados da
ira , e da vicioiia. Alguns velhos , e Compaj-
mininos , que náo poderão salvar-se , ^-^^ ^^^
mandou o Governador livrar do in- " 'J-''"
cendio ; misericórdia aos soldados im- "'^
portuna , grata á humanidade. Os des-
pojos se entregarão ao fogo , sendo
Tnenor a presa , que o destroço. Mui-
tos curros lugares d'aquellâ costa , sem
nome , foráo awuinados , ficando este
cerco de Dio mais famoso pela vin-
gança 5 do que pela vicrorii,
D'aqui se passou o Governador á ^ossa a
Baçaim , determinando gastar o que ^^í^^rf»
restava do V^eráo na guerra de Cam-
baya , donde despachou algumas espiss
para saber os passos do inimigo , dos
(^uacs soube , que na Corte de Ama-
d4^
398 VrDAí)ED.ToXoDsCASTRo;
dâbá , não havia casa sem lagrimas ,
e que o Soltáo mandara com rigoro-
so decreto , (]ue se náo fallasse no cer-
co 5 e batalha de Dio , como se ti ve-
rão as leys império na dor . ou na me-
S nt ^^^^^* C)'estes mesmos enviados en-
tiTo ^sc *^^"^^^ ° Hovernador , que ês fortale-
lomnr ?^^ ^^ Surra te , e Baroche , se despe-
Sarrate. ^^''^^ ^ ^^^^^ ^^ armada de D. Alva-
, ro 5 que poderá tomalas por escala ,
senso fora encontrado dos Cabos , que
lho dissuadirão j de que D. Joáo de
Castro mostrou tão vivo sentimento ,
com.o se acertar as occasioens fora
necessidade ; chegando sua modéstia a
romper em palavras , que accusaváo
os Capiraens da armada de tíbios , c
remissos.
Lembra Neste breve ócio , que o Governa-
0 ElRey dor teve em Baçaim , começou a es-
os tjue crever para o Reyno , fazendo láo
servi- honradas lembranças á ElRey dos ho-
tão, mens que servirão , que mostrava sçr
este zelo , ou gratidão , virtude singu-
lar entre tantas ; e os soldados se avan-
tajâvão no valor , assegurados , que náo
lhes faltaria o General com o premio,
ou com o zelo.
Torna o ^ Hidaleáo entendendo , que as
Jildal' forças do Estado estariáo , ainda que
(ão cem gloriosas, quebradas com as victorias,
guerra, tor-
Livro IV. 399
Tomou a occupar as terras firmes com
hum exercito de vinte mil infantes ,
a ordem de Cala Barecáo , hum vaie-
roso Turco nascido na Dri]m.<ícia , pra-
tico nas línguas , e disciplina de Ku-
lopa. Este senhoreou sem contradição
as terras , fazendo recolher á fortaleza
de Ríichol alguns poucos soldados nos-
sos , que avisarão a Goa do podei do
inimigo. • O Cu /-
Recebido este aviso , D. Diogo 'J*'
de Almevda com conselho do Bispo , .A^'' f.
que governava , e de alguns Fidal ^ ^^, ,^.
^os , e soldados , resolveo desaloiar y^^,^
os Mouros com a milicia da terra ,
primeiro que se fortificassem , e crecen-
lio em airevimento , e torças , che-
gassem á avistar as mur.ilhas de Goa,
Cidade dominante. Ordenada a gen-
te , que o havia de acompanhar , e
• estando para marchar já prom.pto ,
• vieráo os Vereadores , e governo da
- Cidade com requerimentos , c protes- ^^' ^'"-'í*
ros , que nam passasse avante , nem ^^<^ ^ '•''*'■
' arriscasse com forças táo de^ignaes a ^'^^'^*'
"cabeça do Estado ) que o Governador
estava em Baçai^ com armada chèa^
de soldados victoriosos » com que po^
• dia castigar o inimigo . contra o qual
' levaria , como segundo exercito , set^
Qi)me , e sua íoxcuna»
4CO Vida de DJoao ds Castro.
jivisa Durou entre c-dadáos , e soldados
ao Go- a controvérsia de maneira , (^ue por
v«;r/ití- pouco checara á sedição., c discórdia;
^or. zelando huns a conservação da Cida-
de , outros a reputação das armas. Em
fim partirão , e composeráo a diíferen-
ça com <]ue se desse aviso ao Go-
vernador , pois estava viziMho j o qual
logo <^ue entendeo , que o Governo
politico se queria ad uJicar á direcção
da guerra , reprendeo asperamente sua
animosidade ; e a D. Diogo de Al-
meyda agradeceo , e confirmou a re-
solução de buscar o inimigo , ordc-
nando-ihe , que o esperasse em Pan-
gim , com a gente , onde seria em
breves dias.
^ / ^ Não bem tinha D. João de Cas-
'l _ tro soltado da mão a penna , com que
^^^ escreveo ao Reyno , quando tomou a
^ * esp.ída. Aquelle dia , que recebeo o
aviso 5 mandou tirar peça de leva , e
ao seguinte desamarrou a armada , c
indo costeando , aviltou a Cii'de de
Avista Cabul , já famosa peiO castigo que llie
Dtíl^ul, derão nossas armas , e agora dos por-
tos do Hidalcáo a principal escala.
Deixaváo-se ver de longe muitos jar-
dins , pomares , e edincios polidos y
que mostraváo a delicia , e grandeza
de seus habitadores ^ seria a Cidade
de
i
Livro IV. 401
cie quâtro mil vizinhos , com dou«
fortes , e alguns redutos , que úefen-
diáo a entrada do porto i e dado , c]ue
a facção era para muy discursada , re-
solveo o Governador entteprcndela.
Aqueila tarde andou a armada pai- s^f^^ D.
íando á vista da Cidade , notando es alvura
surgidouros, e defensas ; e ao seguin- í/;í .vrni.
te dia no cjuarto d'Alvn , mandou
o Governador passar aos bateis a seu
filho D. Aiviro com dous mil ho-
mens para saltar em terra j sendo elle
dos primeiros que a pisarão por m.eyo
de niuitas bombardadas. Aqui fizeráo
os inimigos rosto , impedindo , cu re-
tardando a passagem dos nossos ; este-
ve a batalha igual hum iari;o espaço ,
fazendo-os ousados na pekija o lu-
gar , e a causa j as vozes das mulheres ,
e filhos que ouviáo , lhes fazia rece-
ber as fendas sem dor , e sem receyos j
os mortos que cahiáo não lhes faziáa
exemplo ao temor , sen o á vingan-
ça. De ambas as partes se derramava
sangue , e a constanci--! de huns , e
outros inimigos lazia contingente o
succcsso. Quando chegou o Governa- O Ga^
dor com o resto do poder , e carre- vcrnndor
gou o inimigo de maneira , que co- • sc^uc ^
meçou a fraquear na defensa ; pouco ^ tema «
fi pouco noj foy largando o campo , ^ Idadc^
402 Vida deDJoSo deCastho.
aré que com declarada fogida , nos
deixou a victorís. {-.ntrou o Governa-
dor com os Mouros de envolta na Ci-
dade , onde perecerão muitos á visra
das mulheres que náo souberáo dei-
xar , nem de Fender. Ao estrago suc-
cedeo a cobiça ; o despojo igualou
á victoria ; apenas se pode recolher
^ a fazenda nas vasilhas da armada.
Ardeo em poucas horas a Cidade com
terrível incêndio , ficando secunda vez
lastimosas suas ruinas peia memoria
de hum , e outro estrago. Perdemos
nesta occasião cinco soldados , o ini-
migo duzentos ', mayor número seria
o dos ferido?.
Cheira à O Go^'ernador deixando a Cidade
A^aqa- abrazada , se tornou a embarcar , e
foy demandar Agaçaim , onde o espe-
rava D. Diogo de Ahneyda com cen-
to e cincoenta cavallos , e a milícia
da terra , com quantidade de barcas
para passar a gente. Deteve-se o Go-
vernador aqui hum dia , em que se
informou dos desenho.» , e torças do
inimigo j e logo no seguinte , que eri
véspera do Apostolo S. Thomé , Si
resolveo comerer os iMouros , e in-
vocar o nome do Santo na baralha , náo
lhe querendo tirar a hon a da protec-
ção da Índia comprada com a doutri'
na .
im
Livro IV. 40J
nâ , e sangue derramado na Cruz de
seu martyrio»
Esrava o inimigo alojado na Villa Envests
de Morgáo , ^ue de Agaçaim ficava «'J '«/rnii
em pequena distancia j o que sabido ^^^^^
pelo Governador , ordenou a sua gen-
te em duas b^-talhas. A primeira deu
a seu filho Dom Álvaro de Caeiro ,
companheiro de sUas vicrorias j com
quem foráo os Naires de Cochim , e
os casados de Goa. A segunda , que
tomou para si , se compunha de todos
os Fidalgos , e soldados da armada ;
aos quaes a cavallaria da Cidade guar-
necia os lados. Nesta ordem mandou
fazer a marcha , lançando alguns ca-
vallos diante , que descobrissem o cam-
po.
Os Mouros estâváo derramados sem í-^^^,;^
ordem^ , ou disciplina , como gente *
que náo temia mimigo , ou o náo es-
perava j porém tanto que alguns sol-
dados 5 que andaváo pelo campo j vi-
ráo nossas bandeiras , e por vista , ou
aviso , entenderão , que o Governa-
dor os buscava , foráo dar conta a Ca-
la Batecáo scbresaltados , encarecendo
o poder , que o temor , cu a distancia
fazia mais crecido. O Turco assom-
brado de ter ja sobre si tam victoiio-
«as armas , náo teve mais acordo , outí
404 VíDA DE D.JOAO DE CaçT70.
para fazer com a fogida aos seus cxenr
pio. Deixarão nos quartéis as tendas ,
br.stimentos , e bagagens , e ainda as
viandas da cèa , já qiiasi cozinhadas,
cjiu: foráo para o trabslho da marcha ,
D. Alva- necessário , e su-we despojo. Nesta
ro os se- fogida Começou a tomar o Governador
^«í. posse das terras , e da victoria,
Passaráo-se os Mouros á outra ban-
da de hwm caudaloso rio , que só se
podia atravessar por huns valios orde*
nados á maneira de ponte. Esies cor-
tou o inimigo por impedir o séquito-
dos nossos , porem com tanta pressa ,
que amda a terra movediça deixava
passo aberto , e ainda que diííicil ,
náo perigoso. Por esta parte tentou-
Dom A Ivaro a passagem do rio , co-
meçando poucos , e poucos a va-
dealo , como a estreiteza do lugar o
sofria.
Voltão» Não estava tio alheyo de si o ini-
migo , que perdesse a occasiáo de pe-
leijar com táo conhecida ventagem.
Voltou c'os seus ao rio , mostrando-
TiOS , que fora &rdil o temor cauteloso.
Carregarão os Mouros sobre os que
Liáo passando trém.nlos , poucos , e
desordenados. O Governador os ani-
TTíava a que passassem , com a voz , cont
o iíTjperio , com a presen ja ^ n;as o te-
mor
L I V R o IV. 40? '^
mor venceo a obediência ; voltarão
os primeiros , náo sem derramar san«
gue , c com peyores sinâes , qu^ os
das feridas. Já a este tempo a impa-
ciência do Governador fez cometer o rio
por dlíferenres partes. D. Diogo cie Al-
meyda o vadeou com hum truço de
ca vali ária , achando por aguella parte me-
lhor vao , c melhor fortLina j porcjue se .
topou com o General do > Mouros , que
a cavallo andava ordenando , e ani-
mando os seus , ao qual envesiio com
grande gentileza. Do encontro vcyo -^^^'^ ^'
o Turco á terra cahido , mas não de- ^''^ê^ *
sacordado , porque levantando-se , me- ^^"^rah
teo mão ao alfsnçe , e buscou a Dom
Diogo , que inda que náo perdeo a
seliâ , ficou desarmado com a força
do golpe , por hum pequeno espaço;
ma^ roínando a cobrar-se , ccmeteo se-.
gunda vez o Turco , soccorrido de
dous soldados , e o deixou com mui-
tas feridas estendido no campo.
Os outros Capiraens , ainda que PíUija 4
com diíRcuidide acraTessaram o no , Qc%'er-
estimulados do exeitiplo do Governa- mdcr.
dor , que viéo andar com oa inimi-
gos cnyolcu , mais enveiado , . que'
obedecido de seus mesnigs sold^òcis.j;
que dea^madc«ai>vC^«íiT5 ordem , se
Unçaváo ao rio ; huns r^rdos^ oucios,
Dd li píc-
Alcan-
foa vi-
€Í^rÍ0.
406 Vida DE DJoSo DE Castro
precipitados ; porém depois que pas-
sou a gente toda , carregou com tal
força o inimigo , que nam podendo
sofrer o peso da batalha , foy desam-
parando o campo. O Governador , cjue
ram perdoava accidente á sua fortuna,
foy apertando os Mouros, já tímidos,
e desordenados , de sorte , que em
breve espaço rematou a victoria. Mor-
rerão poucos dos nossos , foram mui-
tos feridos : nos Mouros foy o estrago
grande , e no alcance mayor que no
conflicto 5 porque como os nossos náo
lomaváo cativos , com o mesmo gol-
pe cortaváo oppostos , e rendidos.
Dom Álvaro de Castro mandando , e
peleijando , nunca pareceo mais filho
de tal pay , que neste dia. Os outros Fi-
dalgos , c Cavalleiros se houveráo
táo iguaes no valor , que nenhum me-
Bmdia receo segunda fama. Com o nome de
Je São S. Thomé , e em seu dia sè venceo
Thomé I esta batalha , dando de seu favor aos
« c&m Catholicos Orientaes hum testemunho
s£u no' ilustre. Foy esta rota memorável , e
*"■• ainda cantada muitos annos das don-
zellas de Goa , inventando na singe-
leza de versios fáceis y louvores iem ar-:
cificio , nem lisonja, " *^
: Despedio o Gòvôrnador a gente,
c foy-se descansar á Pjingim | escu-
- san-
Livro IV. 407
sando-se de ter a festa em Goa , des-
prezando as palmas , e triumphos
Marciaes justamente ; pois era já seu
nome na voz do Mundo , mayor cjue
todo applauso. Aqui esteie cesp?.chan- Vespa-
do as nãos de carga , que haviáo de cha at
voltar ao Reyno , em que íby embar- "'^''■^ '^»
cado Dom Joáo N3ascarenhas , varáo ^^JJ"o,
mais constante nos perigos da Ásia ,
que nas adversidades da pátria. Foy
recebido d'EiRey, e da Nobreza com
honras náo vulgares. Os prémios náo
responderam com igualdade aos ser-
viços Foy Conselheiro dElRey Dom Ehcls
Sebastião no Estado , depois h^m dos de Dom
Governadores do Reyno. Casou comjoão
Dona Elena filha de D. Joáo de Cas- Masca-
tellobranco , de que deixou illustre , renhas,
c fidelíssima posteridade.
Náo pareceo a D. João de Cas- Conti-
tro , que estava o Hidalcáo ainda bem „,<^ o
cortado de nossas armas j resolveo Gover-
quebrantalo com mais pesada guerra, nador m
Assegurou com grosso presidio as ter- ^uenn»
ras de Salsete , deixando a Dom Dio-
go de Almeyda com cento , e vinte
cavallos , e mil piões da terra ; e nos
nos de Rachol ordenou , que ficassem
alguns navios para defensa das aldêas
vizinhas , cujos lavradores desampa-
laváo as terras , vendo o domínio dei-
la$ j
4^8 VídadeD. JoÂodeC/.stbo.
■las incerro , e contingente pela ins-
tabilidíiue dos successos da guerra. En-
Vamnos tendendo pois o Governador , <]ue sq-
gutjaz.. ria facil de prostrar hum Reyno de-
clinado , foy continuando com o Hidai-
cáo a guerra , querendo que de seu
casulo fizessem argumento os emulos
do F-staJo. Mandou embarcar os sol-
dados , que tinha sempre pron^pros ,
porque era a todos no^ perigos com-
panheiro , e nos trabalhos pay • c
dando á vela , fov navegando por
aquelia C05ta do Hidalcáo , a qual des-
truhio com táo igual açoute , que nam
deixou lugar , que podesse consolar
ns misérias de outro ; nam se livrou
nenhum pela resisrencia , alguns pela
distancia.
JssfiU Outro Dahul , que chamam de si-
Vobul o ma 5 que por espaço de duas legoas se
il^ sima. apartava da praya , estava por forte ,
e por distante rico com os depósitos,
e fazendas de muitos ; mas nem assi
lhe valeo o abrigo da terra , para se
eximir da fortuna dos outros ; porque
o foy demandar o Governador, dan-
do a seu filho D. Álvaro o primei-
ro perigo , a que chamáo os soldados
vanguarda , ( qua estes eráo os favo-
res d'aquelle pay , e os daquellc tem-
po) ; pjicm quando checou , os Mou-
^ 10^
Livro IV. 409
ros tinháo assegurado no interior do
sertáo pessoais , e fazendas. Náo acha-
rão os nossos cousa , que servisse á
viccoria i ao estrago si , porque os edi-
fícios , que náo poieráo servir ao des-
pojo , p.igaráo com a ruina, V^ierao r.s TaU m
Mesquitas , e Pagodes á terra , dei- cemfa-
xanJo os ídolos desfeitos , e prostra- "^'*"
dos , sem que a ira dos nossos de pe-
dra a pedra fizesse diííeren;a , cho-
rando aquelles Mouros , e Gentios ,
com humas mesinas lagrimas , as mi-
sérias de seus dco-es , e as suas. Pas-
sou a indignação de nossas armas a ta-
lar a campanha , destruindo os gados ,
e palmires , para que a fome acom-
panhasse a guerra ^ espada , de que os
náo podia livrar a fuga , ou resistên-
cia. Ficou em fim tam assolado tudo ,
que das povoaçcens à campina se náo
fazia diílerença peia vista , senam pe-
la memoria.
Recolheo-se o Governador á Ba- Vaij k
çaim , donde voltou as armas á guer- -B^/fâi^^í.
ra de Cambaya , despedindo alguns
Capitaens para que damnassem todo
aquelie marítimo , fazendo presas nns Vax,
nãos de Meca , que vinháo ancorar damnosk
nos portos da enseada ; o que Dom Camba-
António de Noronha , e Dom Jorge 9^*
Baroche fizeráo com fclices armas ,
cr€8-
' 4IO Vida DE D. JoXo DE Castro
crescendo com presas , e vlctorias
reputação , e forças ao Estado , sendo
nossas armas respeitadas , e temidas
nos diaií de Dom João de Castro de
maneira , que os mais dos Príncipes
da Ásia , vizinhos , e distantes , corn
voluntária obediência tnbuiaváo ao
Estado , par^ no abrigo de nossas for-
ças defender , ou assegurar os Rey-
nos, D'esta verdade nos deráo os Rey»
de Campar , ç Caxem náo leves ar-
gumentos.
Jiex So' Escíevem i^ossas Chronicas , e com
iimão mayor espanto as estranhas , aquelle
^nem farnoso cerco " de Dio 5 que deíen-
Jfoi/, deo António da Sylveira , de quem as
armas do Turco receberão na índia ,
ou a primeira , ou a mayor afronta.
Foy General da empresa Rax Solimáo,
que depois dç perder no sitio grande
parte da armada , o temor de nossas
náos , ainda ancoradas no porto , o
fez retirar fqgindo , e deixando enri
terra bagages , e feridos. Este ven-
do , que náo poderá conseguir a fac-
ção promettida a seu Senhor , o qual
soberbo , e imperioso náo costuma-
va aceitar satisfaçam de culpas , ou
desgraças , quiz antes arriscar a fide-
Cfiega á ^^^^^^ 3 ^"e z cabeça. Entrou no por-
Msnu '^ 4« Adem coro yoz de ami^o , onde
•O"
â
Livro IV. 411
o Rey o mandou visitar com mimos,
c refrescos di terra , cauto porém ,
e vigilante em gu?.rdar a Cidade ,
porque a f é , e o poder faz ião ao Ba-
xá sospeitoso. O Turco que vio sua
traição içmida » ou descuberta , qui«
zera por escala cometer a Cidade, po-
rém temeo a fortaleza da praça , o va-
lor dos Arábios ; e assi recorreo a ou-
tro ardil mais vjI , e mais seguro ;
qual foy mandar-se desculpar com o
Rey de náo entrar na Cidade , por náo
perder a monção , que lhe pedia i^ui-
zesse vir a bordo , porque tinha que
lhe communicar negócios do Gráo Se-
nhor cm benefício de seu Reyno. O
pobre Rey tacil , e crédulo cm pros-
perar o estado , se foy logo ver ao mar
. com o Baxá assegurado da consciên-
cia innoçente j mas o tyranno esque-
cido da fé , e humanidade , o man-
dou descabeçar na galé entre baldões , De^oJa
e mofas , delçicando-se cruel em trai- o Keij,
çáo tam fêa, iVIorto o Rey foy fácil
. ao Baxá occupar a Cidade na violen^
ta morte de seu Principe temerosa ,
e confusa. E porque pola vizinhan-
ça dos Turcos custou cuidado , e san-
gue ao Estado daremos d'ella huma
bíeve relação.
Jaz situada na cost| da Arábia Fe- sitio Jc
lix Adenu
412 Vida deDJoSo de Castro;
lix em altura do Pólo Artico de diz*
grãos , e hum quarto , abrigada d^;
hiima pequena serra , que com alguns
casteilos lhe defende a encrada da terra.
Está assentada na boca do Estreito , o
porto limpo , capaz de ancorar navios
de todo porte ; ainda que descuberto
acs Ponentes , que sáo os ventos , que
alli cursáo nas monções do Estia. A
arte , e a natureza a fizeráo defensá-
vel por terra , assegurando-se da am-
bição dos Régulos vizinhos , e m-
cursoens dos Alarves Arábios , que
com importunas correrias molestáo a
campanha. Está no porto huma pe-
quena Ilha medianamente fortifica-
da , a que os naturaes chamáo Gira ,
defronte fica outro surgidouro abri-
gado de muitos ventos , onde costu-
máo dar ftmdo a^; nhos , que navegáo á
Meca. Í>3ào tem rios , ou fontes que
fertilizem a terra , e também as aguas
do Ceo lhe faltáo por dous , e por
três annos , ou seja condição do cli-
ma 5 ou castigo secreto j assi a condu-
zem em cáfilas de camelos de partes
muy remotas. A droga principal da
terra he Ruyva ; mas o que mais^ lhe
importa he a ancoragem das náos ,
que navegáo o Estreito. A gente he
belIico?a , e cruel , segue com prom-;
Livro IV. 4T3
ptidáo â guerra , poios despojos mais ,
que pola vicforia.
Occopada pelo Baxá a Cidade , Sollmãê
vendo-se , inda que intruso , obedeci- a cccw
do , começou a quebrantar o povo com ya.
diversos gravames , lirando-lhe as for-
ças para melhor os dominar , tími-
dos , e sujeitos. Aos poderosos manda-
va degollar , e confiscar sem causa ,
sendo a vida cnipa , a riqueza delicco.
O sofrimento dos miseráveis era me-
lhor para virtude , que para remédio j
porque até da paciência servil dos in-
nocentes se cansava o tyranno. ^o Q.oem
dominio da Cidade lhe succedeo Mr.r- Ihc^ ^uc
záo , e lambem nos insukos , tão ^'^fi'^-
cruéis , que apurarão de todo a paciên-
cia dos pobres moradores , re^olven-
do-se a podelo sofrer como inirr igo ,
mas náo como Senhor. Tiveráo meyoa Os mo-
para olierecer á FIRey de Campar :í redores
Cidade , e a obediência , dizendo , o of^rc^
que com qualquer soccorro acomete ^^J^J^ '^
riáo os Turcos descuidados com o do- i'
minio pacifico , e quasi hereditário , *" ^'^
e muito mais com o desprezo de hq- ''
mens , que tinháo , ao parecer, perdi-
do 1 memoria de sua liberdade , e sua
■injuria.
O Rcy vizinho , com palavras de las- ^ceifas
tima , c agrado , lhes «cceitou a oílerta ; o Rct/ ,
. - ou ctjuefa^
414 Vida DE DJoXo DE Castro.
ou fosse ambição , ou humanidade.
Escolheo entre os seus mil soldados
benemenros de facção táo grande ,
querendo ser o mesmo Rey compa-
nheiro , e Capitão de todos. Parti-
rão no silencio da noite , e chegando
a Cidade , lhe derão os conjurados
huma porta , por onde entrarão , fa-
zendo-se senhores do castcilo com jeve
resistência. Marzáo com quinhentos Tur-
cos se fez forte nos paços , mais certo
do perigo , que das causas , e autho-
res d'elle. Com a primeira luz do dia
appareceo ElRey capitaneando os seus ,
e logo enviou á Marzáo hum trombe-
ta dizendo , que aquelia Cidade era
sua por antigos pretextos , e agora pot
eleição dos próprios moradores ; que
opprimidos com a intrusão do Ba-
xá tiverão a voz , e a liberdade ata-
das para não pronunciarem o nome de
seu natural Princ/pe ; que elie os vi-
» nha amparar como a afBigidos , c mais
como a vassallos i que se quizessem. dei-
xar a Cidade , lhes faria tratamento
de amigos , permittindo-lhes levar as
arm.as , e roupa que tivessem ; e
quando não , a justiça , e a victoria o
fariáo duas vezes senhor de seus me$-
^ae fte- nios vassallos.
%em os o rurco j cntcndida a conspiração
Livro IV. 415:
dos Arábios , e que para se defender
lhe faltaváo forças , e baEtimentos ,
cbedeceo ao tempo , s^hindo com as
bandeiras arvoradas , tocando caixas ,
á occupar hum castello distante oito
legoas , do qual intentou com os soc-
corros de Baçorá , reduzir a Cidade à
«ervidáo primeira. Começou assaltan-
do aos de Adem as cáfilas , que bas-
tcciío a Cidade , a qual , como recebe
do sertão agua , e mantim.entos , pa-
deceo em breves dias grandes neces-
sidades , porque se alguns bastimentos
lhes entraváo , eráo poucos , custosos ,
c furtivos. Com lagrimas o povo las-
timado pesava em hum.a mesma ba-
lança a fome , e a tyrannia ; males , de
que só tinha miserável escolha. En- sõosoc^
grossava o lyranno seu partido com corridos.
soccorros contínuos , a que náo podia
o Rey fazer opposiçáo com forças
iguaes j e discorrendo com as cabeças
do Povo sobre os meyos de salvar a
Cidade , lhe trouxeráo à memoria a
rama de nossas victonas contra Tur-
cos , e a fidelidade de nossa protec-
ção aos confederados. Resolverão man- Measo'
dar huma Terrada ao Capitão de Or- gcir(/ d»s
niuz , que entáo era Dom Manoel de mcrad»-
Li mi a , oíFerecendo huma fortaleza , res a
f 0$ rendimentos da alfandega j dan- Ormux,.
do-
'^ 416 Vida de D.JoXo de Castro.
do-ncs iuntr.mente a conhecer o peri-
go do Estado , se os Turcos firmas-
sem o pé naquella praça.
Era fama , que o Marzáo esperava
de Baçorá em breve imporrantes soc-
corros ; e que se o deixassem engros-
sar o poder , cometeria a Cidade com
força descuberta 5 polo que EJRey de
Campar mostrando-ãe no discurso , e
no valor soliado , nam querendo que
este tronco prendesse com mayores raí-
zes , determinou com três mil homens
escolhidos , cercar a fortaleza ; o que
emprendeo com mayor resolução , que
fortuna , porque nos primeiros assaltos
o matáráo. Os Arábios cortados do te-
mor com a morre do Rey , deixado o
sitio , vietáo a sepultar o corpo , sen-
do na occasiáo a vingança mais oppor-
tuna , que a piedade.
T(y'm D. A Terradi que navegava á Ormuz ,
Payo de entrando o cabo de Rosalgate , se en-
Aoro- controu com Dom Payo de Noronha ,
a/m. que com doze navios de renao , guarda-
va aqueile Estreito , e entendiJa a per-
rençao do Arábio , p^recendo-lhe este
soccorro digno de todo grande sol-
dado , escreveo ao Capitão de Ormuz ,
que se não houvesse de tomar esca
honra para si , lha náo negasse á elJe.
Dom Manoel lhe mandou mais dous
na-
L I V B o IV. 417
navios , e alguma genre escolhida , pa-
fci cjue fosse assegurar a Cidade , em
quanto lhe apresrava rrryores forças j
e ao Embrixsdor d'EIRcy de Cam-
par , depois de lhe fazer honrado tra-
ramento , aconselhou , que pedisse ao
Governador da índia armada , que
elle era tal . que náo negaria amparo
aos amigos do Estado , mórmiente con-
tra Turcos , cuja gaerra tomávamos
como herança de nossas armas.
Chegou D. Payo á Adem , onde Chega i
foy recebido com a benevolência , e yiddm,
grandeza , que poderão a seu próprio
Princípe , entregíindo-lhe a Cidade ,
ranto para a defensa , como para o go-
verno. Arvorarão huma bandeira nos-
ja 5 pola qual se ppostáráo a morrer
todos j sangrandc-se nos peitos com
demonstraçoens , e ceremonias barba-
tas , mas fieis , protestando , qte de-
fendiáo aquella Cidade , como membro
do Estado , de que já eráo por obe-
diência vassallos , e filh.os por amor,
Fcrém D. Payo se portou de manei- ^ '^''^ '*-
ra-, que fez 'declinar a opinião de ros- ^'^ ^^^*
sas armas no Orienre , e nós troncare-
mos 03 accidentes d'esta Historia em
beneficio de tam gr?.nde appellido ; da-
do que andáo de outra penna mais U-
vre referidos cm vuigaies escritos.
De,
41 8 Vida DE DJoXo DE Castro.
Os mora- Desamparados os de Adem por D*
dores en- Payo , nem assim perderão a devoção do
vlão à Esrado , defendendo a Cidade com a
^•<^« voz de Portugal na boca ; e porque ou
não tinháo , oUnÁo quizèráo outro abri-
go, que o de nossas armas, resolverão
enviar huma pessoa Real ao Governador,
que lhe significr-sse o estado em cjue
se achaváo j de cujas misérias podíamos
tirar nova fama , náo desprezando a
gloria de amparar affligiáos ; que o
Príncipe de Adem queria receber do
Estado as leys , e a Coroa , a quem
se faria feudatario com hum grato , e
konesto tributo.
JUzra- D. Jcáo de Castro se alegrou de
se o Go' ver soar seu nome , e suas victorias
vcrna- nos ouvidos dos Príncipes remotos ,
t^or. fazendô-os náo só reverentes , mas so-
jeitos. Em Goa houve grande alvoro-
ço com a mensagem , vendo que a
fortuna do Governador tornava ao Es-
tado as felicidades da primeira índia ,
pois aonde outras armas mal haviáo
chegado por noticia , as su:^.s chegava o
por império.
Manda Deu O Governadot esta empresa á
seu fi- seu filho Dom Álvaro , tam beneme-
Iho, nto de todas , que náo pareceo a elei-
çam de pay, mas de ministro. Quize-
láo-se embarcar com elle muitos Fi-
dal-
L I V F o iV. 419
da!go$ velhos , (]ue o Governador des»
viou com hum modesto decreto , or-
denando 5 que se li ca 3 sem em Goa ,
porque necessitava d'çlles para cousas
mayores i era porem táo grande o gos-
to da jornada , que receberão o decreto
como aggravo de ' todos ; parece que
era o vicio daquelles tempos a ambi-
ção dos perigos. O Governador os sa-
tisfez , alegre de ver acueíles espiritos
cri dos debaixo de sua disciplina.
Wandou logo cifar , e bastecer trinta ^'^^ 1*-^s
navios de remo , de que fez Capitães ormtidt^é
X Dom António de Noronha , filho
do Viso-Rey Dom Garcia , António
Moniz Barreto , que hia provido na
fortaleza , que se havia de fjzer eni
Adem , D. PedrO d'Eça , D. Fer-
nando Coutinho , Pêro de Attayde In-
ferno , D. Joáo de Attayde , Alva-
10 Paez de Sotromayor , Fernáo Pe-
res de Andrade , Pêro Lopes de Sou-
sa , Ruy Di2s Pereira , Pêro Botelho
Porca , irmão de Diogo Botelho de
casa do Infante Dom Luiz , Aivaro
Serrão j Luiz Homem , Melchior Bo-
telho , Veador da fazenda , Gomcz
da Sylva , António da Veiga , Luiz Ah
varez de Sousa , joáo Rodriguez Cor-
rêa , Diogo Corrêa , que tinha vindo com
©Embaixador de Adem , Diogo Banho ,
Ee P*-
4^0 VíDA D2 DJoXo DF CaST^O.
Pêro Preto, Álvaro da Gama , e outros.
Cutra Poucos dias antes ane çárpassè a
E>nbaí' srmaja , chegou á Goa num Embaixa-
xada de ^CT d'F/!Rey de Caxem . á quem os
Çãxem. Fartaques vizinhos hâviáô usurpado
grande parte do Reyno. Este , cortio
Teynava tia outra çontncósta da Ará-
^bia ; sabendo que Adem era socCôr-
'rido^ de nossas armas , ajuizando que
com a mesma armnda o podíamos res-
. taurar , escreveo ao Governador , qqe
' ' ' tião seria menos gr.'^ro ao Mundo res-
tituir a Cax^m^v qiie defender a Adem,
Representava ' quam $el hosped^getn
■ roèiário nossas' armadas, em seus por-
tos , fazendo resenha- das que allí há-
vião ancor?iG0 em tempos difierenTes,
á cuja cansa se fizera' sos Turcos sospei-
toso ; oítereciá além da fidelidade mo-
Keposta derado tributo. O Governador cnten-
di> Go- dendo , que estes soccorros reputaváo
verna- nossas forças , e criaváo amigos ao
^'^^' Estado , assentouV que com a mesrna
armada se desse favor ao de Caxerrí ,
vi^to ser buma mesma a viagem , e
a despesa , com que' se podia obrar
huma , e outra empresa. E porque os
- ■ de Adem , como cercados , necessita -
váo de prompto soccorro , o Gover-
nador antevendo , que o corpo da ar-
mada; podia checar tarde , frustrando
-h irv x''o IMy 4^1
o intenro , -e cabedal , ^^P^^J^op ^o* .-.;.>
go a D. ]oáo -de A tta y^e, conv> -quatro i^nu-T
jaavios , para (jue entrasse ..«m r/.çiem-,
^€ eniretivesse o ' cerco até chegar D.
Álvaro, Dom ]oáo de Attayde ^áea 4
vVéla , e por lhe ventar o Nojoestç
grosso, desaparelhou hum dos navios..,
,^ue arribou destroçado; , ps mais fq-
• láo seguindo saa viagemé? . ;*' /
Enrrct^nto .peIci;aváo. en> Adem ^ '/^^
obstinadamente cercid' res * e - cerca- /'^^•^^"'^ .
dos , dcírernando de ambas as panes
sangue, Carregava o pezo d'e^ta guer-
. ra sobre alguns Portugueses da Rema-
da de Dom Payo , que mostrarão va-
lor iilustre em nascimento humilde ;
os quaes se empenharão na resistên-
cia , como se defenderão, sua pátria
, no ' principado, alheyo. . Eíites hasúráo
, á, embaraçar aos Tuícos .a victoria mixi-
tos dias , e como eráo soldados de
fortuna , nossas Chrcnica& com in-
grato silencio lhes calláráOs os ncmes ,
como se a virtude nec-çssit^ta de he-
- roicos ascendentes ^ . e fossí^mr íT'e];>OS
honrados esies, por^. suas obras próprias ^
que os outros polas-alhêas. Oe.y o .qutí
com injuria da naCurí^za .Cft^ííráo ncvas
. leys os poderosos 5 em qu^-.ibíOíi.só fa-
zem hereditários os morgados , .mas
.^8 meíecimemos..-; ;:) g oIíuíjí?.
Ed ii Es-
422 Vida de DJoSô de Castiro.
ChfgSo Estando as ceusas de Adem na con-
Xurç^s. tingencia , que temos referido , appa-
reeeo a armada dos Turcos , que cons-
tava de nove galés Reaes , e alguniafs
galeoras , as quaes deráo vista á Cida-
de, e surgindo fora da enseada , sai-
láo em terra , armáráo tendas , e for-
tificarão alojamento , avisando ao Ba-
xá se lhes aggregasse com a gente que
tinha. Os Arábios , que virão sobre si
forças táo grandes , acodiáo remissos
à defensa , huns ti bios , outros des-
confiados , parecendolhes insuperável
o valor , e o poder dos inimigos , e
já em privadas juntas accusaváo em
seu Rey a ambição de dilatar a Co-
roa com o sangue do innocente po-
vo , náo cabendo seu espirito na for-
tuna de seus antecessores. Porém os
Portuguezes , que com elles estaváo ,
vendo que dos casos mais árduos era
mais glorioza a fama , esforçarão os
Arábios , mostrahdo-lhes a resistência
necessária , c possivel ; ofFerecendo-se
de novo por companheiros voluntá-
rios de sua fortuna ; o que bastou a
criar-lhes outros espíritos novos , com
<jue se apostarão á morrer na defensa ;
menos pola obrigação , que polo exeiu-
'^^'^^ pio. •
Põem- Sitiarão a Cidade os Turcos , pon-
I
L I ,y R o IV.. 423
<3o-lhe duas batarias com algumas pe*
ças de disforme grandeza , entre eilas
duas ) que chamaváo Quarcaos i )oga-
váo baila de quatro palmos de roda j
fizcráo nos muros mais ruínas , que
brechas , com que aos cercados o pe-
rigo ensinou a disciplina , fazendo
seus reparos , e travezes por dentro ,
com que enuecinháo , e rebatiáo os
assaltos , e fliziáo aos Turcos duvi-
dosa , e custosa a victoria. Porém D. Pa^
Dom Payo de Noronha ( arrastado de i/o 'man-
tlgum fatal destino ) privou aos Ara- ^(^ reco-
bioS' da victoria , aos nossos da honra , ^^^^ ^^
mandando secretamente avisar a to- nossos»
dos 03 PortuGjUezes se viessem á elle ,
desempatando a defensa do Principe
feudatario , e amigo , faltando ás obri-
gaçoens do cargo , c as do sangue*
Os mais dos ^ Portuguezes obedece-
rão ; só Manoel Pereira , e Francisco
Vieira , dous soldados de fortuna , dis-
seráo , que aquella Cidade era d'El-
Rey de Portugal , e que na defensa
delia haviáo de perder as vidas: pare-
ce que na milícia d'aquelles tempos
primeiro se perguntava pelo valor , que
pela disciplina. Estes sustentarão a Ci-
dade até o ultimo dia , ganhando me-
lhor opinião na ruína , que os Turcoái
na victoria.
Lo-
4i4' Vida DE D JòSõ bE^CA?TRo;
(Q^.:e fã' - ' Logo que es Arâí>i<><? enréndêráo ,
xcrn os cfué-fH^ía OS Portuguezcs recol Ilidas,'
arábios, perdida â esperança dâ defensa , trata-
rão de partidos ; mandou porém o
Príncipe cessar a • pratica , dizendo ,
que antes sa^iria da Cidade desbara-
tado , cjLie rendido ; que aqueiia ban-
deira d ElRey de Portugal não havia
deixar ganhala aos Turcos sem nódoas
de seu sangue : fidelidade di^na de
ser melhor assistida de nossas armas.
Continuou os assaltos o inimigo , co-
''■ nhecendo já no? moradores divisão ,
''^ € fraqueza , com que tornou a tom.ar
caicr a pratica da entrega j a qual ò
Príncipe -atalhou sempre , á si mesmo
fief , e-âo F.stido Porém o perigo, a
furtie ^ é 3. desconfiança dobrarão al-
guns dos moradores para darem aq
ini'-nigo huma porta stcreta , por onr,
de entrou a Cidade. O Principe com
^ vida -desempenhou a fidelidade pro-
metida ao Estado, peleijando com es-
pirito Real, mas infelice. Msnoel Pe-
reira , e Francisco Vieira salvarão a hum
Infante , que leváráo á Cam.par , con-
solnndo aos vássallos com aquelle pe-
queno ramo de seu prostrado tronco.
f c -no ' ^' ^^^^ ^~ Attayde , que dcixa-
/f^^^^'^ mos no mar com três nâvios , foy fa-
Uu'dc zendo viagem , e poraue tinha -vên.
Livro IV. 425*
tos de servir , cm poucos diis vio a
cosra da Arábia , c foy demandar a
Cidade de Adem , e entra ido á re-
mo na bahia 5 deu de resto corh ás ga-
lés que estaváo. surras ; e porque «iin-
da cufrâvác ós Levantes , se tcrnou a
sahir para o pego. Os Turcos , logo
que virão os nr;vios , leváráo as ar>co-
ras 5 e os Foráo segnin io táo apressada-
mente com a ver^ragem do remo , que
os navios de Gomez da Sylva , e An-
tónio da Veig , lhe ficaváo ja quasi
debaixo dos esporoens das galés , e ven-
do que lhes náo era possivcl a fugida
menos a resistenc-â , var:ráo os navios
na terra , que lhes ficava perro , onde
salvaram as vidas, D.. Jcáo de Atray-
de , córao levava melhor navio , foy
metendo de ló 'tudo o que pode , ven-
do-se muitas vezes perdido , até qíi^ so-
breveyo a noite , com que se fez na
volta do Abexim , em cuja costa espal-
mou o navio no liheo de Mete , què
faz frenre as Cidades de Barbara , e
Zeila. Os que se salvárAm em terra ,
foráo buscar o abrigo d'ElRey de Cam-
par , onde acharão Manoel Pereira , e
Francisco Vieira , de quem souberáo
os successoá , que temos referido j fo-
ráo hospedados , e providos de tudo
com amor , e abuadancia.
a
4ié ViDADE DJoXo DE CastroJ
Viuvem D. Álvaro de Castro , partindo
(íe D. com toda a armada junta , como leva-
tilvaro. va os Levantes em popa , fez a via-
gem breve , e tanto avante , como os
rheos de Canecanim , lhe sahio Dom
Joáo de Artayde ; do qual soube ^
perda de Adem , e como lhe corre'
ráo os Turcos , de cujas galés se li-
vrara çom o f,ívor da noite. Dom Ál-
varo , e 03 Fidalgos , e soldados di
^miada , mostrarão justo sentimento
d esta nova , avaliando em menos a
perda do Estado , que o desar de nos-
sas armas 3 porque dâs quebras da opi-
nião entre naturaes , e estranhos du-
ra sempre a memoria, O Embaixador ,
e cunhado díLlRey de Campar , quç
hia na armada , sentio vivamente a$
niortçs do cunhado , e sobrinho , coa-
sohndo-se porém muito çom saber
que nada ficúáo devendo á honra ,
pem á fidelidade , mostrando nestas
consideraçoens animo tam inreiro , co-
mo se buscara alivio á dor alhêa.
Frítí-oí- Dom Álvaro com os Cabos da arma-
sdho , c da poz em conselho o que se devia
que as- obrar i e pareceo á todos , que visto
4§iita, p soccorro de Adem estar frustrado ,
voltassem as armas em beneficio à>
Rey de Caxem , como trazia por ins-
truçjráo a armada , á quem os Farta-
^ueç
Livro IV. 427
quês vizinhos tinháo tomado a forta-
leza de Xael ; a qual senhoreava huni
porto , que era dos poucos , que este
Regulo tinha , a principal escala i
empresa mais útil , que diíicil. ^
Mandou Dom Álvaro governar '^ J^^*
Xael , e surgindo à vista ào cascello ,
os Fartaques temerosos , ou amigos ,
lecebèráo como de y^-z a armada. Era
o Forte fabricado de adobes , com
quatro cu bel! os tam pequenos , que
bastaváo para o guarnecer trinta , c
cinco soldados , que o presidiaváo.
instes , tanto que víráo a armada , lan-
çarão fora huma mulher , que enten-
dia , e failava a nossa lingua , a qual
perguntando peio Capitão mór , lhe
disse , que os Fartaques eráo amigos
do Estado \ que se vinhamos em de-
manda d'aquella fortaleza , a largariáo
logo. A' muitos pareceo , que se lhe
aceitasse , porque de inimigos tani
poucos , e sem nome , não esperáva-
mos gloria , nem despojo ; os mais
votarão , que por authoridade de nos-
sas armas, os mandassem render á dis-
crição. Entendida pela mulher esta Intenta
resolução , disse , que os Fartaques sa- <» <iw/<i»
fcerião defender as vidas , e o cas-
tello , mal satisfeita da reposta dos
I10SSOS. Os Mouros tirarão logo huma
ban^»
/
42S Vida de DJoSo de Castro.'
'- bandeira branca , e arvorarão outra
vermelha , á que succedeo tirarem og
nossos algumas bombarJadas , com pon-
taria tam incerta , que niím fizeráo
^mno. D. Álvaro rodeou com todos
;' os seas a fortaleza , que niandou co-
meter por escíla por dilferentes par-
res , assegurando os que subiáo com
a espingardaria de baixo , c porque
era a carga continua , nam ousaváq
apparecer os Mouros. Fernão Peresi
foy o primeiro , que começou a su-
bir por huma e?cada , levando o seu
guião diante , que arvorou , e susten-
tou no muro. Quasi ao mesmo tem-
po subio Pêro Botelho com o mesm^
risco , e fortuna que o primeiro. E&;
tes franquearão aos mais a subida. _ J
, António Moniz Barreto , D. An-
tónio de Noronha , Dom Joáo de
Attayde ,. e outros foráo demandar a
porta da forralezii , que estava entu-
lhada com fiirdos de tâmaras , e naiu
poderam entrar , sem que os nosios
viessem por dentro , e a desentulhas-
Tehijão ^^^' ^^ Fartaques se retiraram a dous
os Ara- cubellos , donde se defendiáo com de-
hlos até sesperado valor, engeitando as vidas,
morrer que Dom Alvaro lhes ofFerecia , que
têdos. parece , queriáo perder para vingan-
ça , ou para deeculpa da fcfja., que
náo
L IV R o IV. 42^
rio podéram defender , que âté entrff
estes bárbaros he o valor a primeira
virtude. Peleijáráo em fim os Mou-
ros acé acabar todos , não merecendo
nome de esforço a obstinação barbara,
donde nam podiáo esperar victoria ,
nem vingança Dos nossos morrerão cin*
CO , e passaram de quarenta os feridosí
Ganhada a fortaleza ( facção mais ^^^"^n-
'importante zo Regulo , que grande a '
nossas armas ) a entregou Dom Alva
íO ao Embaixador d'E.lRey de Caxem ,
que mostrou a gratidão do beneíicio,
entáo em basiecer a armada , depois
em ter com o Estado fiel correspon-
dência ; e porque se hia gasrando a
monçáo , se foy D. Alv^iro invernar
á Goa , onde foy recebido com ap-
plauso mayor que a victoria ; festas
que o Governador fomentou como pay ,
e Dom Álvaro estimou como solda-
do.
Tomou Lourenço Pires de Távora Chc^a
a barra de Lisboa com as cinco náos Louren-
de sua conserva ; as quaes tjveráo náo co Pires
sò breve , mas facil , e prospera via- áLíiií»^.
gem. Dissemos como nelia vinha D.
]oáo Mascarenhas, cheyo de fama ,
e de merecimentos. As novas de Dio
56 derramarão logo pelo povo , ajui-
^^ado cada hum y como entendia , a
430 Vida de DJoÂo de Castrd.
paciência do cerco , e a resolução da
batalha. O vulgo náo sabia pôr raix.^
nos louvores de Dom Joáo de Castro
como gente sem enveja das pessoas , J
fortunas mayores. Os Fidalgos , e gran.
des aiudavao , ou consentiáo a voz uni-
versai de todos , sendo virtude rara ,
poder sofrer de seus iguaes a fama ; e
nao houve algum táo ambicioso . que
desejasse para si melhor nome , nem
mais iiiustres obras.
Testeija- Vestirão galas os Reys , e a Cor^
ãe a no' te , e determinarão dia para dar graças
va de na Capella com oífertas pias , e Kcaes
T>iô. Houve hum douto Sermáo , em quê
se disseráo do. Governador encómios,
e virtudes. ElRey deu conta da vi-
etona ao Surtimo Poncifíce , e aos
mayores Príncipes da Europa , que
todos lhe congratularão , como a mais
illustre facção do Oriente, Na carta
que escreveo á ElRey , Dom João
ae Casrro , pedia licença para se vir
ao Reyno , mostrando que não bus-
cava postos quem deixava os mayores ;
e porque náo parecesse ambição nova
Q,uepedeQ desprezo de tudo , pedia á ElRey
• Gover- duas geiras de terra , que partem com a
^odor de sua quinta de Sintra , e rematáo em hum
^ ^^ftf- pequeno cabeço , que inda hoje con-
^^'* serva o nome do Monre das Alviçar
ras.
í
L 1 V R o TV. 431
ras, Parere , que nas honras revê El-
Rey consideração á seus serviços , e no
p-ernio á sua fortuna. Tudo se verifica
da suã carta , de que damos a copia.
Carta d El Rey D. João Terceiro',
5, *\ 7" Tso-Rey amigo. Eu ElRey ves C"'
5, V envio niúito saudar. A victoria , ^^^"^y
. „ que Nosso Senhor vos deu contra os p\^'^^
„ CApiraens de ElRey de Cambava , *-^*
5, foy de táo grande contentamento pa-
5, ra mim , como era razáo , que eu ti-
5j vesse por tal , e tamanho vencimen-
5, to , e por quam grandes mercês ,
5, e ajudas nisso recebestes de Nosso
'5, Senhor, polas quaes elle seja mui-
5, to louvado ; e muito se deve á
,j vossa prudência , e grande animo,
5, que naquelle dia mostrastes ; e assi
5, no que fizestes no grande, e apres-
„ sado soccorro , que mandastes á for-
,5 laleza de Dio em rio desvairado
5, tempo 5 oíFerecendo ao mar vossos
,5 filhos i em que se vio , quí^nro mais
,, pode com vosco o que importa á
5, meu serviço , que o affecto natural
,, de pay j o que cu a^si estimo , co-
5, mo he razáo , vendo , que náo só-
5, mente desbaratastes tam grande po»
5, der de inimigos , mas aind-rf destes
^,' muita segurança á toda a índia , no
451 Vida deDJoÂo dé Castro;
„ í^rande receyo , que aos inimigos
„ deila fica com esta tair.anha vrcco^
5, ria ; cujo serviço assi he razáo , que
3, eu tenha na conta que el'e merece,
5, como que renha delie o contenta-
„ mento , que se requere. E dofale-
5, cimento de vosso filho Dom Fer-
5, nando recebi muy grande dèspr^-
5, zer , assi por ser elle vosso fiiho^,
,, como porque hia bem mostrando
j, aaqueila idade , quem houvera Ó.&
,, ser em toda a outra j pois aç4-
5, bou táo honradamente ^ e em láo
55 grande seiviço de Nosso Senhor,, e
5, meu 3 deveis de sentir menos, sua
5, perda , e dar graças a Nosso Sen'iof
3, por como foy servido , que acabris-
5, se ; o que sey , que vós fizestes ,
35 mostrando ainda no esquecimento
53 da morte do fiiho , a lembrançA do
55 que .cumpria á meu serviço ; àjs
5, quaes cousas assi s.erey sernpre lem-
5, brado , que não sòmenie vo-Jas
5j conhecerey com grande contenta-
55 mento d"el]as , mas ainda com mui-
5 5 ta mercê i á que agora quiz dar
5, principio nas que faço á vós, e á
5 5 vosso filho Dom Alvarp , guarda n-
55 do o remate delias para o cabo de
55 vos*o . serviço , <pQ eu confio , .e
„ tenhp pot inuy Cêrto, €[ue será, tal.
p
.--í'"ÍVí «'o 'W'' Vj!
5J
I
como forãò os que atégóra me ten-
, des feiro ; e com esia confiança ,
3, e com "a experiência , que d 'isso re-
5, nhò , desejando muito' nèstè tempo
5, vos fazer mercê ém tudo 5^ cbnside-
„ rando porem quanto isto cumpria á
3, meu serviço , e vendo por vossas
55 cbras 5 quanta mais conta tínheis com
5, elle, que com tqlas vossas cousas,
", 5 houve por bem de vos não dar li-
,, cença para vos virdes , como me
5, pedíeis. Pelo que vos êncorTiendo
5, muito 5 e mando , que o hajais assi
S> poí" hem , e que nesse carrego m<?
*n ^'J^ir^^s ainda servir outros três ân-
";, nos , no fim dos quaes vos mand^-
"j, rey licença para vos virdes embora.
"'„ E eu espero em Nosso Senhor, qus
5, vos dè muy boa disposição para o
"55 fazerdes. E porém se por sima do
3, que tanto cumpre á meu serviço ,
„ como he ficardes-me ainda servindo
5, nessas prrres por este tempo , vós
5, á vós parecer que terdes lodavFa
.5 necessidade de vos virdes , íol^dvey
3j de mo escreverdes , e entretanto es-
"3, perr.reis m.inha reposta. Pêro de Al-
9, cai^ov4 Carneiro a fez em Lisboa s
\ „ vinte de Outubro de mil quinhentos
^„ quarenta e iette, ^^^^ "•;
434 Vida de D JoXo de Castro;
Creyo , ^ue nos pede attençáo mayor
a Cai ta da Rainha D. Catherina , on-
de náo he só Real a firma , mas tam-
bém o discurso, ajuizando as acçoens
da vicroria com madureza de varáo,, ©
brios de soldado.
Cana da Rainha. D > Catherina.
5, T T Iso-R-ey. Eu a Rainha vos ért-
3, V vio muito saudar. Vi a Carra ,
3, que me escrevestes , na qaai particu-
„ larmente me dais conta dõ que teri-
3, des feito , e provido ém todas ás
3, cousas , que vos pareceo que cum-
„ priáo ao serviço d'E]Rey meu se-
3, nhor , e á defensão , e segurança d'eá-
„ sas partes ; e de tudo ser táo confor-
3, me á quem vós sois , e á grande
,5 confiança que S. Alteza de vós tem,
",, recebo tanto contentamento , como
'j, he razáo , assi por ver, que S. Altè-
* 3, za he de vós táo bem servido , como
^55 pola muita honra , que nisso tendes
*„ ganhada. E quanto ao cuidado , e
3, grande diligencia , com que logo en-
3, rendestes no corregimento , e provi-
3, mento da armada , foy grande prin-
. 3, cipio , e muy nece sarío para reme-
„ dio de tamanhas cousas, como depois
„ se offerccêráo -, e por certo tenho , que
L I V K o IV. 43J
por muy grande , o^ue íosse o traba-
lho , ^ue nisso levastes , seria mayot
o concetitaniento . que teríeis de ser
ráo bem emprega Jo. E a guerra,
que fizestes ao Hidalcáo , fçy cousa
muy bem acertada , pois tác claro
se vio nelja o contrario da upi-*
niáo , que dizeis se tinha , que da
„ guerra dos Portuguezes ihe náo po-
5, dia vir dc?no; o qye íeria causa de
a mover tantas vezes j nem de sua
paz se lhe seguia pioveito , polo
que náo estimaria quebrala. E ss
elle sGuDefa quem vós sois , e quan-
to mais vos lembra a h.onra, que o
proveito , nam curara de vos fazer
o otTerecimento , que vos fez acer-
ca de Meaje j mas a pouca impres-
são que fez em vós , e vosso clara
desengano , lho daria a conhecer.
,, E quanto ao negocio do cerco , e
„ guerra da fortaleza de Hio , foy
„ muy grande mercê de Nosso Senhor
„ a victoria , que vos aili deu contra
„ tamanho poder , e número de ini-
5, migos de sua santa Fé Cathclica ^
5, que de táo diversas partes alli eráo
„ juntos , e muy claro sinal de elíe
,, ter de sua máo o Estado de essas
55 partes , e lhe dou por tudo tantos
„ louvores , como he razão , e iíie
Ff j5 de-
4]6 Vida de DJoXo de Castro.
„ devo. E muito acrecenra no grande
„ conrentamenro , <^ue ElRey meu
55 senhor , c eu temos de tamanho ,
5, vencimento , ver com quanta pru-
5, dencia' , e dircriçáo provestes em
5, todas >.5 cousas , (]ue para se poder
5, alcançar , eráo necessárias , e quam
55 animosamente vos houvestes o dia
,, da baralha , e com quanta preste-
3, za soccorre-:res aquella fortaleza ,
35 offerecendo á isso vossos filhos em
„ táo forres tempos , o conhecimento ,
que S. Alteza , e eu temos de todas
estas obras , e do grande fruto , qu«
d'e".Ias se seguio , he rr.uy conforme
á qualidade, e grandeza delias j e
assi coníio , que o Sua Alteza mos-
tre 5 na honra , e mercê que vos fa-
rá , e porque tudo 5e vos deve ', e
bem o deu a entender no gosto, e'
,, contentamento , em que logo quiz
5, dar a isso principio , nas que agora
,3 fez á vos , e á vosso filho D. Ál-
varo , segundo vereis por sua carta. E
do falecimento de D. Fernando vos-
so filho, recebi muy grande despra-
zer , assi por quanto sey , que ha-
vieis de sentir , como poia perda de
sua pessoa , que segundo tinha mos-
trado naquelJe feito , se pôde bem
ver , que foy grande i mas eu tenho
„ lal
Livro IV. 437
j, rai conhecimento de vós, e de vossa
„ muita pmd;:ncia , e virtude , cjue sey
j, certo 5 que em todo tempo , em que
3, Nosso Senhor o levara para si , vos
j, conformareis vós com sua vontade ^
5, e tomareis de sua máo ; quanto
5, mais sendo na-^ueilè , em que por
„ defensão de sua Fé , e em tamanha
5, serviço de S* Alteza , táo honrad?.-
j, mente acabou , e cumprio com í
„ obrigação de quem era , que sja
j, razoens muy grandes para vós mui-
j> to o deverdes fazer assi , e muito
,, menos sentirdes Sua morte. E quan-
„ to ao que me pedis acerca de vossa
5, vinda , em que Dona Leonor vossa
5, mulher (que eu muito Folguey cà
„ ver polo merecimento de sua pessoa j
,, e virtudes , e pola muito boa von-
j, tâde que lhe tenho) me fadou de
.^ v.Ossa pane , como em couca qus
,, laíito deseja ; estimara eu muno de
\y com gosto , e contentamento de Rl-
5j Bey meu senhor , poder nisso sa-
„ tisíazcr á vor» , e á ella ; m.^s j o'q
,, muito , que Sua Alteza tem de voi.-
^, so táo bom serviço , e pola granr
5, de faka , que lá poderia ftzer em
5, tal tempo vossa pe soa , houve por
5, bem de ie servir ainda Ia de vós ,
-,, outros. nes ^nnos , sCj^uridj por sv.à
Ff ii ,, car-
I
438 VíDA deD JoÃODE Castro.
5, carta vereis. E tenho por muy cer-
5, to , que por todas estas razoens o
35 havereis assi por bem , e vos rogo
,, muito , que assi seja , e espero em
5, N, Senhor , que vos dará saúde ,
^j e forças para o poderdes fazer ,
3, e V05 ajudará , e esforçará em to-
5, dos vossos trabalhos , pois d'elles se
5, segue tanto seu serviço ; e pois sa-
5, be que o principal respeito por-
., que S. Alteza o ha assi por bem ,
3, he saber , que será elle lá de vós
5, inteiramente servido. E na lembran-
,, ça , que entre tamanhos trabalhos ,
55 e táo importantes negócios , tives-
3, tes d^aquellas cousas minhas , que
„ levastes á cargo , se vè bem, , quan-
5, to desejo tendes de nisso , e em
5, tudo me servir , o qual eu estimo ,
5, como he razáo. E quanto o que to-
5, ca a Diogo Vaz , por outra carca
j, vos escrevo o que nisso folgarey que
5, se faça. Com o beijoim de boninas ,
5, e com todas as mais cousas que me
,, enviastes por Lourenço Pirez de Ta-
„ vora , recebi muito pr.izer , por ser
„ tudo tam bom , que bem parece ser
j, enviado com táo boa vontade , a
,j qual eu ainda mais estimo , e tudo
„ vos agradeço muito. E dos criados
3, meus , e pessoas , que me escreveis ,
Livro IV, 439
„ que lá tem bem servido , e assi c2s
„ cousas , em que vos parece necessário
,, prover, farey lembrança á ElRey meu
„ senhor , como pedis que Faça. O que
3, S. Alteza houver de prover , assi nos
55 oiíi-cios como nas mercês , que houver
3, de fazer á iodos que H o servem ,
,3 ha de ter lanro respeito ao que vós
„ em tudo lhe escreverdes , e pedirdes
„ como he razáo que seja ; e mu;to vos
3, agradeço a boa informação 3 que á
5, Sua Alteza dais dos meus criados ,
33 que naquelJe feito de Dio se achá-
3, ráo , e assi o muiro favor , e boas
,3 obras , que sey , que á todos lá fa-
3, zeis por meu respeito. Fero fern/ín-
3, des a Jez em Lisboa ã trintít dias
3, de Outubro de mil quinhentos quaren-
3, ta, € sate. a r>
Náo he de menor estimação a car-
ta 3 que lhe escieveo o Infante Dom
Luiz j como de Príncipe em fim , que
tam grande juizo soube fazer de me-
recimentos 3 e virtudes.
Carta do Infante D, Lttiz,
j, T T Onrado Viso-Rey. Recebi vos-
„ XjL sa carta , que veyo nesta armada
„ de Lourenço Pirez de Távora 3 em que
440 ViD^ DE DJoXo DE Castro;
5, me dizeis, que recebestes a minha,
55 que pqr Luiz Figueira vos mandey,
3, e agradeço- vos muito dizerdesme ,
5, que vos pareceráa bem as lembran-
5, ças qae vos f^ízia j e muito mais
,, o pordelas em obra ; e bastava pa-
,, ra o eu crer que seria assi , ainda
3, que vos eu náo conhecera , ouvip
5, o que Já fazeis , e ver , que cora
5, a boca chêa me escreveis vossos tra-
,, balhos , pobreza , e abstinência ,
5, cousas com que se vence o Diabo ,
,, o Mundo , e a Carne , que nessas
3, partes da índia tem lanío poder ; o
5, que he mayor victoria , que a d'El-
3, Rey de Cambaya , nem ainda de
3, todo o poder do Turco. PoJo que
3» em quanto viverdes nam devçis de
3, temer cousa alguma , mas antes espe-
,5 ray em Nosso Senhor , que vos aju-
3, dará como agora fez na defensão , e
3, baralha de Dio , em cuja victoria vós
5, tendes muito que lhe louvar , pois
3, vos fez instrumento de tanto serviço
,, seu 5 e d*ElRey meu senhor , e dç
3, tanta honra vossa j e de todos os Por-
3, tuguezes , assi dos que se acharão com
3, vosco , como dos que esti verão au-
,, sentes. E certo , que vós tendes fei-
33 to nesta jornada , desdo primeira
.. dia que tivestes novas do cerco de
. Dio.
Livro IV. 441
,5 Dio , até o de vossa , e nossa
55 victoria , luJo o que entendo ,
,, que hum valeroso , e astUto Capi-
,, táo podia fazer , assi na preste-
„ za dos soccorros , como em por-
,, des vossos filhos por balisas da
,, fortuna , e perigos do Inverno ,
,, e mares da índia , para qi:e os
3, cutros os tivessem em menos ; no
5, que se mostra bem claro , quanu
„ mais parte tem em vós o serviço
55 d'tlRey meu Senhor , e a obriga-
55 çam de vosso car^o , que os eíFeítos
,5 naturaes de pay , que sáo os que
,, mais forçáo a natureza. E no sofri-
5, mento que mostrastes nâ morte de
„ Dom Fernando ds Castro vosso íi-
,, lho , se confirma bem esta opinião ,
,5 e certo , que eu o senti por mim , e
35 por vós , e houve por muy grande
•„ perda , por quam cercos sinaes nel-
5, le via de seu grande esforço : e
5, creyo , que nisso lho quiz Deos pa-
gar , com o tirar de vida táo tra-
balhosa por meyos tam honrados ,
e de tanta glona sua , .que deve
ser grande causa de vossa consola-
ção. Dom Álvaro de Castro vosso
filho nam empregou mal sua jor-
nada , pois com tantos trabalhos ,
^ c perigos soccorreg a fortaleza de
33 J^íOj
442 Vida. DE D. Joio DE Castro;
,, Dio á tempo , que sua chegada
5, foy por entáo o remédio d'ella -, e
,, de como se nisto houve , e no dar
5í' nas estancias dos inimigos , e em
,, tudo o mais lhe lanço muitas ben-
,, çoens por vossa parte , e minha.
55 E tornando á vossa determinação de
,, a\t?nturardes vossa pessoa , e o Es-
>, tndo da In^ia , por soccorrerdes
j, Dio, foy muy boàj pois de o náo ta-
„ zerdes estava tanto mais aventura-
3, do i e o chegardes á Dio , e orde-
5, nardes vossa desembarcaçáo , e man-
5, dardes , <^ue os navios cometessem
„ a terra á tempo que havieis de dar
,, a batalha , e o modo de cometer
9, que nisso tivestes , tudo me pare-
„ ceo digno de agora , e sempre daf-
3, mos muitas graças a Deos nosso
}, Senhor , e de Sua Alteza vos fa-
), zer muitas mercês , á que agora dà
3, principio , como vereis acerca de
3) vós , e de vosso filho ; e assi o de-
„ ve fazer , e fará aos Fidalgos , e
3, Cavalleiros , que nessa jornada com
,3 vosco o servirão , em especial á D.
,, João Mascarenhas , que se houve
35 no pe^o desse cerco , como honrado
5, Capitáo , e esforçado Cavalleiro.
,3 Foígney muito de ver o modo , que
,j tivestes no escrever á Sua. Alte-
„ 2A
I
L 1 V B o IV. 445
9, za sobre os serviços , que os Fidal-
„ gos , e Cavalleiros , que nessas par-
, tes andão , lhe fizeráo no nego-
, cio de Dio , no cpe se vio , que ti-
, nheis com seuj trabalhos conta.
, Isto fazey sempre per amor de mim ,
, e folgay de louvar os homens ,
, porque já qne está certo , náo fal-
, tar quem diga d'e!les os males ,
, (que haveis de^ca>iig^r os que nel-
, les seníirdes ) razáo he também ,
, que os bons os levanteis , para Cjue
i, os que lá náo poderdes galardoar ,
, Sua Alteza por vossa informação o
, faça. Eu falley sobre vossa vinda ,
, como me escrevestes , que me elle
, não concedeo , e me deu para is-
, so duas razoens , que á meu pare-
, cer , ainda que vós tenhais muitas
, para vos desejardes de vir , Sua Alte-
j za tem muitas mais para vos man-
, dar rogar, que o sirvais nesse gover-
, no outros três annos , o que ha-
, veis de folgar de fazer por ser-
, Virdes á Nosso Senhor pola gran-
, de miercê , que vos tem feito , e à
, Sua Alteza pola confiança , que de
, vós tem , e contentamento de vos-
, so serviço. Ç confiay em Deos , que
, vos dará forças para poderdes com
, os grandes trabalhos , e desordens
da
444 Vjda de D.JoXo de Castro;
^, da índia , e -eu espero nelie , que
,, fazendo-o vós assi , venhais encher
3, esres picos da serra de Sintra de
,, Ermidas , e de vossas vicrorias ,
„ e que as visiteis , e logreis com
j, muuo descanso vosso. Nas cousas
,, particulares vos náo (alio , pori^ue
,, E:Rey meu Senhor vos escreve o
,, que ha por seu serviço em reposta
„ da carta geral , que lhe escrevestes ,
,, que vinha em muito bom estilo ,
,, e em muito boa ordem. Escrita em
,, Lisboa ã vinte e dous de Outubro de
3, mií quinhentos quarenta e sette.
O Infante D. Luiz,
Deixâ-se bem ver destas cartas,
quam gratos eráo aos Reys os servi-
ços de Dom Joáo de Castro, Negou-
Ihe EiRey Dom Joáo a Icença que
pedia para vir descansar ao Reyno »
como em beneficio da pátria , e do
Oriente ; prorogou-lhe outros três ati-
nos do governo com nome de Viso-
Rey ; náo teve vida para lograr <este
acrecentamento j para o merecer, si:
fez-lhe mercê de dez mil cruzados
de ajuda de custo , e patente de Ca-
pitão mór do mar da^ índia á seu fi-
lho D. Álvaro ; c^rgo , que já exerci-
tava çom xnçnos aanoi, que viccorias.
Ti-
L I V n o IV. 44?
Tinha entendido ElRey D. João
pelos avisos do V^iso-Rey , (jue a se-
gurança da índia necessitava de ter a
todo 'tempo torças promptas por to-
das as occurrencias do Estado ; e que
os estragos de Cambaya , junto cem
o respeito , criiváo ódio nos Prínci-
pes vizinhos , cuja ruina era para ou-
tros exemplo. Com e^tas , e outras
consideraçoens , despachou este anno
para a índia seis nãos , <^ue partirão
em monçoens differentes. Das pri- Manda
meiras três , que partirão em Novem- ElKei/
bro , era Capitão mór Martim Corrêa ^^'^ "^^'
<ia Sylva , que levava a fortaleza de « ^"'^'^•
Dio. Os outros Capitaens eráo Antó-
nio Pereira , e Christováo de íiá ;
e porque na costa da índia teve a Ca-
pitania os ventos ponteiros , esgar-
rou , e não podendo ferrar Goa , foy
tomar Angediva ; donde mandou avi-
so ao Viso-Rey para o prover do ne-
cessário 5 visto ser-lhe forçado inver-
nar em aquelle porto. O Piloto de
Christováo de Sá soube-se marear me-
Ihos , porque tanto que avistou a cos-
ta da índia , foy metendo de lo para
se pôr á barlavento de Goa , e hou-
ve vista da terra por Car^patão , don-
de foy demandar a barra. Chce:a
Logo que o Viso-Rey soube , que buma m
çn- Goa,
440 Vida de DJoXo de Castro:
entrara náo do Reyno , mandou de-
sembarcar os doentes , c]ue çUq em
pessoa Foy visitar , e prover. E certo ,
que entre as excellencias d este bom
Viso-Rey , podemos dàf o primeiro
lugar á charidade , porque náo costu-
ma ser virtude de Soldado , e menos
de Ministro, Reccbeo as vias , em que
achou as honras , e mercês , que ha-
vemos dito , estimando estas para de-
sempenho , aquellas para premio j de
que os Fidalgos a si pruprios se daváa
parabéns , contentes de que ficasse o
Viso-Rey outro triennio governando ,
como quem entendia , que tinháo
nelle os soldados pay , e o Estado
homem.
Adoece Achava-se Dom João de Castro ,
o Viso- gastado menos dos annos , que dos
Hei/, trabalhos de tam contmuas guerras ,
com que veyo á cahir rendido ao pe-
so de tão graves cuidados. Enfermou
gravemente , e descobrio a doença
em poucos dias indicios de mortal j
o que elle conhecendo pela moléstia
de repetidos accidentes , se aliviou
jyelxa o da carga do governo. Chamou ao Bis-
Cover- po D. Joáo de Albuquerque , a Dom
fío. Diogo de Aimeyda Freire , ao Doutor
Francisco Toscano , Chanceller mór
do Estado , a Sebastião Lopez Lobac-
L I V K o IV. 447
to , seu Ouvidor Geral , e a Rodri-
go Gonçalvez Caminha , Vedor da
Fazenda , aos quaeí entregou o Esta-
do cona a p?z dos Príncipes vizinhos,
assegurada sobre tantas victcrias. Man-
dou vir á si o Governo popular da Ci-
dade , ao \'igario Geral da índia , ao
Guardião de S. Francisco , a Fr. Antó-
nio do Casal , a S Francisco Xavier ,
e aos Oíficiaes da Fazenda dElRey ,
à quem fez esta falia.
„ Nam terey , Senhores , pejo de ^^^^'^
„ vos dizer, que ao Viso-Rev da In- 'l""^ '^
,, dia talcam nesta doença as commo- ,,
,, dioades , que acha nos hcspitaes o
,, mais pobre soldado. Vira 3 servir ,
55 nào vim á commerciar ao Oriente;
55 á vós mesmos quiz empenhar os
„ ossos de meu filho , e empenhey
3, os CAbelios da barba , porque p:;ra
3, vos assegurar , n^o tinha outras ta-
3, pecarias , nem baij'ella^. Hoje náo
,j houve nesta casa dinheiro cem
.3j que se me comprasse huma g^ílli-
,, nha ; porque nas armadas que fiz ,
35 primeiro comiáo os soldados os sa-
3, larios do Governador , que os sol-
3, dos de seu Rey ; e nam he de es-
3, panrar , que esteia pabre hum pay
35 de tantos filhos. Peço-vos , que em
„ quanto durar esta doença , me o/«
de-
44^ Vida de DJoSo de Castro;
5, deneis da fazenda Pvcal huma ho-
,, nesta despeza , e pessoa por vós
,5 determinada , que com modesta tai-
5, xa me alimente. E logo pedin-
do hum Missal , fez juramento sobre
os Evangelhos , que até a hora presen-
te náo era devedor à fazenda Real
de hum só cruzado , nem havia rece-
bido cousa alguma de Christáo , Judeo ,
Mouro , ou Gentio j nem p^fa a au-
thoridade do cargo , ou da pessoa ti-
nha outras alfayas , que as que de Por-
tugal trouxera ; que ainda a prata ,
que no Reyno fizera , havia já gasta-
do , nem tivera já mais possibilidade
p^.ra compi^r outra colcha , que a que
na cama viáo j só á seu filho D. Ál-
varo fizera huma espada guarnecida de
algumas pedras de pouca estima , pa-
ra passar ao Reyno. Que diâto lhes pe-
dia mandassrm fazer hum termo , pa-
ra que se alguma hora se achasse ou»
tra cousa , EiRey , como a perjuro ,
o castigasse F.sta pratica se escrevea
nos livros da Cidade, a qual se pode-
rá ler , como instrucçáo , aos que lhe
succedêrào i nos quáes , creyo , ficou
a memoria mais viva , que o exem-
plo.
Logo que o Viso-Rey entendeo,
que era chamado á mais duiâ batalha ^
fu-
Livro IV. 449
fu2:indo à importuna diversão de cui-
dados humanos ^ se recolheo com o
Padre S. Francisco Xavier , buscando Kecolhe^
para' tão duvi Jo?a viagem , tam se^u- y^ <^^"' ♦
ro piloto i o (]ual lhe' foy todo o tem- ■P; ^^'
pb , que durou a doença , enferm.ei- ''^'^^'
ro , intercessor , e mestre. Como náo
acquiiio riquezas , de que dispor de
novo , nam fez outro testamento , que
o que deixou no Reyno , quando pas-
sou á governar a índia , em máos
do Bispo de Angra Dom Rodrigo Pi-
nheiro , com quem o tinha comm-u-
nicado. E recebidos os Sacramentos ^"'^
da igreja , rendeo á Deos o espirito '"^^'^*
em seis de Junho de mil quinherircjs
quarenta e oiro , aos quarenia e oi-
to de sua idade , e quasi três de go-
verno d'aque';le Estado. As ríq^iezas ,
<]ue grangeou na Ásia , foráo suas he-
roicas obras , que neste papel viráo á
lèr os futuros com sauílcsa rr.emoria.
No seu escritório se achárf^o tf es tan-
gas larins , e humas disciplinas , com
sinaes de usr-r muito d'ellas , e a gue-
delha da barba , que havia empenha-
do. Mandou em Sáo Francisco de
Goa depositar seu corpo , para que
d^^alii se tresladassem os ossos á sua Ca-
pella de Sintra. Tratou-se lofp do fu- Enterre»
neral , náo menos lastimoso , (^ue so- c senti-
km- menta*
Vem
scas os
jos ao
450 Vida DE D.JoSoDH Castro*
lemne , merecenílo de. todo o Estada
lagrimas illiístres , e pjebeâs
Depois de alguns annos vieram seus
o«sos ao Reyno , que foráo recebidos
T. com reverente , e piedoso âPPiauso ,
^ ultimo beneicio , que com suas cin-
zas ha recebido a pátria , e trazidos
Deposl' ^05 hombros de quatro netos seus ao
tão-sc Convento de S. Domingoá de Lis-
€m S, boa 5 onde muitos dias se lhes 6ze-
Domin- ram «sumptuosas exéquias. D'a(]ui fo-
^os di lio segunda vez trasladados ao Con-
Liihoa» vento de S. Domingos de Ben;\}iea ,
onde ( posto que em Capelia alhêa )
Tresla- esriveráo alguns annos com tumulo
dam-sc decente , ate que o Bispo Inquisidor
á Bumji- Geral D. Francisca de Castro seu ne-
'íí* ro 5 lhes fez capelia , e sepuUura pró-
pria; na traça , na mataria , e na es-
culriua , depois das Rcaes , a nenhu-
ma segunda ; cuja rehçáu náo desa-
gradará , em beneficio da memoria
do avQ , e piedade do neto.
n j. , bi^ta o Convento de S. Domin-
Unac es- 1 t-. ,- 1 .1 j
tã0hoje.?>^^ de Bem fica , dous mil passos da
* Cidade de Lisboa. Hum lugar vizi-
nho lhe dá aqueile nome. Foy o sitio
delle em propriedade dos Senhores
Keys de Portugal ; no qual , por sua
frescura , tinháo huma casa de cam-
po , que frequentaváo , já para diver-
são
L I V F o IV. 4fí
são ios negócios , já para o exercicid
da caça. EIRey D. ]oão o Pumeira
vendo-se devedor > á Deos de tantas
vicrorias ^ entre entras acçoens de gra-
ças , fez d 'estes paços doação á Ordem
de S, Domingos, com terras, hortas,
e pomares vizinhos , erB vinte , tí
dous de Mayo de mi!, trezentos no-
venta , e nove , para se fundar este
Convento , <^ue fiam só teve os sli-
cesses P.eaes , sçn'j.o os augmenros.
Obrigou-se o fundador ( por provisão ,
que nos archivos do Convento se
guarda ) à amparar , e defender ns
cousas 5 e Religiosos d'eile , solicito
na causa de Deos , vaJeroso na sua.
EIRey Dom ]oáq o Segundo lhe do-
tou huma grossa fazenda , oue com
nome da Quinta das Ilhas hoje possue
a casa , sem lhe impor obrigação , quef
pode^se tazer menos grata , ou liberifl
a esmola. EIRey Dom Manoel , ain-
da que repartido em cuidfdos , e fa-
bricas mayores , deixou nos sacrifí-
cios á^esTç Tertiplo religiosa memo-
ria , ordenando , que se dissessem ca^
da semana aos Anjos duas Missas can-
tadas á favor dos navegantes 5 que esre
era o Astrolábio de seus de?cobrime?i.
tos , e as forças das vicrorias Orien-
ties d'aquel]a idade. A Rainha Dor^u
Gg C«-
472 ViDA DE DvIoXo DS CaS1'RO.
Catherina irarou esta casa como Ca-
pella su-\ , otFerecendo-lhe de sca Ora-
tório Relíquias de reverencia , e pre-
ço ; entre outras , em huma grande
CriiZ de prata hum pedaço do Santa
Lenho , que sendo oíFerecido por máos
Rcaes caliíicáo a certeza de tam su-
perior donativo , accumuiando os se-
nhores Reys nesta c.ísa á benefícios
ter.ipones , os sagrados. EiRey Dom
Phiiippe o Segundo lhe acrecentou os
próprios com huma honesta esmola,
Foy sempre dos mais observantes da
ReiJgiáo este Convento , que com no-
me de Recoíeta , nam permitte declina-
ção , ou indulgência do primeiro ins-
lifuco, Neile como em escola de virtu-
des , se costumaváo retirar os filhos
mais beneméritos da Ordem ; huns á
fugir , cwtros á descançar das Prelasias
para vagar á Deos em ócio santo , e
reformar o espirito.
Nesta casa por fundaçam , e dis-
ciplina iliustre descansáo as cinzas '•
victoríosaá de Dom Joáo de Castro ,
em huma Capella , , e sepultura de -
religiosa grandeza. He esta da insti-
tuição de Corpus Chriiti , cem a por-
ta prmcipal no claustro do Conven-
to , e sobre ella pendente hum es-
cudo relevado das armas do funda-
dor.
Livro IV. ^fj
dor ; abraça o largo deJIa quarenta
palmos i tem mais de serenta o ccm-
primento ; proporção a que os Archi*
tectos chamáo Dupla , e á obra Dó-
rica. He de huma só nave de pedra-
ria brunida ; o lageamento de pedras
de core? também brurridas. Em torno
a circunda interiormente hum com-
posto , c proporcionado pedestal , so-
bre que se íonda a armonía da maij
architcctiira. Tem seis arcos com pi-
lares interpostos , sobre bases , capi-
teis , e sinta! has também em torno ,
com seis luzes obradas com respeito
á architectura. Tem hum retabolo ,
e sacr-irio ( em que sempre está o
Santíssimo Sacramento alumiado com
duas alampadas de prata ) de c-bra de
Talha com floroens , tudo dourado ,
e no alto hum painel da Cea do .Pe-
nhor. Detrás do Ahar , e retabolo
ha Coro dos Noviços , para cuja cria-
ção , e melhor serviço do Senhor se
lhes fez casa com vinte cellas , e
mais oíncinas , que formão o corpo
de hum Convento. O tecto da C:'pe!-
la , depois de coroada cem a simnlha ^
he também de pedraria , apainslaJo com
arrezoens , e molduras Dcs seis arcos ,
que a compõem , ficáo os deus primei-
IQS nos Pxes byte rios ; no da parte c»
Cig ii Evan-
45'4 Vida de D. JoSo de Castro.
Evangelho , está huina port* , que dá
serventia para a tribuna , e aposentos do
fundador ; e no da parte da Epistola
outra para o serviço da Sancristia. Oi
outros Quatro occupéo quatro sumptuo-
sas sepultaras , cujas urnas fcrmáo pe-
dras de cores lustradas , que descansam
ás costas de elefantes de pedras negras.
No primeiro arco , que fica junto ao
do Presbyterio da p-rte do Evangelho ,
está a sepultura de D. João de Castro ,
onde , antes de se fechar , foráo recolhi-
dos seus ossos j com o seguinte epitaphio.
D. JOANNES DE CASTRO
XX. ?RO RELIGIONE IN UTKAQUE
MAURITÂNIA STIPENDllS FACTIS .*
JÍAVAt STKENUE opera THUrETAKO
BELI.O ^
MAKl RUBRO FELICIBUS ARMIS PEKETRATO
DEBELI.ATIS INTER EUPHRATEM,ET INDUM
NATIONIBUS ;
GEDROSICO REGE , PERSIS , TURClS
UNO PRÉLIO FUSIS ;
SERVATO DIO , IMO REI PUB. REDDITO ;
DORMIT IN MAGNUM DIEM ,
NON SlBl , SED DEC TRIUMPHATOR ;
ruBLlClS LACRYMIS COMPOSITUS ,
PUBLICO SUMPTU PR/E PaUPERTATE
FUNERATUS.
OBIIT OCTAVO ID.JUN. ANNO M. D.XLVllI.
<<ETAT1S XLYlll.
L I V R o IV. 45*^
Estão em o seguinte arco junto á
csie os ossos de Dona Leonor Couti-
nho sua mulher.
Da parte da Epistola em o arco , que
responde ao da sepultura de D. Joáo de
Castro está a de D. Álvaro seu filho ,
em c]ue do mesmo modo foráo postos
seus ossos, tem o epitaphio, que se segue.
D. ALVARUS DE CASTRO,
MAGNI JOAKNIS PRIMOGENITUS >
CUI PENE*AB INFANTIA DISCRlMlNUM SO*
CIU9 , PUGNARUM PRECURSOR ,
T.1IUMPHORUM C0NS0R5 ,
^MULTJS FORT1TUDINI3 ,
H.ERES ViRTUTUM , NON OPVM ;
REGUM PROSTRATOR , ET RESTlTUrORt
IN SIKAI VÉRTICE EQUES FELICITEI
INAUGURATUS :
A REGE SEIASTTANO SUMMIS REGNl
-ALCrUS HONOR IBUS .*
Bis ROM/C , SEMEL CASTELL.€ , 6ALLÍ.« »
SABAUDI^ LEGAT10NE PERFtJNCTUS,
OBIIT IV. KALENDAS SEPTEMBRIS
ANNO M, D. LXXV,
íETATIS SU.Íi r..
E logo no outro arco junto a este,
está D. Anna de Attayde sua mulher.
No váo d'esta Capella se fez hum car-
neiro cora seis arcos de pedraria , em
hum
45:6 Vida de D JoXo de Castrou
hum dos quaes ha altar para se dizer
* Missa ; e os mais tem repartimentos
para os ossos , e corpos dos defuntos.
Dotou o Bispo Inquisidor Geral ,
fundador d'esta Capella , ao Conven-
to de Bemíica , para sustento dos Re-
ligiosos que háo de assistir ás obri-
gaçoens d elía , duzentos e quarenta
mil rc.s de juro em cada anno , situa-
dos nas rendas da Cambra desta Ci-
é^ade de Lisboa , repartidos . pela or-
dem çeguin:é. Cenro e vinte mil réis
por três Missas quotidianas. Cincoen-
ia ( antecipada esmola ) pelos anniver-
sarios , -que ha de ordenar em seu tes-
tamento. Quarenta para fabrica , e
provimento da Capella, Trinta para
ss poder acudir ás necessidades dos
Iveiigicsos 5 que naquelle Noviciado
residem , para a custodia , e limpeza
da Capella. Além do que a ornou de
muitas peças ricas , e devotas i e a
Sanchrisria delia de todo o necessário
ao culto divjno ; assi ornamentos para
as festas , como para os dias ordiná-
rios , roupa branca , ca tiçaes , rochei-
ras j lampadns , ceriaes , e mais cou-
Ascen- sas semelhantes , tudo com abundan-
dencla cia , e perfeição,
de Dom Dom Joáo de Castro, tam darp
João de polo sangue 3 como- polas virtudes >
(^astro. na-
L 1 V B o IV. 45*7
nasceo em Lisbna á vinte e serce de
Fevereiro de mil e quinhentos i foy
fiiho segundo de Dom Álvaro de Cas-
tro , Governador da Casa do Civil ,
e de Dona Leonor de Noronha , fi-
lha de Dom Jcáo de Almeyda , se-
gundo Conde de Abrantes , neto de
Dom Garcia de Cssrro , qne foy ir-
mio de Dcm Álvaro de C. stro , pri-
meiro Conde de Mcns.ínto , filhes de
Dom Fernando de Castro , neros de
Dom Pedro de Castro, e bisnetos de
Dom Álvaro Pirez de Castro , Conde
de Arrayolos , e piimeiro Condesta-
ble de Portugal , irmão da Rainha
Dona Inês de Castro , que foy mu-
lher d'ElRey Dom Pedro o Cruel.
Era este Condestabie filho de Dom
Pedro Fernandez de Castro , a quem
chamarão em Castella , o da Guerra,
que vindo á este Reyno , principiou
nelle a illustre Casa dos Castros , que
em tanta grandeza se tem conserva-
do. O qual [)om Pedro , era por ba-
ronia descendente do Infante Dcm
Fernando , filho dElRey Dom Garcia
de Navarra , casado com Dona Maria
Alvares de Castro , fiiha única do
Conde Álvaro Fanhez Minava, quin-
.ta neta de Lain Calvo , de quem di-
riva sua origem esta família. Sendo
mo-
4^8 Vida DE D JoXo t)E Castro;
moço casou Dom Joáo de Castro com
Dona Leonor Coutinho , sua prima
segunda , mayor na qualidade , que
no dote ; com a qual retirado na Villa
de Almada fogio com anticipada ve-
lhice ás ambiçoens da Corte. Passou
a servir á Tanger , aonde deu de seu
valor as primeiras , mas náo vulgares
provas , bem que d*estas alcançámos
mais fama , que noticia. Tornou á
Corte chamado por ElRey Dom
]oáo o Terceiro , e como já seus
brios náo cahiáo no Reyno , passou
á índia com Dorn Garcia de Noro-
nha. Acompanhou a Dom Estevão da
Gama na jornada do Estreito do mar
Roxo , e fez desta viagem hum Ro^
teiro obra luil , e grata aos Nave-
gantes, Tornado á Portugal se reti-
rou á sua quinta de Sintra , descan-
sando na liçáo dos livros , sempre
exemplar no ócio , e na occupaçáo.
Outra vez cingio a espada psra seguir
as bandeiras do Emperador Carlos na
jornada de Tunez , onde á seu nome
ajuntou gloria nova. Acabada esta em^
preza se recolheo á Sintra escon-
de iJo-se á sua própria fama ; soube
fogir dos cargos , náo pod€ livrar-sé.
ElRey Dom Joáo o chamou para Ge-
neral das armadas da cosra j serviço,
em
Livro IV, 4^9
em que 2 seu valor responderáo os
successos. Passou ultimamente á go-
vernar a índia , onde com as victo-
lias , que havemos rererido assegu-
lou , e reputou o Estado. Nas hoías
que lhe perdoaváo o.s cuidados da
guerra descreveo em copioso tratado
toda a costa , que jaz em Goa , e
Dio , sinalando os baixos , e recifes ;
a altura da elev?.çáo do Polo , em que
estáo as Cidades , restingas , angras ,
e enseadas , que formão os portos j
as monçoens dos ventos , e condi-
çoens dos mares 5 a força das corren-
tes , e o im.peto dos rios ; arrumando
as linhas em taboas difFerentes : ludo
com tão miúda , e acertada Geogra-
phia que o poderá esta só obra fazer
conhecido j se já o náo fora tanto pelo
valor militar. Com igual semblante o
virão as incommod idades da pátria , e
•as prosperidades do Oriente , parecen-
do sempre o mesmo homem em di-
versas fortunas. Fez brio de m.crccer
tudo , e de náo pedir nada. Fazia ra-
zão , e justiça á todos igualmente ,
sendo nos castigos inteiro , mas táo
justificado , que mais se podiáo quei-
xar da ley, que do Ministro. Era com
os soldados liberal , e com os filhos
parco , mostrando mais humanidade
no
400 Vida de D.JoXo dí: Castro.
no Ou cio , que na natureza. Trinta vn
€om grande respeito as acçoens de seus
antecessores , honrando até aquellas de
c^uQ se apartava. Sem estragar corte-
sia , conservou o respeito. Dos grandes
parecia superior , dos pequenos pay i vi-
via de maneira , que emendava as cul-
pas , mais com o exemplo que cem o
castigo. Sempre zelou a Cíiusa de Deos ,
primeiro que a do Estado i nenhuma vir-
tude deixou sem premio ; alguns vícios
deixava sem castigo , melhorando assi
muitos , huns com o beneficio , outros
com a clemência. Qs donativos que re-
cebia dos Príncipes da Ásia mandava
carregar na fazenda Real ; virtude , que
louvarão todos , imiráráo poucos. Os
soldados enfermos achaváo nelie lasti-
ma , e remédio ; n todos obrigava , e
parecia devedor de lodos. Evitou ( co-
mo ruína do Estado) chatinar aos sol-
dados ; nenhuma facção emprendeo ,
que não conseguisse , sendo nas exccu-
çoens promptíssimo , maduro nos con-
selhos. Entre occupaçoens de soldado ^
conservou virtudes de Religioso ; era
frequente em visitar os Templos , gran-
de honrador dos Ministros da Igreja ,
compassivo 5 e liberal com os pobres;
devotíssimo da Cruz , cujo sinal ado-
rava com inclinação profunda sem dií-
fe-
L I V K o IV. 461
ferença de lugsr , ou ten^po. E t^m re-
lii;iosamente ardia no culro deste sinal
santíssimo , ^ue quiz mais lavrar templo
á sua memoria , que fundar casa á sua
posteridade , deixando como em piedo-
sa benção á seu filho D. Akaro , que
se na ^aça , cu justiça dos Reys achas-
se alguma gratidão de seus serviços, do
premio delles edificas e na serra d? Sin-
tra hum Convento de Recoletos Fr;in-
ciscanos , advertindo , que com a invo-
caçam da Cruz se titulasse a Casa. D.
Álvaro de Câsrro , que das virtudes de
tão piedoso pay foy legitimo herdeiro ,
ordenou a fabrica do Convento , me-
nos grande pela magestadé do edificio ,
que pela santidade dos varoens peni-
tentes , que o habitáo. Sendo a pri-
meira vez mandado pelo Senhor Rey
D. Sebastião com embaixada ao Papa
•Fio IV. impetrou delle privilegiar o
Altar do dito Convento para todas as
Missas , e para o dia da Invençam da
Cruz indulgência plenária a todos os
que rodassem polas necessidades mayo-
les da Igreja ; e advertidimente pola
alma de D. ]oáo de Castro : graça ráo
singular , e nova, que a não vimos con-
cedida á Príncipes soberanos. Parece que
andava em Itália tão viva a f^Ona de
suas victorias , como de suas virtudes ,
402 VíDA DE D JoXo Dff Cas i'no;
qualiHcada3 com ráo illustre testemunho
do Vigano de ChrÍ5ta Por estas , e
outras virtudes cremos terá alcançado
no Ceo melhores palmas em mais aU
<luefi' to triumpho. Teve três filhos , que to-
/Adj ti' dos 5 como benção do p-y seguirão 03
ví. perigos d.i guerra D. MÍ2uel o mais
morro , que nos dias d*ElRey D. Se-
bâsiiam passou á índia , e faleceo Ga^
pitáo de xMalaca. D. Fernando , que
faleceo abrasado na mina Jo baluarte
Elogio de Dio. D. Álvaro com quem parece ,
de D. que partio as palmas , e as victorias ,
Álvaro filho , e companheiro de sua fama ; o
de Cai- qual tornando ao Reyno , sem outras
^''0' riquezas , que as feridas , que recebeo
na gí?erra ; casou com D. Anna dá
Attayde filha de D. Luiz de Castro ,
Senhor da Casa de Monsanto. Foy dEi-
Rey D. Sebastião particular aceito ,
íiando-lhe os mayores negócios , e lu-
gares do Reyno ; fez diversas embai-
xadas á Castella , França , Roma , e
Saboya. Foy do Conselho de Estado,
e unico Veador da Fazenda ; e çntre
cargos tam grandes, acabando valido,
morreo pobie.
IN.
À
INDEX
DAS PRINCI PA ES COUSAS
d' ESTA HISTORIA.
l\. Dem , Cidade d 'Arábia. Seu sitio, pag.'
411. Rax Solimáo a occuja com exroraáo.
41^. Succedç-Ihe Marzáo ibidem, d mcra-
dores a ofrerecem á ElRey de Campar.
ibid. Elle pede scccorro , e offerece huma
fortaleza á D, Manoel de Lima, 415. Re-
cebem os moradores a D, Payo de Noro-
nha , que os vem socccrrer. 417. E desam-
parados d'el!e .ivisio 20 Governador. 418*
\''alor com ouc alguns Portuguezes se hou-
veráo nesta guerra, 411. Põem os Turcos
cerco á Cidade. 422, Como se háo 03 Ará-
bios desamparados dos ncS5cs. 424. Entráo
CS Turcos a Cidrdc por rr.iiçáo. 425.
AÍTÒnso de Noronha , ( D. ) Governa-
dor de Ceita , 22. Recebe a [)» Jcáo de
Castro com grandes iesia?? , 28.
Agaçaim. Chega o Governador D. ]oáo
de Castro á esta Cidade. 4c:. Fnvesre ^o%
moradores, 40^. Ellcs fogem, ihidan. D.
Álvaro de Castro os SQgi\Q ^ 404. N^oltâo
outra vez , ibid. Morre o seu General. 405,
Álvaro Baçáo. (D.) General da Arma-
da do Emperador , 25. Visita a D. João
de
464 Index,
de Castro no mar. 25. Discorrem sobre 1
jornada, ihid» Resolvem peleijar. ibid. Mu-
da de parecer ,16,
Álvaro de Castro CD.) Passa á índia
com seu pay , i ^. Ke armado Cavalleiro
por D. Estevão da Garaa , 16. Torna ao
Reyno com seu pay , 16. Vay com soccor-
ro á Alcácer Ceguer , 28. Parce para a
índia com o Governador seu pay , ^4. Vay
contra o Hidalcáo , 62. Sahe com seis na-
vios , ibidem. Presa que faz, <5;. Destruída
a Cidade de Cambre , volta para Goa , 70.
Vay com soccorro á Dio , 182. Cnpitaens
í^ue com elle váo , 184. Trabalhos da via-
gem , 215. Arriba á Baçaim , ibid, Sahe
d ahi para Dio, 22o. Torna a arribr,r , 251.
E sahindo tornou a arribar á Agaçaim , 252.
Toma huma náo de Cambaya , 25^. Che-
ga á Dio com 40. navios , ibid. Como he
recebido do Capitam mòr , 254. Aposen-
ta-se no baluarte em que acabou seu ir-
mão D. Fernando , 254. Avisa ao Gover-
nador seu pay do estado da fortaleza , 255".
Estranha aos nossos o quererem sahir ao
inimigo , 258. E vendo-os resolutos , os
acompanha , 259. Valor , e disciplina com
que se ha , 161, Sobe o muro , dondá
cahio com huma pedrada , 26 1, Engeita
grande resgate , que lhe olTerece Rnmtcáo
por' hum Capitão Janizaro , 274. Assina-lhe
o Governador ( chegado á Dio ) 5C0. Por«
tu-
I N D E X. 465:
ruguezes para a batalha , ;c^. V^alor com
que se ha , i^oj. Perigo em cjus se vê ,
1^11. Fntra na Cidade, ^12. O Governr»-
dor seu pay o faz hum dos Cabos contra
o Hidalcáo , ^82. Peleija na vííni^uarda , e
com grande valor , ^84. E faz fugir o ini-
migo , ;84. Parte á Dio com o Gover-
nador seu paf , ^H6. Vay á Surraie , ^H8,
E manda D. Jorge de Wenezes tomar lín-
gua , 7^>Uj. E depois outros C?pit?.ens ,
i^Hp. Entra em Dsbul, e tema a Cidade,
40 !. Enveste os inimigos em Agaçairií ,
40;. E fogmdo Q\hs 5 os segue 5 404. Al-
cança-se victoria . 406. Assola outra Cida-
de Da bui , 408. Vay com soccorro á Adem ,
418. Que armada leva , 4íí>. Succe.9so da
viagem , 426. Faz conselho , e cjue se as-
•enta 5 ibidem. Vai sobre Xnel , 4?7. Ga-
nha a fortaleza , e volta á Goa , 429 Elo-
gio de D. Álvaro de Castro . jl6i.
António de Atrayde . (D.) Sahe de Ba-
çaim. , 2 ^4. Chega n Oío 2 ^6.
António do Casal (Frey) Na batalha de
Dio andi anim ndo os nossos com hum
Crucifixo na máo , :5i2.
António Corrêa. Sahe da fortaleza de
Dio a fazer alguma presa , 24 >. L-.nveste
com doze iM ouros que o prendem , 247.
He presentado á Rumecio ibid. Quer per-
suadilo á que deixe a Fé , 248. Afron-
us que lhe fazem , 24B. He degollsdo poU
Fe.
466 I w D K x/
Fé. 249 Os Mouros fazem com sua cabeça
mofis , e algazarras aos nossos, ihid, At'
vorâo os nossos a cabeça de hum Mouro z
vista da de António Corrêa, 250.
António Moniz Barreto, Aceita ir á Dio
com hum caraveláo de bastimentos , 18^.
Chega á Baçaim ,215. Valor com que sal-
va o caraveláo , 216. Parte para Dio ,
ibid. Perigos da viagem, 217. Chega á for-
taleza , 2í8. Desconfiança briosa cue hou-
ve entre eile , e Garcia Rodrigues de Tá-
vora. 218. Valor com que se ha em va-
rias occasioens , 22í>. E em outra estimu-
lado de hum soldado , que trouxe comsi-
go ao Reyno , e fez despachar , 244. Vay
esperar as náos de Cambaya , e toma aU
gu;nas delias , ^ ^ ^. Parte á Candea ajudar
a conversão d'aqueUe Rey , ^46. Viagem
que f^z , ^5^. Ghe^a d Candea , e acha
tudo trocado, ibid. Tr.na de volta r-se , ;54:«
He acomerido dos inimigos , 1555» Traba-
lhos 5 que passa, ibid. Prudência com que mo-
dera os seus soldados , ^56. Esforço com
que peleija 5 ^58. Rerira-se , ibid. Por hu-
ma carta que tem d*ElRey de Candea quet
tornar , ^59, Os soldados o encontrão ,
ihtd, Recolhe-se á armada , :^^0. Torna á
Dio com o Governador , :^^6. V^ay á Adem
com D. Álvaro , provido na fortaleza , que
se havia de fazer , 419. Vaior com que se
ha em Xael ,428.
An.
ÍNDEX. 467
Anroniô de Noronha (D.) Filho do Vi-
so-Rcy D. Garcia , embarca-se para Dio ,
com sessenta soldados á sua custa , zSó. Faz
presas nas nios de Meca , 409. Vay á Adem
em Companhia de D. iUvaro , 415^. Valor
com que se ha em Xael ,428.
Anronio Peçanha. Capuáo do baluarte
S. Jorge em Dio , i ^o. Valor com que
peleija , i6j. Hum de 3 cinco soldados que
resistem valerosaraente yo inimigo , 2 í í.
Anore. Cidade assolada por D. Manoel
de Limíi , 2f,f.
Athaiiasio Freyre , indo para Dio , foy
encalhar junto a Surrate , e -levado à Sol-
rtáo M:.hmiud, 252.
Acedecáo. Capitão do Hidalcáo, 54. Des-
baratado peio Governador D. João de Cas-
tro , 56.
B
B
Açora , fia Arábia Felix , sua descrip-
çio , :5^4, Os Turcos se íonidcáo nella ,
Baluarte. O baluarte Sanctiago faz gran-
des ruinas , 150. Defronte do baluarte S\
Thomé levanta Coge Çofar huma tnae.-i-
na 5 que faz grande damno , 152. Assalta
Juzarcáo o baluarte S. ]oáo , lói. E Ku-
mecáo o baluarte S. Thomé, 161, Entiác:)
os Turcos este baluarte , 170. E corre fa-
ma que he perdido, i7i. Levanta o ini^
Hh ' mi-
46S ÍNDEX.
migo hum bastião defronte do bnlnarte San-
ctia^o , ívSP. Os nossos o desfazem, ibid
CKegio os Turcos a Cavalgar o baluarte S.
Thomé , ic)6. Comete o inimigo o baluar-
te Scncriago 5 22^. E o baluarte S. Joáo ,
e retira-se , 2^0. Arvora o inimigo três
bandeiras no baluarte Sancriago , 2^^. E
ahi se pelei ja com valor , 2^7. Acomere-
se o baluarte S. Thomé, 24^. Successos n®
baluarte Sanctiago , 244.
Barba. Manda o Governador empenhar
os cabellos da barba á Cidade de Goa por
vinte mil pardaos para reedificar a fortale-
za de Dio , ^19. Os Cidadãos de Goa lhos
tornáo , ^i^. Onde, e como se conserváo
hoje , ^24.
Barba-Rcxa. Cossario famoso , 5 Persua-
de ao Turco faça guerra á Christandade ,
18. Vem com huma armada em demanda
do Estreito , 26. Vendo a resolução de D.
Joáo de Castro se faz em outra volra , 27.
Baroche. Sitio , e fortificação d-esta Ci-
dade , ^47 Trato de seus moradores, ^47.
JVíadre Maluco senhor delia , 547. D. Jorge
de Menezes a entra , e lhe põem fogo , :548.
Acode tarde o Maluco, :?48. Despeja-se a
fortale?.^ avistando a D. Álvaro , :^çS,
Bento Barbosa. Hum dos cmco solda-
dos , que em Dio valerosamente resistem
ao inimigo ,211.
Bernardim de Sousa , Capitão das Ma-
Index. 469
lucas , ^62. Leva comsigo a Cachil Aey-
ro , :^6;. Cliega com el!e á Ternare , 7,6^,
Bcrcholameu Corre?., Hum dos cinco sol-
dados , que com grande valor sustentam anv
Dio o Ímpeto do inimigo, 21 r.
V^ AcKil Aevro. Da-Ihs o Governador D.
Joáo de Castro a investidura da Coroa d6
Maluco, icp. Vay preso á Goa por man-
dado de Jordão de Freitas , ;62. O Go-
vernador o absolve , ^6^. He lev.ido á
Ternate por Bernsrdim de Sousa , 26^. E
restituido aos seus , ^64.
Calabatecáo. Turco valeroso de Dalmá-
cia , ^99. Capitão do Hidalcáo , ibid, Re-
tira-se de Agaç?jm com a entraJa do Go-
vernador , 40^. Torna a pôr os seus em or-
dem , 404. He mono por D. Diogo de
Almeyda , 40^.
Cambre. Determina D. Álvaro de Cas-
tro entrar em Cambre , 6^. Resolve enves-
til\, 64. Salta em terra , 65. Grandesa ,
c Forças da praça , 66, Resistência do ini-
migo , 67. Ganha-se finalmente a Cidade,
6(^. Destruição , e saco , ibid.
Campar. Aceita El R.ey de Campir a so-
jeiçáo que lhe ofíerecem os moradores dé
Adem, ^1^. Manda contra o lyrRnr.o Mar-
470 Index.
2âo 5 íbíd. Entra na Cidade d pariido^ 4!4, |
Sahe depois ao tyranno , e morre na bata-
lha 5 41 6.
Candea. Reyno na !Iha de Ceilão, :54^.
Cujo Rey recebe a pregação do Evange-
lho , ihid. Mostra depois inconstância , m^s
os Religiosos o animáo , ihid^ ElRey de
Cotta o dissuade da Fé , ^50, E consen-
te nisso o de Candea , jji. Arrepende-se
do que tem feito , ^çH..
Carlos y, Emperador. Determina bus-
car a Barba-P>.oxa , 6. Lanço de cortesia
entre o Emperador, c o Infante D, Luiz,
c). Quer armar Cavalleiro a D. ]oáo de
Casiro , de que elle se escusa, 11. Faz
Pàiercè ao5 Capitaens da armada , que D.
}cào náo aceita 5 Uid. Avisa a ElRey D.
loáo IIL dos desenhos do Turco, 22. E
j^cde ajuda para lhe resistir , ibid.
Carta d'ElRey D. João para o Governa-
dor D. Joáo de Castro ,7;. De Catheri-
na de Scusra pata o Governador, 184. L)o
Infante D, Luiz , 287. Do Governador pa-
ra os Cidadãos de Goa, pedindo-lhes vinte
mil pardaos sobre os cabellos de sua bar-
ba , ^20, Reposta, ^24. Carta do Gover-
nador para seu filho D. Álvaro , acerca de D,
joáo Mascarenhas , ;^6. Carta d'ElRey D.
Joáo para o Governador , 4;i. Da Rainha D.
Catherina 5 4;4' Do Infante D.Luiz, 4;9'
Cathcrina de Sousa. Escreve ao Gover-
na-
Index. 471
nador , e lhe offerece suas joyas para d.
guerra , 184.
Caxcm. xManiâ o Rey de Caxem pedir
soccorro ao Governador , 420. O Governa-
dor manda a D. Joáo de At'âydc com qua-
tro navios , 42 1.
Ceilão, Manda El Rey D. Joso Religio-
sos Franciscos primar a Fe em C-riláo , ;4a.
Coge ÇoFar. Persuade a Mahamud Rey
de Cambaya , que tome Dio aos Pcrtu-
guezes , 90. Quem era este Mouro , 91.
Como veyo á Cambay.i , 95 Razoens com
que persuade a empresa de Dio , (,6. Pro-
posta que hz ao Capitão da forraleza , 117.
Intenta ganhala por traição , i zc. Chega à
Dio com gente 5 122. Muniçoens , e bas-
limentos que traz , 12^. Pratica que foz
SOS seus, 124. Torna a instar ro Capitam
da fortaleza , 126. Entrão-lhe soccorros ,1^^.
Começa a bater a fortaleza , ibid,. Estra-
tagema que arma em huma náo , i ^4. Que
os nossos desbaratáo , 1^5. Continua a ba-
taria, i?7. Faz juramento de ganhar Dio,
ou acabar na empresa, 150. Morre de hu*
ma baila , 155»
Compaixão , do Governador D, Joio de
Castro , ^5 1 ?^ ) ^97 í e 44^.
Cotta , Reyno na Ilha de Ceilão, ^44.
Cujo Rey recebe os Religiosos Franci^cos,
ibid. Dissuade da Fé ao Rey de Candea ,
' ^50.
Crux
47^ I K D E X,
Cruz. Veneração que o Governador D.
João fazia á Sanra Cruz, 57. Invenção da
Cruz de S. Thomé , 58. Milagre nctavel da
mesma Cruz , 60. AfFecto com que o Go-
vernador recebe esta nova ,62,
D
D
AhuL Cidade famosa do Hidâlcao ,
400. Entrada , e destruída pelo Governa-
dor , e seu filho , 401.
Dabul de sima. Outra Cidade 'assi cha-
mada , assolada , e de<;rruida pelo Governa*
dor , e seu filho , 408.
Desafio* Entre D. João Manoel , e João
Falcão , e como se bouveráo estes Fidal-
gos valerosamente contra o inimigo , ^05.
Dio. Descripçáo da Ilha , 122. Come-
ça Coge Çofar a bater a fortaleza , i^^.
Senhoreáo os inimigos a cava, 145. Acha-
se hum postigo antigo na fortaleza , por
onde o Capitão repara alguns danos, 155:.
Depois o manda fechar, 1^7. Faltas que
se sentiáo na fortaleza, 157. Valor, e resis-
tência dos nossos , i6'4. Outro assalto , 16B.
Sobem Turcos á Igreja , á que acede D,
3oâO Mascarenhas , 175. Onde se pelei) a
com grande valor . f^6, Retiráo-se os ini-
-migos , 177. Morrem muitos delles , ibid^
Vglor de 14 soldados nossos, 189, Assalto
Index. 473
geral , 191. Reparo dos nossos contra o
to^o , 192. Recoihe-sa o inimigo , 19^. Com
que perda , 194. Novo assalto , 196. Re-
sistência dos nossos , 197. Perda grande dos
inimigos , 199. Necessidades da foiraleza ,
ihid. Remédio para a falta de panelKis de
pólvora j 2ca, Finge o inimi^^o dar novo
assalto , 2g6. ^^^lor notável de cinco sol-
dados 5 2c8. Seus nomes , iJi. Aco-
dem os nossos ao reparo dai mirsâs , 221.
Da o inimigo outro assalto, 228 Re istem
os nossos valerosamenre , 229. Perigo em
que se vem , 22,1 ^ ^ 2 ^9. Defendem as ro-
turas de huma mana , 24 i. Extremos em
que esiá a fortaleza , 251. Derermináo os
nossos sahir em busca do inimigo , 257. Pro-
seguem seu intento contra o parecer do
Capitão 5 e de outros , 258. Sahem final-
mente , e em que ordem , 2S(). Resistên-
cia dos inimigos , 260. Perda dos nossos
nesta desordem, 264. Tomáo depois disso
os nossos 14 gelvas , que basteciáo o ini-
migo , 274. Brio lastimoso de três solda-
dos nossos, ^04. Alcança-se victoria , ;i4.
Estimação do numero dos inimigos, ;i^.
Despojos, e saco da Cidade, ^17. Tiro
de Dio na fortaleza de S. Gião, ^17. Nu-
mero dos mortos, :^iS. Reedifica o Go-
vernador a fortaleza, ^18, e ;:3. Oeixa
D. ]oáo Mascarenhas a praça , e o Gover-
nadoí a entrega á Luiz Falcáo , yj6.
Dio-
474 I H t) ]E X.
■ Diogo de Almeyda Freire (D.) Câpi-
jtáo mór de Goa , 276. Encontra a reso-
lução de ir o Governador á Dio , ib^id. Fi-
ca com p governo em sua ausência , 284.
E quando torna , o visira no mar , ^^8.
Vay contra o Hidâlcáo , por mandado do
Governador, ^61 , e ;75. Chega á fortale-
za de Rachol , ^j/ó. Onde recolhe a gente ,
íbíd, Sahe contra o Hidalcáo , ^82, Em
outra occasiam (]uer fazer o mesmo , ^99*
A Cidade lho encontra , íbidenu Avisa ao
Governador , 4C0. Espera-o em Agaçaim ,
402. Mata ao General dos inimigos, 405»
Fica com cavaliaria n^^s terras de Salsete,
407; Entrega-lhe o Viso-Rey o governo do
Faseado , e ao Bispo , 446.
Diogo de Anaya. Acção notável to-
mando huma lingua ao inimigo, 148.
Diogo de Reynoso. Encomenda-lhe o
Governador a seu filho D. Fernando, 127.
Assiste no baluarte S, Thomé, 202. Com
valor desordenado foy occasiáo de perecer
muita gente na mina do baluarte , 206,
Diogo Soares de Mello j estando em
Pntane o manda vir á Malaca Simáo de
Mello , ^6$, Para onde se parte , ^66, Sa-
He ao Achem com D. Francisco d'Eça ,
^6y, Apazigua hum motim de soldados ,
^68, Rende a galé Capitania do inimigo ,
S. Domingos de Bemfica , Convénio
I N D E x^ 475*
junto de Lisboa , 450. Capella sumptuosa ,
que nelíe fabricou o Bispo Inquisidor ge-
lal ,452. O que lhe dotou , 456. Nella
está a sepultura do Viso-Rey D. Jcáo de
Castro 5 454. E a de D. Álvaro de Castro ,
455.
Duarte de Menezes ( D. ) Governador
de Tanger , ^. Arma Cavalleiro a D. João
de Castro , ^. Informa a ElRey do mere-
cimento de D. Jcáo , 4.
Duarte Menezes (D.) sahe de Baçaim ,
2^5. Chega á Dio , 2^6. Valor com cpe
se porta na peleija ,263.
E
E
Stevao da Gama. (D.) Succede no
governo da índia á D. Garcia de Noro-
nha 5 14. Vay ao Mar Roxo , ihíd. Arma
Cavalleiro a D. Álvaro de Castro , 16.
F
Austo Serrão de Calvos , reposta ga-
lante que dá ao Governador , ^92.
Fernão Carvalho , manda tomar lingua ,
para saber o desenho do inimigo , por
ordem do Capitão de Dio , 146. Avisa ao
mesmo Capitão do que vira ao inimiga,
168.
Fernando de Castio, C^O ^^^^^ * ^""
dia
47^ I N D E X.
dia com o Governador seu pây , ^ 5. Vay
com soccorro á Dio , 127. Chega á for-
taleza, i^H. Como o recebe o Capitão ,
I ^p. Pede-Ihe licença para sahir ao inimi-
go , que se lhe nega , 144. Esforço com
que se ha , 19^. Estando doente acode ao
baluarte S. Thomé , 205. Morre em hu-
ma mina com outros Fidalgos , 207. De-
posito que se faz de seu corpo, 212. Man-
da o Governador desenterrar seus ossos pa-
ra os empenhar á Cidade de Goa , que
nam rem effeito , ^19,
Fernão Perez. He o primeiro <^ue sobe
cm Xael por huma escada contra os Far-
laques ,428.
Fernáo de Sousa. He mandado pelo Go-
vernador á Maluco, III. Responde á hu-
mas cartas de Ruy Lopes de Villalobos
Capitão dos Castelhanos , 1 1 ^. Avista-se
com elle , ibid. Acordo que tomáo , 114»
Como se ha na falta da palavra do castelha-
no, 1 16.
Francisco d*Eça. (D.) Sahe de Mala-
ca contra o Achem por mandado de Si-
mão de Mello , ^66. Tem novas delle , e o
quer seguir , ^6y, Os soldados se amoti-
náo , ibid. Avilta o inimigo, ^68.
Francisco Guilherme. Sahe de Baçaim ,
2^4. Chega á Dio, 240.
Francisco de Mello , Capitão da forta-
leza de Rachol , ^82. Avisa ao Governa •
dor
Index. 477
dor p/íra qi!e se juntem contra o Hidal-
câo; ihid.
Francisco de Menezes, ( D. ) Vay com
soccorro á Dio , 182. Arriba á Baçaim ,
215, E depois á Agaçaim , 2^^. ^^alor com
que se ha em Dio , 256. Estranha aos nos-
sos o Quererem sahir ao inimigo , 257.
Acorrpanhâ05 nesta sahida , 250. Morre de
hum pelouro , 262.
Francisco Vle.tã , e Manoel Pereira ,
outro soldado de forruna , ficiráo na Ci-
dade de Adem , retirando-se D. Payo , e
peleijaráo valerosamenie , 42^. Salvarão nes-
ta briga hum Infante , que levaráo á Cam-
par , 424.
Francisco Xavier. (S, ) Fiel obreiro da
vinha do Senhor , 85. Sccega o povo de
Malaca na espera de huma armada contra
o Achem , ^72. Pronostica a victoria , an-
nunciando os modos , e circunstancias del-
ia , ^7:5. Acompanha ao Viso-Rey D.
João em sua doença 3 e a:siste á sua mor-
G
Andar , Cidade nâ Costa de Cam-
baya destruída por D. Manoel de Lima ,
Garcia de Noronha. ( D. ) Quando pas-
«ou á governar a Índia levou comsigo a
D.
47? I N D E X.
D. ]oâO de Castro , i ^, Faleceo em bre-
ve , e succedeo-lhe D. Esíeváo da Gama ,
14.
Garcia Roclrir;'Jes de Tavcra , vay á Dio
em companhia de António Moniz Barreto,
216, Desconíiânça briosa que entre elles
houve, 218. Valor com que se ha na pc-
leija , 116.
Gil Coutinho. Capitão do baluarte S,
Joáo , I ^o. Cuid^.do , e vjlor com que pe-
leija , 150. Morre na mina, 207.
Goga , Cidade nd Co:ta de Cambaya ,
á que vay D. Manoel de Lima , ^29, Sia
<]ueada , e abrasada , ^ ^ i.
H
H
Xxidâlcío. Primeira embaixada sua ao
Governador D. Joáo , 41. Quem em este
Mouro, 4^ Como se introduz na Coroa,
44, Cuidado que lhe dava a vinda de Mea-
le para Goa , 47. Faz grandes partidos ao
Governador Martim Affbnso de Soiísa p0-
Ja pessoa de Meale , 49. Primeiros movi-
mentos contra o Estado da índia , 54. Co-
mete paz , vendo a fortuna de nossas ar-
mas , 71. O Governador a aceita , 72.
Manda sobre as terras firmes , ^éo. ^7^.
Cuidados em que estava , ^74. Retira-se
á Pondá , ^8^. O Governador o vay seguin-
da, J84. £ o faz retirar ao Sertão, ?85«
Tor-
Index. 479
Torna de novo com guerra , yj^. Danos
(pç recebe , 402.
I
%j Acome Leite. Desfaz hum e^rratagema
de Coge Çofar, i;ç. Tomou muitos man-
timentos aos inimigos , matando a muitos
deiles, 14^.
Joso ( ElRey D, ) chama de Tanger a
D. Joáo de Castro , e lhe hz mei-cè , 4-
Faz-lhe mercê quando foy á índia , i z.
Faz General da armada da cosra a D. Joáo.
17. E depois da armada contra o Turco ,
2^. ConBança aue delie m;Oãtra ter , 24.
Elege-o para Governador da índia , ; r.
Carca que lhe escreve . 7^. Festeja a no-
va da vicroriâ de Dio , 4^0. Carta que es-
creve á D. Joáo 5 e mercês que lhe faz ,
4^1. Prcroga-lhc o governo outros ires an-
nos com titulo de \'Í50-Rey , 444. Man-
da seis nrios à InJia , 445.
Joáo de Albuquerque. (OBl^po D.) fi-
ca com o governo em companhia de D.
Diogo de Almeyda na ausência do Gover-
nador, 2B4. E quando torna, o visita no
mar , 3^8. Recebe-o na ^é com Tc Dexm
laudamus , ^42. l ntrega-lhe o \^iaO-Rey o
governo , e íí D. Diogo de Almeyda ,
}oáo
4^0 Index.
]oáo de Almeyda. (D.) Cem seu irmão
D. PeJro , encarrega-se-ihe em Dio o ba-
luarte Santiago , 127. Sahem ao inimigo,
e o estrago que fazem, j83. Cuidaco , e
valor com que peleija , 151 , 16?, 170.
]oáo de Attayde (D.) Vay á Adem em
companhia de D. Álvaro de Castro, 419,
O Governador o manda á Caxem , 420,
SuGcesso da viagem, 425'. Sahe ao encon-
tro á D. Álvaro , 416, Valor com que se
ha em Xíid , 427.
Joáo de Castro. (D.) Seus primeiros es-
íudos , I. Applica-se as Mathematicas , 2.
Passa á Tanger , ^. Seu procedimento na
Corte , 4. Casa com Dona Leonor Couti-
nho , 5. Passa -í Tunez , ib. Tornando des-
ta jornada se recolhe á Sintra , 11. Passa
a primeira vez á índia, 12, Em companhia
de D. Garcia de Noronha , ib. F.mbarca-sc
no soccorro de Dio, i ^. Vay ao Mar Ro-
xo com D. Estevão da Gama , 14. Faz
hum Roteiro nesta viagem , if. Torna ao
Reyno , e o faz ElRey General da armada
da Coáta , lé. Desbarata sete náos de Cos-
sarios , 17. Recolhe as da Indiz / ibid. El-
Rey o faz General da armada contra o
Tuíco , 2;. Avista-se com D. Álvaro Ba-
çào , General do Emperador , e discorrem
sobre a jornada , 24. Resolvem peleijar ,
2$, Permanece neste parecer contra o d»
General Castelhano , 26. Espera o inimi-
ga
Index. 4S1
go no Estreito três dias , 27. Vay á Cei-
ta , 28. Volta a Lisboa , e recolhe-se á Sin-
tra , 2fj, ElRey o faz Governador da índia ,
;i. Corre cem o apresto das náos , ^2,
Reprova as galas de seu filho. ^^ Parte
para a Índia , ^4. CHega á Moçambique ,
^é. Parte para Goa , ^7. Como he recebi-
do , ^S. Estado em cjue achou o governo
da índia, ^9. Reposta cjue dá ao Hicalcào
sobre as cousas de Meale , 51. Apercebi-
mentos que faz para a guerra , 5^ Sahs
contra Acedecáo Capitso do Hidalcáo , 54.
Peieija com elle , e desbarata-o , 56. Acei-
ta a paz que o Hidalcáo pede ,72. Tra-
^a das cousas do Estado , ib. E das da Re-
li^iáOj 7:;. Manda gente á I)io , ic6< Es-
creve á Solráo Mahamud «obre as cousas
dacjuella fortaleza , 107. Manda scccorro
á Dio , I2C. E depois a seu filho D. Fer-
nando com outro soccorro , ! 2% F. huma
■carta muito honrada a D. João Mascare-
•nhas , I 29. Pregoa guerra contra Camba-y^. ,
•141. Escreve á todas as praças , e ped&
-empréstimo para soccorrer a Dio , 142. Re-
corre á Deos cem preces públicas , ibid.
Cuidados em que andava sobre estes soc-
corros , 180. Manda á seu filho l\ Ál-
varo , 18 r. E a D. Francisco de Menezes^
182. Aprestos que fica fazendo, 18^. Cui-
dados cm que andava , 267, Chegáo-lhe
novas de Dio, 26p. Piedade, e aJe^ria com
Que
482 Index.
que as recebe , íhid. Valor cjue mosrra com
a nova ài morre de seu filho D. Fernan-
do , ihhi. Manda fazer procissam em ac-
çam de graças , 270. Declara em conselho
a resolução de ir á Dio , 275. A qual se
lhe encontra , 276. Resolve-se em ir, 280.
Sahe de Goa á soccorrer Dio, :84- ^om
que armada , e Capitaens , ibid. Chega z
Baçaim , e faz guerra a Cambaya , 285. En-
tra em Dio , zr,->. Faz conselho no mar ^
2(;B. Mere a gente dentro áã forcdeza , ihid^
Resolve dar batalha , :jco. Ordem pe dá
á armada , ibid. Faz outras prevençoens ,
:{0i. Falia aos soldados, ;02. Ordem cm
que os póem , ibid, Sahe da fortaleza , p^.
Perigo em que se vê , e como «e livra ,
^07. Acclama vicroria, e prosegue-a , ^o3.
Pcleija pessoalmente , ^09. Envesre a Ru-
mecáo , ^ jo. Alcança viccoria , ;í4. P^ja-
bens que se lhe dio , ^17. Reedifica a for-
taleza, ;i8. Empenha os cabellos da bar-
ba , ;ip. Os Cidadãos de Goa lhos cor-
náo , e juntamente o dinheiro que pede ,
;2^ Continua a obra da fortaleza, ^28.
Manda a D. Manoel de Lima fazer guer-
ra pela Costa de Cambaya, ?29. Depois
manda a António Moniz , esperar as nãos
de Cambaya , ;^^ Tem aviso de Ormuz
de novos morins de guerra , ^^4. Manda
•para lá á D.Manoel de Lima, ;^5. Escre-
ve á ElRey D. Jcáo os merecimentos dos
ioi-
I H D E X. 4S3
soldados, ^7,6. Embarc2-.se para Goa , ^^^^
Chega , e he visitado no mar , ibtd. De-
creta-se-lhe tfiumpho ^ cuia fabrica se des-
creve , ihíd. Enrra na Cidade, 240, Hiua
Vereador lhe íaz pratica , ;4i. He rece-
bido com triumpho , ^42. Vay a Sé , e re-
conhece a Deos por /\iírhor de suas vi-
ctorias , ^4.^ Zela a conversão do Rey de
Candea , e manda á isso Anronio Moniz
Barreto, ^46» Manca a D. Diogo de Al^
meyda contra o Hidalcáo, ^íaí., e ^7^. K
depois disso a outra gente, querendo eiíc ir
«m pessoa , 7^62, Póem em conselho a guer-
ra do Hidalcáo , ^76. A qual se dihra pa-
ra outro tempo , ;77. Manda exercitar os
soldados , ibid» É os favorece , como kz
a Francisco Gonçalves , ^78. Tem avisos
de Dio , ibid* Que communica ao Sena-
do , pedindo-lhe ajuda , ^79. Avisa a Ghaul ,
e Baçaim , ^80. Resolve a guerra do Hi-
dalcáo , ^82. Ordena a sua gente , ibid,
Vem-lhe Embaixadores do Canará , v8^.
Ouve-os , e deipede-os , 28^. ^egue o Hidnl-
cáo , ^84, Volta á Goa , ^H6. Torn.i i
Dio , e com que armada , ibid. Chega í
Baçaim , 2^^8. Manda seu filho D. /\;va.
ro á Sunate , ibid. Galantaria com que
amedronta os Mouros, :^9r. A;,unta-?e com
n. Álvaro na barra de Surraie , ^9^- Avis-
ta o Soltáo , e presenta-lhe batalha , <?(,>^.
Falia ^os soldados , ibid. Reposta dos Ff'
li dai-
4^4 Index.
dalgcs 5 e Cabos, ?94. Espera no campo
ires horas , e eiriharca-se , ^y^. Danos <]ue
hz ao inimigo , í/'///. Cheira á Dio , :^95,
Enrreg : a praçn .-i Luiz F?.!cáo por deixa-
çáo de D. Joáa Mascarenhas , Vj^» Em-
baic;;-se para Bnçaim , \vn. Onde escreve
á EIRey D. joáo , lembrnndo r;S homens
que tinháo servido, ^90, Que nlviçaras lhe
pede 5 4;o. Kmbarca-se para Goa , e .ivis-*
ta Dabul, 40c. Toma a Cidade ,401. Che-
ga á Agaçcim, 402. Enveste os inimií;os ,
40:;. Pelcija pessoaimente , 405. E alcan-
ça vicroria , 406. Despacha as náos para
o Reyno , 4C7. Coniinui a guerra do Hi-
dalcáo , {h\A. Assola Dabul de sima , 40B.
Tala a c-impanha , 409. Vay á Baçaim , e
faz dignos á Cambaya , Wnà, Os morado-
res de Adem pedem soccorro contra hum
lyranno , 415. O Governador lhes manda
a seu filho D. Álvaro, 418. \'em embai-
xada d'FlRey de Caxem , 420. Reposta áo
Governador , e soccorro que manda , \h\à.
Cartas ane tem d EiRey D. Joáo , da
R.dnha D. Catherina , e do Infante D.
Luiz 7:5. , 4;». . 4U* 5 4^9. Frorop-lhe El-
Key o s^overno com titulo de Viso-Rey ,
444. Che^^ huma náo do Reyno á Goa ,
44ír. Recebe as vias , e acha as honras ,
e mercês , 44<^- Adoece o Viso-Rey ,.
e deixa o Governo , 'únL Manda vir os
da governança , e o <]ue lhes diz 3 447»
I N D S X, 4^5^
Juramento que ante elles rorr.a. 448. Co-
nhecendo o perigo da doença se recolhe
com S. Francisco Xavier , 449. Sua n:or-
tc , enrerro , e sentimenro de rodos ,
ibid. Seus ossos vem ao Reyno , dcpositáo-
.^c cm S. Domingos de Lisboa , e d'ahi se
passam Á Bem fica , 4-0. Afcendcncia do Ví-
so-Rey D. João de Castro , 45^- Filhos cue
leve , 462.,
joâo Coelho \'igâr!0 da fortaleza de Dio ,
ofierece se para ir ao Governador , 158.
Ciiega o seu avi-o , 18'. Torna á Dio,
Ip5. A^ima aos soldados na peleija , 2rò.
Jofio Fíúcáo. Desfio que tem com D.
João i\]ànoel , 7,c<;, Como se compu<;er20 ,
ibid. Tendo sobido o muro he morto ás
cutiladas . ;c6.
Joáo Manoel. (D.) Desaílo que tem com
Joáo Filcáo , e como se compuseráo , ^05.
Sobindo 20 muro lhe cortarão as máos ,
e cabeça , 7,06,
Joáo Mascarenhas. (D.^ Capitão de Cio ,
J06. Avisa ao Governador D. Joáo ce
.Castro do? desenhos de Coge Çofar , irid,
Propos':â que o Mouro lhe fcz ,' t ít. Re-
posta que lhe dá , 119. Avi-^a curra vez
ao Governador , ibid. Prevençoens que faz
:para aguerra, 12 r. Respc^de á outra inc-
ítancia de Coge ÇofaT , 127. Reparte os
postos da fortaleza , I ;c E falia aos soí-
dados , i^i. Como recebe a D. Fernnn-
li ii <1q
4S6 I K o E X.
úo ÒQ Castro , que vem com soccorro ,
1 ^y. Avisa por terra á ElKey D. Joso ,
14.4. Cuidado 5 e vigilância com que ace-
dia a tudo j ffí. , x^;., 25c. Maquina com
i^ue desfaz outra do inimigo, i5g. Repa-
ra as ruioas da fortaleza , 166. Acode a
lançar os Turccs fora, 17^. E o faz com
gríjnde vaior , 174» Deterniinaçáo ivalerosa ,
que intenta, 21^. Avisa a D. Álvaro dè
Castro das necessidades da fortaleza , 220»
Recebimento que lhe faz cm chegando ,
254. Avi5a ao Governador dos successos da
fortaleza , 2<c. Tr:ita dissuadir os nossos
que querem' sahir ao inimigo , 257, E ven-
do sua resolução os acompanha , 25^. Acor-
do com íjue se porca , 262. Pócm em or-
d^m os soldados , 167;. Como recebe ao
Governador, 297. Que gente lhe dá o Cio-
vernador para a batalha , p2. Valor com
que se ha na pelei ia , ^06. ', ^1:5. Entra na
Cidade, ;i2. Determina deixar a praça an-
tes do tempo acabado , ^^^, Torna acei-
lala , e fica nella , 7,7,6. Avisa ao Gover-
nador do que determina ElRey de Cambaya ,
7,->^. Faz deixaçáo da praça , ^(j6. Embar-
ca-se para o Reyno , 407, Elogio de D.
]oáo Mascarenhas , ibid»
joáo. ( Mestre ) hum dos cinco soldados
que valerosamence em Djq resistem ao
inimigo , 208.
jeronymo de Menezes. (D.) Capitão
móc
I W D K X, ^87
mór de Baçaim , 272. Entrega quinze na-
vios á V^asco da Cunha para levar a Dio ,
ibid,
Jordão de Freiras , Capitão das Malucas ,
7,61, Prende a Eí^ey Aeyro , e o manda á
Goa , ibid. Enrrega o governo das Malucas
á Bernardim de Scusa , 7,6^,
Jorge de Menezes. ( f). ) Salie de Ba-
çaina , 2^4. Chega á Dio , 2^6. Valor com
que peleija , 161» Fica na enseada de Cam-
baya , por mandado do Gcvernc^dor , ^;7,
Toma algumas embarcaçoens de mantimen.
tos , ^4-". Dá sobre a Cidade de Baroche ,
^48. Que destroe , e põem á fogo , ^49,
Toma o appellido de Baroche , ibid. Par-
te á Dio , com o Governador , 7^S6. Che-
ga á Surrate por mandado de D. Álvaro,
^89. Salca em terra , e entra a povoação
com grande valor , ^90. Acode ao« nos-
sos onde peleijavão , ^90. Voltáo para D.
Álvaro, ^pr. Pede ao Governador quinhen-
tas esping.irdas para sahir ao Soiráo , ^95".
Faz pre.';as em nãos de Meca , 409.
Isabel Fernandes. Vaíerosa matrona , cha-
mada commummenre a V^elha de Dia ,
151. Valor com que se ha em algumas oc-
casioens , 207, 2z6,
Isabel Madeira. Valor particular com que
se houve na guerra de Dio, 2C9.
Juzarcáo , Abexim v.tlente , que o Sol-
tão Mahami\d deixa em seu lugar na guer-
ra
48o Index/
rad^ Dío ^ "f47. Faz juramento de ganhar
a fortaleza , ou acabar na empreza , 150.
/issaha o baluarte S. 'oáo , 161. Enveste
a Couraça , 171. Morre de hi:m pelouio,
«78.
Jiizarcáo. (Outro) \''em a continuar o'
cerco de Oio , 187. Enveste o Bi-.Iuarte
S. joáo , 1 98. Sahe á ençoncrar-se com os
nossos , 26c. ^
L
L
Uiz (Infante D.) Aprende as Ma-'
rhematicas , 2. Passa ; Tunes com o Em-
peradcr seu cunhado , ^. Lanço de corre-
ziâ entre elle , e o hmperador , 9. Pro-
põem a D: Joáo de Castro para governar
a índia , ^o. Cartas aue íhe escreve , 287 ,
Luiz de Almeyda. V^y com seis cara-
ve ias de soccorro á Dio , mandado peio
Governador, z-'^. Cl^.e^i a- fortaleza , e
vay esperaras nios de iMeca mandado por D,
-Alvsro de O^ctro , ibid. Toma du^S , 27;.
E enira coni elias em Oio , 274.
■ Luiz Falcão. Cheja á Dio , vindo de
governar Ormuz , 295. O Governador lhe
éntreí;a a praça por deixaçáo de D. Joáo
Ma^ciren 1*3 , X()6»
Luiz de Mello de Mendqça. Sahe de
Bacrtim para Dio, íí4. Perigos que tem
na
I K D E X. 489
nx vingem , ikid, Resisre âos que querem
arribar, i]6, Ghegi á Dio , e dá ní»vas
de D. Alvàro , íbid, He í^pcsentaJo no ba-
luarte Sanciia^o , 2^7. Moire de liu m pe-
louro , 261,
Luiz de ^0^333, Capiíío do baluarte S.
Thom.f , ! ^o. Cuidado , e valor com que
peleij;i , ko , ?6f , i-.jz , 228 , 26^.
Lopo de Sousa. Peleiia vaiercsamente em
Dio 5 e morre atravessado de hum dardo ,
263.
Lourenipo Pirez de Távora. Capitão mót
da viagem do Reyno, z6l). Chega á Co-
chim , e vay á Dio , 2B6. He o primeiro
que afFerra o muio , ^09. Volta a Lisboa ,
42^.
M
M
A laca. Conjuráo vnrios Reys contra
ella , ^64. Chega o Achem , e recolhe-
se logo , 7^66^. Contr.i quem manca o Ca-
pitão Simão de Mejío , ;67. Embaixada
dos conjurados , ^70. Reposta de Simáo
àe Mello 5 ^71.
Malucas. Milagroso successo nellas , 85.
Direito que os Rey> de Portugal tem so-
bre ellas , ioB> O Governador as dá á Ca-
chil Aeyro , io:>. Váo Casrelhanos á ellas ,
lio. Como se hão , e resolvem com os
Portuguezes ,114.
490 Index,
Manoel He LiiTia. (D ) Cliega do Rey-
no á Gol , 268. Quer partir logo para Dio,
€ o Governador o dissuade, ihítl. Vay em
sua compannia , 2R4. O Governador o
manda a enseada de Cambava com seiS na-
vios , onde toma muitas presas, 28^. Entra
(Em vSgrrate . e faz-Ihe muitos danos , lp4.
/\sso]a a CiJade de Antote ,295. E a ou-
tros lugares da costa, 297. Chega á Dio,
ç o Governador lhe dá quinhentos Portu-
guezes para a batalha , ^o^. Valor com c^ue
se ha, ^07. ^12. Entra com D. Álvaro na
Cidade , ^1:2. Sabe â fr.zer guerra aos lu^
gares dí costa , ^29. ^^:y á Cidade de Go-
ga , que saquêa , e abrasa , ibld. Destroe
Também Gmdar, ^^2. Recolhe-se á Dio,
ihid, Onerece-se a ficar na praça por deixa-
çáo de D. Joio Mascarenhas , ^;^. Vay
para Ormuz, 7,^^, ElRey de Campar lhe
©íferece huma fortaleza em Adem , 415.
Manocl Fereira. Fíde* Francisco Vieira.
Msrtim Aftònso de Sousa , Governador
da índia , 29. Alterou os bâzarucos , ^i^
^^andâ vir a Meale para Goa , 46. Deter-
rnma entrei^alo ao Hidalcáo , poios parti-
dos que lhe bz . 51.
Martim Botelho , eom dez companhei-
fos vay tcmar huma lirgna ao inimigo ,
?oi. Que novas deu, 2C2.
Marzam , succede á Rax Solimáo no s»'
«hofio de Adem, 412. Ec sç faz íortc no^
I K D E Y« 491
paços contra EIRey de Campar. 41;. En-
trcgando-se a parrido , se sahe da Cidade ,
414. Danos c]ue depois faz, ihid,
Meale. Causa do desassossego do Hidal-
cáo , 41. PasNCU-se á Cambaya , 4^ Marrim
Aironso de 5oQsa sendo Governador o man-
da vir para Goa , 46. Como he recebido
do Governador , 47. Depois o quer o mes-
mo Governador enrregar ao Hidalcáo polo
partido que lhe faz , 50. O Governador
D. Joáo de Castro o detende , s^» He cau-
sa dos movimeritos do Hidalcáo , ^60. E
de seus cuidados , ^74.
Miguel de Arnide , Soldado agigantado ,
vay á Dio , 217. Como se embarca nesta
jornada , ibid. Forças , e valor com que
peleijâ , 227.
Minas. Mina-se o baluarte S. Thomé ,
202. Da-se-lhe fogo , 207. Pessoas que pe-
recerão nesta mina , ibid. Continua Ru-
mecáo com outras , 22c. A cnjo reparo
acodem os nossos , 221. Dáo-lhe fogo os
inimigos com perda sua, 2^2. Abrem ou-
^a , que os nossos atalháo , 241. Conti-
nuáo com outras , e os nossos com os re-
paros 5 26s» E depois com outra , á que
dáo fogo stm dano nosso, 28^.
Moçambique chega ahi o Governador
D. Joáo de Castro , ^5. Muda a fortale-
7a para melhor sitio , ;6. Vay-llie ordem do
Heyno para que a alargue , 581.
Moc-
49^ Index,
Moeda. Queixns do ^-.stado da índia so*
bre a alteração da moeda ,• ;9. Ouve o
Govern.idor D. Joáo a Cidade , e povo so-
bre estA matéria , 40. Resolução que nel-
la tomo'i , 40.
Mo)atecáo , louva o valor dos Portugue-
zes , 227 Sahe a encontrar-se com os nossos,
260. Enveste a fortaleza , e retira-se , 26^.
Mulheres. Valor das mulheres de Dio ,
151 , 16^, 172, 212 , zz6. Valor parti-
cular de hama Porto^neza , 172. As mu-
lheres de Chaul ofFerecem suas joyas para a
guerra, 184. As de Goa ofierecem filhos,
€ fazenda para o soccorro de Dio , 271.
E para a reedificaçáo da fortaleza , ^28;
E também em outra occasiáo , ^80.
N
-.^ Aos. Qn^ntns erão ; e One Capitaens
das com que loy o Ciovernador ÍX ]cáo de
Castro, ^iç. Em qae tempo partirão, ;4»
Perigo que teve a náo do Governador ,
;5. A náo Espírito Santo , de que era Ca«
pitão Dio^o Rebello , chega á Goa, i8i.
Náo de Cambaya tomada por D, Álvaro
de Castro , 25;. Chegáo á Goa náos do
Reyno, 7,So. Ordens que leváo , ^81.
Nuno Pereira. Valor com que peleija
em Dio, 26^. Vem á Goa, e morre no
mar das feridas que traz , 27Q,
Index. 49J
X Ayo de Noronh.?. (D.) Anda com do-
ze navios no estreito de Rosaigate ,416.
Oííerece-se pra ir á Adem em soccorro
d'ElRey de Can-p,ir , 417. Chega á Cidade ,
ibid» Manda iecoi.'ier 05 soId;iJ05 , 4^^ O
que náo quizeráo fezer Maiiod Pereira , è
Francisco Vieira , soldados de fortuna , que
peleijaráo v^deiosamente ,424.
Patê , e P. í-ne. Cidades na co€ta dê
Cambaya abrasadas peio Governador , y^^y,
Pedro de Almeyda. (D.) Sahe cem seu
irmão D. Joáo de Almeyda aos inimigos
em Dio , e estríigo que fazem , 108. Va-
lor com que peleija , 170, 228.
Pedro Nunes. Grande Mathematico , e
IVIestre de D. Joáo de Castro , 2^
R
Ax Solimão. General da empresa np
primeiro cerco de Dio ,41c. Entra com voz
de amigo no porto de Adem ,41'. De^
golla ao Rey , ibid. E se faz senfior da
Cidade j 41 í.
Ruy Freire. Chega á Dio, içz.
Ruy Lopes de Villaiobos. Capitão dos
C as-
494 I K o B X.
Castelhano? , que foráo i Maluco , Tio. Tra-
ta de entreter a Ferrão de t<o\2s^ , i ii, Avis-
tâ-se com elle , m, Acor.:io que tomáo ,
t f4. Falta á promessa, e como nisso se ha
Fernão de Sousa ,115:.
Rumecáo, Succede no cargo de gover-
nar a guerra á seu pay Coi;e Cofar , 1^6.
Continua com huma maquina , que o pay
tinha começado, !57.0fFerece partidos aos
nossos, 159. Assalta o baluarte S. Thomé ,
162. Manda peíeifar as naçoensr divididas ,
16;. Retira-se com perda , 165» Recorre
à superstiçoens , 167. Sente a morte de
]uzarcáo, 178. Como responde á outro Ju-
zarcâo que o vSoítâo manda o continuar o
cerco, 187. Trata de entulhar a cava, 194.
Engano de que Hsa para nos divertir, 20;.
Retira-se com perda, 21 t. Continua com
minas, 22c. Anima os soldados para outro
assalto, 222, Manda bater a Igreja, 226.
Retira-se com perda , 227. He avisado por
três escravos fogidos dos nossos, 228. F^ dá
outro assalto , ihid. Intenta arrombar a cis-
terna , 2^1. Retira-se de outro assalto com
perda, 2^9. Desconfia da empresa, 240.
Abre outra mina , que se atalha, 24». Ou-
tras retiradas, 24^. 245'. Enveste outra vez,
e torna a retirar-se , 256. Anima-se com hum
bom successo que tem contra nós , z6$, Vay
continuando as minas, 26^;, Fabrica huma
nova Cidade, z66, Oiíerece á D. Álvaro
gran-
I K D E X. 495^
grande resgate por hum Capitão Janizaro^
que elle náo aceita ,274 Continua com
outra mina , a c}ue se da fogo sem dan-
no ncsso , 282. Discurso <jue taz depois da
vinda do Governador , 299 Que exercito
tem , e como o dispõem , iH<t* Acode á nos-
sa armada (pe comete a rerra , ^o^. Op-
póem-se aos nossos , t^oç. Forma- se no cam-
po raso, ^ic. D. Álvaro o rompe, e eUe
toma a fazer rosro , ^ i !. Recira-se , ; 1 2, Of-
ícrece noTa batalha, 51^. Morre, :^is.
S
Ebastiáo de Sá, Vay á Dio com D,
Fernando , 1 27. He ferido de huma secta
hervada , 164. Torna com aviso do Capi-
tão mót ao Governador , i^^ç.
Sebasriío de Sá, Hum dos cinco solda-
dos que em Dio valcros^mentc resistem ao
inimigo, 211.
Simão Feyo. Vem com recado de Ru-
inecáo ao Capitão da fortaleza cie Dio, i6o.
Reposta cjue lhe dá , 161.
Simáo de Mello. Capitão de Mahca ,
:555. Manda a D. Francisco d'Eça contra
o Achem , ^66. Embaixada oue mandão
os conjur.idos , ^70. Reposta c^uc lhes dá ,
?7i. Cuidado em c]ue e^ti por falta de no-
vas da arnnada , ;72. Queixas do vnl§i> ,
Sue S. Francisco Xavier sossega , e pronosii-
Ca a victoria, ^72. íiol-
490 Index.
Soltão Mahâmuíi , Rey do CsmbayJ ,
trara de tomar Dio , c\(}, Aprova as razo-
ens que para isso lhe dá Coge Çofar , 105.
Chega á Dio com muita gente , 146. Re-
tira-se , por lhe matarem os nossos hum Mou-
ro com que estava praticando , 148. Man-
da outro Juzarcáo a continuar o cerco, 187,
JFesteja hum bom successo de Rumecáo ,
265. Vingança barbara que toma , ^^4. Jun-
ta gente de novo para outro cerco , ^78. Q
Governador D. Joáo de Castro se avisría
com eile , e lhe presenta baralha , ^9;,
A qual o Soltáo regeita , ^95, Manda com
rigoroso decreto , que se náo falle no cer-
co , e batalha de Dio , ^97.
Surrare , entrada , e destruida por D. Ma-
noel de Lima, 2()6, De^pe)a-se a fortnle-
7.'^ á vista da armada de D. Álvaro , ^9^.
Sente muito o Governador não se tomar
Surrate , ^98.
T
T
Unez. Jornada qiie fez D. João de
Castro, 5. Occasiáo delb , ihid. Fidalgos,
que também foráo ne^ta jornada, 8.
V
Asco da Cunha. Vay com soccorro á
Dio mandado pelo Governador , 270. Che-
ga á Baçaim , 272. Entra cm Dio, ibid.
Index. 497
X
y\. Ael. \''ay D. Álvaro sobre esta Cida-
ce 5 42% Os Fartacjues ofFerecem a fo^rale-
2â , ibid. D. Álvaro inrenra a escí-ía , itid.
Fernão Peres He o primeiro que sobe por
huma escada , 428. Oi Farraijues se defen-
dem té morrer , íbid, Ganha-se a praça ,
4Z9'
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